Antonio Gil Neto, nasceu em Taiaçu, interior paulista. Graduou-se em Pedagogia e Letras. Mudou-se para São Paulo, capital, onde construiu sua carreira profissional na Educação pública. Em paralelo, atuou em projetos de formação de educadores e em publicações didáticas, vinculadas ao ensino da nossa língua. Escreveu livros de literatura juvenil: “A flor da pele” e “Cartas Marcadas” (Ed. Cortez). Também é organizador/autor de “A memória brinca: uma ciranda de histórias do ensino municipal paulistano” (Imprensa Oficial). Publicou poesia: “Inéditos, inexatos – uma coleção de água e vidro” (Ed. Folheando), “Sem Saber o Amor” (Ed. Primata) e mais recentemente “Desertos, pássaros, quintais”(Caravana editorial) e “Silêncios, seus estilhaços de seda” (Ed. Folheando).Dedica-se a viajar, ao imprescindível das leituras e a (re)escrever com alegria tantos poemas criados ao longo do tempo.
ENCRAVADO EM MIM: NERVO BLUES
A tua voz
calada
me ensina o grito e a estrada.
Assim, alvoreço e canto
meus passos escutam
serpentes e espada
alcançam
promessa e jornada.
O teu olhar
que escarafuncha e reza
me ama,
me preza.
Assim, me espio peregrino
meus olhos exploram
palavras nuas e a natureza
vislumbram
da vida a boniteza.
A tua presença
irradia aromas luzentes, caseiros
alardes silentes,
alvissareiros.
Assim me perfumo em intensa fragrância
da pele, seus toques e cheiros
meus sentimentos se banham
aspergem, desenham
bons sonhos aventureiros.
As tuas mãos
bailam, semeiam
em abraços de seda
costuram.
Assim me aninho na presteza do afeto
em gestos que acalantam bordados
refúgios e sorte
que acolhem, apontam um norte
cozem luas, cuidados.
A tua língua que saboreia e gosta
cataloga os tons da vida,
degusta e empresta
com querer e gana
temperos de festa.
Assim me oferta o lume,
a palavra certa
que o perigo e o medo afastam
em atenção sempre alerta.
O teu faro, teu tino
que ao coração inspira
direto ao que ama
essa centelha,
infinito agora, brincadeira
a tua mira.
Assim me aprumo ao melhor do sentimento
ao que existe,
quase mentira
mais, ao que invento
e ao que em mim respira.
QUANDO ESPREITA O SILÊNCIO
Numa simples segunda-feira
olhou pungentemente para mim
(algo do inconcebível)
Não disse nada
Cortou pausadamente a maçã luzidia no prato
As nuvens se moveram
feito voo de ave em caminhos de volta
em adiadas chuvas
Meu coração viu desassossego
uma poça d’água nítida
um brinquedo
um aceno incendiado
flutuando
Ajeitou os ombros
e a vontade
Ergueu-se como que tem a chave
e o desfecho
Algo desviado de inquebrantável
entre estreiteza e tirania
quase dó
No suspenso
tantas palavras murchas
ressequidas
o adoecido de fome
e de algum medo
Nunca mais teceríamos idílios comuns
PARA OS CORPOS, AS FLORES, AS ÁGUAS
No meu caderno de rascunhos
desenho esperanças
cavalos perdidos
armadilhas
ilhas
ar
Mais
os corpos flutuando com vida por sobre suas alegrias
ainda luzinhas de pirilampos
os verdes desabotoando todas as suas flores e frutos de pura beleza
e em plena generosidade
as águas alisando a pele
os cascalhos iluminados sob elas
os espaços esculpidos de cores
a arquitetura de saborear a vida
Abra-o
Sem medidas
meu olhar mergulha em areias
ausente
O corpo cicatriza-se
As flores cintilam alongadas
As águas rumorejam quimeras
cintilam seus colares de fogo
Quando voltar
invento de ficar esquecido
cadente
para revelar-me outra paisagem
O VAZIO DA PAISAGEM
A casa que acende e apaga em minha memória, vasta, fecunda
Glorifica-se em cada mergulho que o presente inunda
Talvez quisesse recuperá-la em sonhos, luas, quimeras
Mas, no agora, é só para lembrá-la, suas suaves primaveras
Desço a escada quadriculada do alpendre ao quintal, sozinho
Encontro na certeza da aventura tão generoso caminho
Minha mãe lava a roupa; com as mãos, chapinha os dias
rio cúmplice; ao quintal frutificado me entrego às estrepolias
Ouço o tilintar da tarde, o relógio da matriz espocando alegrias
Mas, de quando em vez, as tristezas enroscando-se às calmarias
As ranhuras das árvores, as ripas forrando a sala vingam-se audíveis
Reconheço no silêncio da pele essas marcas, sons tangíveis
Não há que redesenhar, nem revolver, desvendar algum segredo
A perambular de novo nesse lugar único: enlaço-me em enredo
Há sempre essa casa, esse quintal que me inunda e revigora
Mesmo sem telhas, folhas e frutos, essa paisagem aflora
Mesmo sem rumo de se achegar a ela, sem se saber onde ela mora
Creio-a viva incrustada, intacta a chegar de imediato no agora
Sei-me só e irreverente, desmanchado em sonhos
Afinal, quero me alegrar nesses dias, talvez tristonhos
DESPEDIDA
Fico estático na porta
feito estátua de pedra com coração de vidro e água.
Meus olhos emperram
diante do adeus.
Por detrás
um azulado forte que nem vejo.
Avermelha-se tudo
minam dores
lembranças alardeando as memórias.
Até o ponteiro do relógio grita minutos em sobreaviso
frutificando-se no futuro
o passado afoito.
Como desatar o laço?
Há um lastro que comemora o afeto
mas empurra o passo
seu compasso desafinado.
O que pode ser dito ocupa o estrondoso espaço de mansidão
Há um frio que não significa nada.
As palavras ficam ocas, esmaecidas, alçapões…
Baterei à porta?
Sairei correndo?
Sem olhar para trás
serei para sempre uma folha dormida no jardim.
Os poemas de Antônio Gil são lindos!
Quero destacar a Despedida e o verso que descreve o coração.
Oi, Sonia! Minha alegria em receber essa mensagem tão generosa e estimuladora! Vc, que é uma leitora de primeira, só engrandece o feito escritor da gente. Que este contato com a ACROBATA seja também um novo lugar prazeroso em seus momentos leitores! Obrigado, de coração límpido o e amigo!!!!!
Parabens Gil por esse poemas que tocam nossas emoções. Muito sucesso, mais leitores, mais produção de Arte, nesse mundo que tem se mostrado tão sombrio.
Querida Miriam! Vc faz a gente refletir sobre como a Humanidade tem agido e fica um saldo bastante “sombrio” a ser resgatado. Penso que a Arte, em especial a Literária, pode levar aos olhos e corações leitores algo de positivo nesse aspecto, como vc nos diz.
Obrigado pelas palavras mais que amigas.
Convido vc, exímia leitora que é, a perambular sempre pela ACROBATA, revista que faz um trabalho literário lindo e imprescindível.
Meu carinho.
Gil nos trás na suavidade das palavras o encantamento de lembranças guardadas no mais profundo lugar de nossos sentimentos.
Oi, Ana! Fico mais que feliz em receber esse seu especial presente em palavras!
Acolho-as como um ensinamento e uma pungente oração.
O que me estimula e me enriquece.
Acho que vc vai gostar de se tornar leitora da ACROBATA ( e seu tão querido filho também ), uma vez que essa revista traz regularmente produções literárias lindas e imprescindíveis!!! Obrigado, querida!
Forte abraço!!!!