Simón Bolívar, um poeta por trás de sua trincheira

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por Sara Pardo Del Rio (Jornalista, Medellín – Colômbia)

O Simón Bolívar que todos conhecem foi um assíduo político e militar, ou pelo menos um convicto da campanha libertadora dos territórios que hoje compõem Venezuela, Colômbia, Bolívia, Equador e Peru. Mas, por trás de sua campanha libertadora, percorrendo os Andes, Cartagena ou o Chimborazo, Simón Bolívar era um poeta desconhecido da guerra.

Não era surpreendente que em seus documentos oficiais falassem da plenitude e dos direitos dos homens com completa convicção, da guerra libertadora como o único meio de se libertar das correntes com que os chamados “sábios oligarcas do antigo reino” oprimiam, que nada mais eram do que sinônimo de corrupção. Afinal, até para travar uma guerra, as palavras tinham que ser certeiras como as balas ou os golpes de facão da Batalha de Boyacá.

Sendo assim, Bolívar, um estudioso intelectual da época, suas palavras não evocavam meramente o discurso político de seus interesses nos territórios libertados por ele, mas também falavam das mulheres que conheceram então sua batalha no amor, seus amores desconhecidos ou o mais famoso de todos, como foi Manuelita Sáenz. Nas letras de Bolívar, ele carregava o amargor dos dias, a traição de seus exércitos e o declínio gradual de sua respiração, que seria a única coisa a levá-lo à morte.

Entre os muitos escritos oficiais conhecidos hoje, podemos citar a Carta da Jamaica, escrita por ele em 1815, uma das cartas mais importantes de Bolívar, onde menciona os desafios e até prediz o futuro de sua luta pela independência.

A esses documentos somaríamos o Discurso de Angostura, que foi crucial para a estruturação do que se chamou de Gran Colômbia. No entanto, esses textos, junto com outros cinco, falavam da batalha, das crônicas de um militar imponente que, em sua luta pela liberdade, obteve muita solidão e viu muito sangue derramado.

Poderíamos contar milhares de histórias sobre Bolívar, como o grande massacre de Pasto, mas talvez sua pior batalha tenha sido se manter em uma única cama e com uma única mulher.

Na França, ele romantizaria sua vida com sua prima Fanny, para quem, ao que parece, ele escreveria uma das cartas mais infinitamente belas que um militar poderia escrever a um de seus grandes amores em seu leito de morte. Nela, descrevia com plenitude a beleza das paisagens e o quanto se sentia desolado em meio à doença que o apagava dia a dia. É curioso que muitos escritores sofram do tedioso lamento do ar que ofuscava nossa respiração. A Simón Bolívar escreveu a sua prima Fanny algumas palavras, entre elas, estas:

“Morrei desprezível, proscrito, detestado pelos mesmos que gozaram dos meus favores; vítima de dor intensa, presa de infinitas amarguras. Deixo-te minhas memórias, minhas tristezas e as lágrimas que meus olhos não chegaram a verter. Não é digna da tua grandeza tal oferenda? Estiveste na minha alma no perigo; comigo presidiste os conselhos de governo; teus foram meus triunfos e teus foram meus reveses; teus também são meu último pensamento e minha última dor. Nas noites galantes do Magdalena vi passar mil vezes a gôndola de Byron pelos canais de Veneza, nela iam grandes belezas e grandes formosuras, mas tu não ias: porque tu flutuaste na minha alma, mostrada por níveas castidades!”

E este é apenas um fragmento que descreve o amor, a angústia do amanhã, o desprezo à traição, da qual Bolívar tanto sofreu. Mas, correndo o risco de atrair muitos historiadores como inimigos, as cartas mais importantes escritas por Bolívar falavam de amor. Um amor de um menino perdido nas insólitas trevas da morte que o levou quando sua mãe faleceu. Ele se procurava nas carícias de qualquer mulher. Manuelita, que era tão valente quanto ele, pode-se dizer que descreveriam o amor da maneira mais inimaginável possível, uma constante evocação da paixão pelas ideias e da paixão que repousava entre as belas e brancas pernas de Manuelita, que clamavam por sexo desesperado de Bolívar, que, manchado de sangue, parecia ser um amante inesquecível.

Assim escreveu Simón a Manuelita:

“A distinta dama Sra. Manuela Sáenz”

Estimada Manuelita:

Quero responder-te, belíssima Manuela, às tuas demandas de amor, que são muito justas. Pesa-me ser sincero para quem, como tu, tudo me deu. Antes não houve ilusão, não porque não te amasse, Manuela, e é hora de saberes que antes amei outra com a singular paixão da juventude, que por respeito nunca nomeei…

Este é um fragmento de uma carta de Bolívar a Manuelita, escrita em 3 de julho de 1822 no Quartel de Guaranda.

Talvez nunca mais nos reencontremos com palavras tão cheias de respeito e tantas confissões como as dos antigos guerreiros. Nós, escritores e leitores, devemos muito às dolorosas guerras, das quais muitos foram vítimas indiretas. Os manuscritos da desolação, o distanciamento do corpo frio, os amores proclamados após as vitórias, os amores perdidos no campo de batalha.

O que seria de nós que escrevemos sobre o amor se não tivéssemos um entendimento profundo da guerra? Pois, afinal de contas, o amor é a batalha mais constante do homem, na qual quase sempre se morre por ele, ou morre amando. Sem dúvida, a literatura se nutriu de valentes, de guerreiros, de apaixonados, de suicidas, de histórias como as que Bolívar testemunhou, que alimentaram pelo menos alguma crônica cujos matizes sobraram para escrever grandes descobertas e grandes memórias. Entre elas, as mais profundas eram sobre amar no exato momento em que se morre.

Por enquanto, queridos leitores, esta é apenas uma pincelada de um homem que, como muitos em meio à batalha e por trás de sua trincheira, foi um POETA.

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