Por Elys Regina Zils, poeta, artista visual, tradutora.
Até o momento não houve um encontro pessoal entre nós. Floriano Martins é o centro vital de nossas cumplicidades. Conhece pessoalmente Márcio Simões e Demetrios Galvão, o que ainda não se deu conosco. No entanto, de tal modo já incorporamos a virtualidade à nossa vida real que o surgimento de uma “Rede de Aproximações Líricas” era algo mais do que esperado, uma certeza de que nossos caminhos estavam prontos para a sua realização. A rede é fruto, portanto, do desdobramento natural dos esforços realizados há duas décadas por parceiros verdadeiramente incondicionais, suas revistas e sua editora.
A primeira delas foi a Agulha Revista de Cultura, que nasceu ao final de 1999. Foi um projeto virtual desde o início e teve em seu criador, Floriano Martins, um valor pioneiro agregado. Em 2011 surge a Sol Negro Edições, definida por seu idealizador e editor-artesão Márcio Simões, como um selo editorial voltado à edição de livros de poesia e autores à margem dos interesses dominantes. Por último, em 2013 seria a vez da revista Acrobata, que surge primeiramente na forma impressa. Seu criador, Demetrios Galvão, certa vez observou: A Acrobata é uma revista feita com o apoio e a colaboração de muita gente. Alegra-nos saber que uma rede de pessoas transmitindo energias positivas e compartilhando sensibilidades, nos faz ter coragem de seguir à diante com a revista.
Na medida em foram se conhecendo esses três amigos se tornaram cúmplices de inúmeros projetos. Márcio Simões chegou a atuar como editor assistente da Agulha Revista de Cultura por um período de 10 anos. A Sol Negro Edições incluiria em seu catálogo a coleção “Cinzas do Sol” – homenagem a um livro homônimo de Floriano Martins – que, segundo o próprio Márcio Simões, traz poetas já incorporados à tradição de diversos tempos e lugares, sempre em edições bilíngues – no caso das traduções – ou, preferencialmente, na ortografia original, no caso daquelas originalmente escritas em português. Em 2020, a revista Acrobata, já incorporada ao meio digital, e que vinha publicando habitualmente traduções de poetas assinadas por Floriano Martins, cria o projeto “Atlas Lírico da América Hispânica”, A gênese do projeto é recordada por Demetrios Galvão: Ao longo de 2020 nós da revista Acrobata e o poeta, ensaísta e tradutor, Floriano Martins, desenvolvemos uma parceria que tem levado aos nossos leitores e leitoras um conteúdo literário com diversas traduções, textos críticos e entrevistas, com poetas de várias partes do mundo, porém, com uma pegada forte no continente americano, principalmente de expressão hispânica. Recentemente percebemos a necessidade de dar corpo a um projeto mais específico e concentrado, no intuito de organizar e dar a ver/ler uma parcela da produção poética hispano-americana. Depois de algumas conversas chegamos à ideia de criar um Atlas Lírico da América Hispânica, audacioso projeto que abrange 19 países, tendo como curador e tradutor o Floriano Martins.
Em entrevista que deu a Márcio Simões, em 2021, Floriano Martins, de algum modo antecipa a naturalidade com que se chegou à definição formal de uma Rede de Ação entre Amigos. Diz ele: Certamente nenhum desses projetos pode ser feito sozinho. Ao mesmo tempo, o que está acontecendo hoje é naturalmente o resultado de escolhas e riscos ao longo do tempo. As cumplicidades são muitas: editores de jornais, tradutores, amigos que estimularam e permitiram novos contatos, parceiros editoriais, estão todos no meu coração. Todos sabem a importância que têm em minha vida, e com muitos deles continuo a produzir coisas, a trocar ideias, informações etc. O mais importante para todos é a confiança mútua, a certeza de que juntos estamos fazendo um ótimo trabalho difundindo a cultura de nossos países. O resto mandamos para a caixa de correio de Narciso. E é o próprio Márcio Simões a comentar diretamente acerca da Rede: Como diz o mote, nem esperança, nem medo. À parte isso, as parcerias me parecem valorosas no sentido de somar forças na difusão da poesia hispano-americana entre nós. Acredito que a Rede possa contribuir para a circulação do que se lê, se traduz e se edita desta poesia. Com sorte, desfazendo concepções viciadas e superficiais sobre esta tradição lírica e ampliando o seu público.
Há dois anos os deuses de todas as venturas acharam por bem incluir-me ao lado desses três amigos. Floriano Martins me convidou para inicialmente dividir com ele a direção da Agulha Revista de Cultura, que logo passaria exclusivamente às minhas mãos, em um gesto impregnado de generosidade e mistério. Em seguida me convidaria também para dividir com ele as traduções para o “Atlas Lírico”, e a nossa dupla logo se tornaria um trio, com a presença da querida Gladys Mendía. A Agulha Revista de Cultura já se caracterizava como empenhada na difusão, embora não exclusivamente, da cultura hispano-americana. 2021, por exemplo, foi ano dedicado a uma série chamada “Partituras do maravilhoso”: https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2021/10/agulha-revista-de-cultura-projeto.html, onde cada número da revista tratava da cultura de um dos 19 países hispano-americanos, com a singularidade de que sua direção esteve a cargo de escritores desses países, convidados pela revista brasileira. Enquanto o “Atlas Lírico” ia formando um precioso banco de dados: https://revistaacrobata.com.br/atlas-lirico-da-america-hispanica/, que hoje conta com a presença de mais de 300 poetas, a Sol Negro Edições: https://solnegroeditora.blogspot.com/, ia editando poetas de grande relevância, tais como Aldo Pellegrini, Vicente Huidobro, César Moro, Enrique Molina, Caupolicán Ovalles, Miguel Márquez e, mais recentemente, Eunice Odio e Marosa di Giorgio.
A “Rede de Aproximações Líricas” é, portanto, o resultado de uma cumplicidade acima de quaisquer interesses que não seja a permanência de uma ação em defesa da cultura. O que as três instâncias já vinham até aqui realizando seguirá seu curso. A criação de um símbolo comum, a rede, apenas reforça o rigor de nosso trabalho editorial. Estamos juntos, eis o que estamos dizendo com a rede. Estamos determinados a ampliar um panorama de difusão sistemática da tradição lírica hispano-americana. Estamos certos de que esta aventura editorial contará sempre com a preciosa atenção de todos.
Participantes da Rede
AGULHA REVISTA DE CULTURA
https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/
SOL NEGRO EDIÇÕES
https://solnegroeditora.blogspot.com/
REVISTA ACROBATA
FLORIANO MARTINS (1957). Poeta, editor, dramaturgo, ensaísta, artista plástico e tradutor. Criou em 1999 a Agulha Revista de Cultura. Coordenou (2005-2010) a coleção “Ponte Velha” de autores portugueses da Escrituras Editora (São Paulo). Curador do projeto “Atlas Lírico da América Hispânica”, da revista Acrobata. Esteve presente em festivais de poesia realizados em países como Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, El Salvador, Equador, Espanha, México, Nicarágua, Panamá, Portugal e Venezuela. Curador da Bienal Internacional do Livro do Ceará (Brasil, 2008), e membro do júri do Prêmio Casa das Américas (Cuba, 2009), foi professor convidado da Universidade de Cincinnati (Ohio, Estados Unidos, 2010). Tradutor de livros de César Moro, Federico García Lorca, Guillermo Cabrera Infante, Vicente Huidobro, Hans Arp, Juan Calzadilla, Enrique Molina, Jorge Luis Borges, Aldo Pellegrini e Pablo Antonio Cuadra. Entre seus livros mais recentes se destacam Un poco más de surrealismo no hará ningún daño a la realidad (ensaio, México, 2015), Um novo continente – Poesia e surrealismo na América (ensaio, Brasil, 2016), O iluminismo é uma baleia (teatro, Brasil, em parceria com Zuca Sardan, 2016), Antes que a árvore se feche (poesia completa, Brasil, 2020), 120 noites de Eros – Mulheres surrealistas (ensaio, Brasil, 2020), Naufrágios do tempo (novela, com Berta Lucía Estrada, 2020), e Las mujeres desaparecidas (poesia, Chile, 2022). Contato: [email protected].
ELYS REGINA ZILS (1986). Poeta, artista visual, tradutora. Doutoranda e Mestre em Estudos da Tradução pela PGET/Universidade Federal de Santa Catarina. Possui graduação em Letras-Língua Espanhola e Literaturas e Letras-Português também pela Universidade Federal de Santa Catarina/Florianópolis, Brasil. Se dedica à Literatura Latino-americana, pesquisando principalmente Vanguardas Literárias e Artísticas com ênfase em Literatura Surrealista Latino-americana. Editora da Agulha Revista de Cultura (2023), revista criada por Floriano Martins. Tradutora, ao lado dele, de sua trilogia dedicada ao surrealismo, composta por Um novo continente – Poesia e Surrealismo na América, 120 Noites de Eros – Mulheres surrealistas, e Bússola do Acaso – Viagens do Surrealismo. Tem sido responsável ainda, parcialmente, pelas traduções de poetas hispano-americanos para o “Atlas Lírico da América Hispânica”, da revista Acrobata. Atualmente tem em preparação a tradução de livros de Eunice Odio, Olga Orozco e Marosa di Giorgio, todas para a Sol Negro Edições. Contato: [email protected].
MÁRCIO SIMÕES (1979). Poeta, tradutor e editor. Autor de O Pastoreio do Boi (2008) e Fúrias de Orfeu (2016), também é fundador da Sol Negro Edições, uma editora voltada para a edição de livros artesanais em pequenas tiragens. Essa escolha editorial reflete o próprio posicionamento da Sol Negro, que preza pela qualidade gráfica e literária de forma independente como modo de desvincular a experiência da leitura dos interesses estritamente mercadológicos. Publicando poesia, prosa e ensaios, desde os contemporâneos até poetas e escritores a muito tempo não reeditados, como Zila Mamede, Myriam Coeli e Walflan de Queiroz, a Sol Negro divide seu catálogo em cinco coleções, além de plaquetes. Como tradutor publicou Gregory Corso: Antologia Poética; Postais do Peru, de Thomas Rain Crowe; O Fruto de Saturno, de Yvan Goll, entre outros. Contato: [email protected].
GLADYS MENDÍA (1975). Escritora, ensaísta e editora. Tradutora de português e espanhol, em ambos os sentidos, incluindo entre suas obras de tradução a antologia poética de Roberto Piva intitulada A Catedral da Desordem (2017). Foi bolsista da Fundação Neruda (2003 e 2017). Participou na Oficina de Criação de Poesia com Raúl Zurita (2006). Seus livros: El tiempo es la herida que gotea (2009); El alcohol de los estados intermedios (2009); La silenciosa desesperación del sueño (2010); La grita. Reescritura de Las Moradas, de Teresa de Ávila (2011); Inquietantes dislocaciones del pulso (2012); El cantar de los manglares (2018); Telemática. Reflexiones de una adicta digital (2021); LUCES ALTAS luces de peligro (2022) e seus livros mais recentes em cocriação com Inteligência Artificial: Fosforescencia tigra e Memorias de árboles (LP5 Editora, 2023). É editora fundadora da Revista de Literatura e Artes LP5.cl e LP5 Editora, desde 2004. Como editora desenvolveu mais de vinte e cinco coleções entre poesia, narrativa, ensaio e audiovisual, publicando mais de 500 autores. Contato: [email protected].
DEMETRIOS GALVÃO (1979). Poeta, editor e professor. Autor dos livros de poemas Fractais Semióticos (2005), Insólito (2011), Bifurcações (2014), O Avesso da Lâmpada (2017), Reabitar (2019), A inconstância dos fluxos (2023), e do objeto poético Capsular (2015). Em 2005 lançou o CD de poemas Um Pandemônio Léxico no Arquipélago Parabólico. Tem poemas publicados em diversas antologias, revista literárias e é coeditor da revista Acrobata, em atividade desde 2013. Contato: [email protected].