por Aristides Oliveira e Carmen Costa
participação especial: Countryvi
Foto capa: @liana.projt
Quando estávamos participando do evento “Quais Histórias conhecemos da África”, tivemos o privilégio de assistir uma batalha de rima realizada por integrantes da cena hip hop de Floriano (PI). Por já sabermos que este universo é composto pela maioria de homens, os caras que faziam a batalha acontecer foram jantados pela única mulher presente na roda. Ela se chama Brisa e com seus vinte e poucos anos, vem ganhando visibilidade nos eventos que rolam na praça da Câmara, não apenas por ser a única mulher que enfrenta os homens e seus vícios confortáveis – oriundos do lugar de fala que naturalizou por séculos a redução-apagamento-invisibilidade do protagonismo feminino – mas por ser um nome de destaque no panorama musical do gênero no Estado.
Me chamo Brisa e o hip hop ele entrou na minha vida quando eu comecei a assistir as batalhas de rima pelo youtube e aí eu tinha uns 14 anos, 15 anos, aí eu comecei a assistir, acompanhar, dali eu já gostava só que então eu não sabia que na minha cidade tinha isso no tempo. E aí eu nunca tive acesso, não sabia, só que aí quando foi em 2023, ou foi no final de 2022 aí eu vi ali uma roda de rima ali na Praça da Câmara, e eu: “olha, a batalha de rima!” E a gente ficou pra assistir. Aí assisti a primeira vez, aí quando foi na segunda vez que eu fui, a galera já tava chamando pra rimar. “Não, bora, é só pra completar, só pra completar”. Aí eu mesmo com vergonha, toda tímida, eu fui. E aí acontece que nesse dia eu ganhei. Por incrível que pareça, eu ganhei. Eu nem sei como foi que foi isso, só sei que eu fui jogando as palavras. E aí, onde foi que começou o hobby, né? Que você pensa que uma coisa que pode ser tão difícil, né? Criar freestyling. As pessoas criam na hora, você pensa que é muito difícil, mas quando você faz, você vê que não é difícil, porque você rima “bolsa com sapato”, “rato com gato” e por aí vai. E aí, desde então não larguei mais. Continuei rimando aí sempre. Todo domingo, toda sexta, vou rimar fora quando o povo patrocina e chama. Começou assim e tá aí até hoje. A primeira batalha eu ganhei. E é porque foi um assunto tão simples, é porque o oponente que tava na minha frente, ele falou, “ah, não sei o que, você era minha empregada, só que você não faz o serviço direito, minha casa tá toda bagunçada”. Aí eu pensei, eu fiquei impressionada como eu pensei tão rápido, respondi bem sim. “Tá bagunçada mesmo porque tu não tá pagando o meu salário, então paga os meus direitos porque você que tá errado”. E aí a galera já acha interessante uma mulher rimando e ainda responder acima do que a altura do que o cara mandou.
Carmen: sempre tem aquelas intrigas, a questão do machismo.
Brisa: Tem, tem.
Carmen: Tu já enfrentou machismo nas batalhas, mas eu acho que é meio óbvio, né?
Brisa: Ah, armaria.
Carmen: E como isso se manifesta, geralmente, como é isso pra ti?
Brisa: No começo eu enfentei muito. Tipo, não vou dizer que hoje em dia não tem, mas hoje em dia eles conseguem me respeitar mais devido a eu ter mostrado que eu também tenho que ter um certo espaço ali. Porque, tipo, os homens têm muito isso na cabeça de, tipo, de achar que nós mulheres não temos a mesma capacidade de criar algo tão interessante igual eles, por exemplo, como a rima. Aí, tipo, eles ficam com um certo medo de, tipo, de perder aquela atenção, porque, querendo ou não, a mulher, ela já chama a atenção e ela, tudo que ela faça de interessante, ela sempre vai chamar a atenção. Aí, ou seja, para os homens é muito difícil dividir o espaço que eles têm a atenção. Então, tipo, automaticamente se aparece uma menina querendo dividir o espaço com eles, e ela é só uma, e eles são dez, é claro que vai ser difícil pra ela ser aceita pelos dez. É uma luta.
Carmen: Já hoje em dia tu acha que já tem aquele respeito, digamos assim, lá dentro das rodas?
Brisa: Não, nem sempre. Por causa que, tipo assim, o respeito é algo que seja individual. Aí tem os que respeitam e tem aquele que sempre é engraçadinho, que fala que ali não é o seu lugar, que o seu lugar é de trás do fogão. Sempre aparece de vez em quando um assim. Então, tipo, é onde a gente vê que ainda não tá 100% respeito agindo ali.
Aristides: Mas esse tipo de comentário é frequente?
Brisa: Não, isso depende muito do MC. Por exemplo, tem MC que não tem uma certa ideologia pra trocar com você, cola lá as vezes. Aí quando cola que topa você, já fica com medo de perder, não sabe o que falar. Aí ele acha que falando que vai botar você num lugar, ele consegue ganhar, mas aí é o desse banana, meu filho. Quem perde, perde.
Aristides: Geralmente esses comentários é quando ele vê que tá nas últimas…
Brisa: É. Eles tentam de alguma forma tentar virar aquilo, tentando me diminuir, que eu não devo estar ali. O que eu estou fazendo ali? Quero ganhar a batalha deles?
Aristides: Eu tenho vontade de saber sobre as primeiras referências que tu teve de música ou como ouvinte…
Brisa: Os cantores que eu ouvi, né? Tipo, eu sempre gostei bastante de ouvir Racionais. Eles falam muitas coisas interessantes, tipo, eles falam de como é a vida dos dois lados e, tipo, quem quer seguir um, quem quer seguir o outro, sabe que tudo que for errado vai ser cobrado. Também tem o Sabotage. Ele tem uma história de vida muito boa, porque, tipo, Ele foi do crime, só que aí, infelizmente, quando ele saiu do crime pra querer viver do hip-hop, infelizmente a inveja humana não permitiu com que ele continuasse vivendo feliz e ficando rico da forma que ele tava fazendo, cantando. Porque, tipo, ele saiu do crime, só que as outras pessoas que estavam no crime não quiseram aceitar ver ele vencer sem o crime. Aí, tipo, meio que o ódio humano, a inveja fez os caras executarem ele, tirar ele da jogada. Mas, tipo, também tem a Dina Di. A Dina Di, tipo, eu creio que hoje em dia se ela fosse viva, tipo, seria uma base muito forte para as mulheres. Porque, tipo, tinha a Dina Di, tinha a Nega Li, só que ela saiu, tipo, do rap. Aí tinha a Atitude Feminina que eram várias mulheres e diminuiu muito. Aí as mulheres que estão por fora ficam tentando entender o porquê que se diminuiu tanto ao invés de ver crescer, né? Diminuiu. Ou seja, tem muitas aí que faz falta. É difícil você ser pouca quantidade e querer vencer quanto é muita quantidade, né? Tipo, se tivesse muito mais mulheres que quisesse, tem muitas minas chegando aí no rap. Tem a Julia Costa, tem a Duquesa. Ultimamente lançou muitas minas, lançou muitas minas. E tipo, as minas tão falando barras e barras. E queira quem queira vai ouvir ou não. E tipo, é isso que faz a gente ser forte. Porque tipo, eu vejo elas, se elas falam pros caras ouvirem, por que é que eu também não posso falar. Então tipo, é uma fortalecendo a outra sem saber que tá fortalecendo.
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Aristides Oliveira, Carmen Costa e Brisa.
Aristides: E tu é a única mulher que tem na cena de Floriano?
Brisa: Sou. Eu já tenho uns dois anos.
Aristides: E desses dois anos pra trás, tu começou a ouvir rap a partir de quando?
Brisa: Eu comecei a acompanhar as batalhas de rima com 15 anos.
Aristides: Aqui em Floriano?
Brisa: Não, eu acompanhava pelo Youtube, eu não sabia das batalhas daqui, até porque tipo, a batalha daqui de Floriano, ela não é tão divulgada, porque querendo ou não, o hip-hop ele sofre um preconceito, então tipo, as pessoas pensam que quanto menos as pessoas souberem, melhor. E tipo, não era pra ser assim. Era pra gente ter apoio de rádio, apoio de TV. As pessoas tinham que mostrar que aquilo ali é uma cultura e que aquilo ali existe. Tem gente que julga a gente com uma imagem que totalmente não é. E aí, tipo, isso faz a gente não crescer da forma que deveria crescer na cidade.
Countryvi: E também a rima é uma questão de conhecimento, né? Não é pra você tá ali palpitando e falando qualquer abobrinha. É questão de pensar, tipo, tem que ter muita agilidade, tem que saber o que falar, saber se posicionar no que você vai falar, entendeu?
Que, diante então que estavam falando no assunto do machismo, por isso que acaba acontecendo muito machismo, porque as mulheres acabam, às vezes, saindo muito bem nos assuntos, e o homem, para não querer perder aquele round, aquela batalha, ele quer puxar para esse meio, porque acha que o público que a gente tem aqui vai apoiar, e não, pelo contrário. Muitas das vezes, acontece que o MC pode estar ganhando o round, aí ela respondeu só uma rima muito boa, Ele baixou o nível dele pra essa classe de machismo e ele perdeu, entendeu? Tipo, tem que saber se posicionar muito antes de falar, mano, porque… Hoje em dia, rima é muito questão de ideologia, é questão de falar historicamente, explicar o hip hop. Antes não. Antigamente era muito, ah, vou te quebrar, vou te matar, sei lá, muito isso, entendeu? Era muito globalizada essa pauta. Hoje em dia não. Hoje em dia é uma questão de muito pensar e saber se posicionar.
Aristides: Brisa, sobre as batalhas, tu já saiu de Floriano pra ir participar de alguma?
Brisa: Já sim.
Aristides: Conta pra gente um pouco dessa tua trajetória nas batalhas.
Carmen: Tu já fez batalhas meio fora de Floriano?
Brisa: A primeira batalha que eu fui para fora foi em Teresina, que foi uma batalha de meninas que foi criada agora recentemente em maio. Elas tinham entrado em contato comigo em abril falando que ia abrir essa batalha, porque as meninas de Teresina não eram bem aceitas nas batalhas dos meninos, então estava precisando de mais meninas na cena. Aí elas criaram essa batalha, a Batalha das Marias, que é lá em Teresina. Eu fui a primeira vez, a primeira vez que eu fui, eu consegui para a final. Por pouco eu não ganhei, porque tipo, a minha oponente, ela era muito boa, ela já… eu tenho dois anos de rima, ela tem cinco, que é a Ranny, que ela é de Parnaíba. Ela é muito boa, referência. E aí, foi muito bom, tipo, ter tido essa experiência de ir para o final com ela. Eu, tipo, eu me achava um nível baixinho pra topar uma pessoa de 5 anos, mas, tipo, eu consegui ir para o final. E eu não, que nem ele falou esse negócio de matar, que os MC fica negócio de bater, eu nem rimo mais isso. E nesse dia eu consegui ganhar e ir para o final sem tentar diminuir a minha oponente. Porque, tipo, eu não faço com os outros o que eu não quero que façam comigo. Aí, depois disso, eu ainda fui umas duas edições lá, na Batalha das Marias. Eu só rimei na Batalha das Marias, rimei umas três vezes lá. E a outra vez foi em Cabeceiras, que foi um festival de cultura negra. Aí eu rimei lá. Inclusive, nesse dia a gente ganhou. Era de dupla e eu ganhei com ele [Countryvi]. E aí é muito bom, tipo, a gente poder sair pra fora pra, tipo, aproveitar de um espaço que é nosso, mas sem ser nosso, porque não é aqui. Então, tipo, a gente vive aquelas coisas com outras pessoas. A gente vê pessoas de vários tipos, escuta várias ideias diferentes, a gente aprende um com os outros. Eu fiz várias amizades, tanto femininas quanto masculinas, de MCs na cena. Então, tipo, é bom que o MC viaje, porque, tipo, ele conhece o mundo afora como é. Isso se expande de uma forma que você conhece as pessoas e as pessoas te conhecem. As pessoas vão perguntar, você sabe quem é a Brisa?
“Ah, sei”. Então é bom você buscar o reconhecimento onde você quer, né?
Aristides: Tu falou uma coisa antes sobre a questão da divulgação. Como é que tu percebe depois que tu entrou? Porque tu como espectadora, tu dizia que tinha uma divulgação muito baixa, né?
Brisa: Eu nem sabia que tinha batalha aqui.
Aristides: Pois é, como é que tu vê agora, depois que tu entrou? Como é que se faz essa mobilização pra chamar as pessoas? Tu acha que ainda tá muito fraco de público? O que poderia ser feito pra melhorar?
Brisa: Ainda tá fraco porque, tipo, no início a gente até tinha um público, só que esse público diminuiu com o tempo. Eu não sei, tipo, certas pessoas vão ver, outras não gostam, tipo, muitas vão buscando ouvir algumas coisas, às vezes escutam outras. Isso faz ela mudar a visão dela sobre o que ela queria ouvir. Aí, tipo, a gente não tem o apoio de divulgação, então, tipo, a divulgação quem faz é nós mesmos no nosso perfil do WhatsApp, Instagram. Muita gente também bota o pretexto, “ah, não vou porque hoje eu tô de pé, ah, não vou porque hoje é final de semana”. Então, tipo, falta a força de vontade da maioria das pessoas e falta também a divulgação. Porque se toda semana a gente fosse divulgado, ou na rádio, ou no Piauí TV, a gente toda semana ganharia duas, três pessoas de público. Só que aquela coisa, além da gente não ter a divulgação, as pessoas que não vão, tem uma imagem da gente, né? “Ah, um bando de vagabundo sem o que fazer”. Já ouvi muito isso. “Ah, tu vai pra paz fazer o que?” “Coisa de vagabundo”. Não, aí tipo, as pessoas que não conhecem tem essa visão e as que não conhecem ainda não chegou até elas.
Aristides: Era o ponto que eu queria entrar agora, porque aqui em Floriano tem o pessoal do reggae, das radiolas, e tem vocês do hip hop. E a gente já é acostumado, já se normalizou essa condição da marginalidade. “Não, eu não vou pra lá porque é perigoso”. Como tu encara essa condição no dia a dia? Tu já passou por alguma situação envolvendo esse tipo de preconceito? Ou por ser uma mulher negra, ou por ser do hip-hop? Tu já passou por algum constrangimento, alguma situação pelo teu lugar de fala?
Brisa: Tipo assim, se eu já passei por algum preconceito, né?
Aristides: Isso, e também como é que tu avalia, em pleno século XXI, as pessoas ainda terem esse olhar tão atrasado, que o reggae, hip hop, qualquer prática cultural ligada à negritude, se colocam como.: “ah, isso aí eu não vou…”
Brisa: É, a única vez que eu passei por um constrangimentozinho, não foi nem constrangimento pra mim, foi a pessoa que tava comigo que se sentiu constrangida, porque, tipo, eu também faço grafite de rua, de casa, de tudo. Eu tava fazendo uma arte na rua e tava tocando um reggae na caixinha. Aí ia passando umas pessoas, aí a minha ajudante que estava comigo, que é minha irmã, ela falou bem assim: “Ah, não sei o quê, ficou ouvindo essas músicas, o povo vai pensar o quê?” Aí eu falei: “que pense o que quiser, é o estilo de música que eu gosto e o que eu escuto não interfere no que eu sou”. Porque tipo, por mais que eu esteja escutando reggae, eu estou fazendo uma arte muito linda. Então, tipo, isso buga o pensamento da pessoa. Por que ela vai me julgar pelo que eu tô ouvindo? Então ela vê que, às vezes, o que a gente escuta, o reggae ou o trap, não influencia a gente em ser, ah, é um vagabundo, ah, é uma pessoa assim, assim, assado. Não tem nada a ver. Ouvir um reggae, ouvir um trap é a mesma coisa que ouvir um forró ou um sertanejo. Acontece que cada estilo de música tem um ritmo diferente. As pessoas, por não serem acostumadas a ouvir, elas acham estranho. Todo ser humano acha estranho algum tipo de música, mas é você saber respeitar o que o outro gosta sem julgar. E entender que você também gosta de algo que o outro também possa achar estranho, mas nem por isso ele vai te julgar.
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Brisa e Countryvi
Carmen: Quando eu coloco um reggae lá em casa, aí as meninas falam essas coisas. Porque a gente assim, aí logo meu bairro, Riacho Fundo, já tem aquele… é… só de nome já tem um peso.
Aristides: Quais são os bairros aqui em Floriano que tem essa carga de preconceito?
Brisa: Tiberão, Alto da Cruz, Alto da Guia, Riachão Fundo.
Carmen: Buraco do Sapo não tem quem entre.
Countryvi: Assim, esses lugares são muito descriminados por conta da criminalização que já tomou de conta, entendeu?
Brisa: Se acontecer uma morte ou um roubo, já é julgado pra sempre.
Countryvi: Tem muitos bairros, não hoje em dia, mas antes com frequência, tinham muitos assaltos, tipo 3, 4 na mesma semana. E hoje em dia já era pra limpar a ficha.
Brisa: Não é fácil. As pessoas têm um certo ego forte de que o que elas acreditam, ninguém pode mudar. É que nem nossos pais. Uma pessoa que tem preconceito com rima, ela não vai tirar o preconceito dela só porque tu quer que ela tire. Aquilo aí já é dela. Tipo, não é fácil mudar o que o outro pensa se ele mesmo não quer. Então, tipo, a intenção da gente era diminuir o preconceito que as pessoas têm, do que aumentar. Só que como a gente vai diminuir se a gente não consegue aumentar o nosso espaço? A gente não é convidado pra um evento, a gente não… Por exemplo, a gente é convidado pra universidade dela [Carmen], quando ela chama a gente. A gente só foi pra lá e pra o UESPI [Universidade Estadual do Piauí], né? Os únicos dois que a gente já foi. Mas, tipo, e se as escolas chamassem a gente? Não precisa ter um preconceito e achar que a gente vai rimar o que eles não devem ouvir, porque a gente também não é sem consciência, né?
Countryvi: Inclusive em Teresina, estava tendo uma batalha semanalmente. Se não me engano, era semanalmente, era de quinzena, no IFPI [Instituto Federal do Piauí]. Tipo, em meio, em prol deles mesmo. Eles criavam um tema pros MCs que iam batalhar na temática. E aí tava acontecendo de quinzena em quinzena. Achei bastante interessante isso. Porque, tipo, não só as faculdades, como as escolas de ensino médio também já tava começando a normalizar, entendeu? Isso, em Teresina. Tipo, não tão distante da gente.
Aristides: Agora, falando em batalha, eu queria… Porque eu fiquei curioso, principalmente, Porque eu não tenho essa habilidade, obviamente, de falar as coisas na lata e ter a palavra certa no lugar certo, na hora certa, que vocês tem uma rapidez absurda. Como é que vocês exercitam isso? Brisa, depois eu passo para ti Countryvi. Eu queria saber como é que tu articula essa técnica.
Brisa: A rima em si, ela não tem segredo. Por quê? Tipo, pra rimar, você só tem que falar o que você sabe. Você pode rimar o conhecimento que você tem. Você, claro, você precisa estudar quando você: “já tô sem assunto. Não sei mais o que falar. Já falei tudo que eu conheço”. E tu vai apresentar o quê pra teu público? Você tem que estudar quando você já não tem mais o que falar, entendeu? Quando você é iniciante, você pode rimar falando coisas simples, você pode rimar, tipo, falando de casa, falando de como tá o mundo, de como você é tratado. Porque, tipo, querendo ou não, rimar é uma liberdade de expressão. Então você pode usar ela pra falar tanto como você tá se sentindo ou sua visão do mundo, ou o que você quer fazer. Só que a maioria dos MC quer matar uns aos outros, né? E já outros querem falar alguma coisa em ideologia. Já outros querem falar uma besteira. Ou seja, tudo vai do conhecimento de cada um, né? Ninguém vai julgar ninguém. Mas, tipo, no início eu rimava muito. Ó, no início eu fui pegada muito no pé. Por causa que, tipo, eu sempre rimei coisas simples. E, tipo, o MC sempre espera o ataque. “Ah, não sei o quê. Aqui eu sou tipo Leonardo da Vinci, mas você não vale uma nota de 20”. As pessoas esperam o seu ataque e quando eu comecei eu não atacava, porque tipo, eu rimava qualquer coisa, eu rimava só por rimar e tipo: “por gostar me amar, não sei o que, tu acha que vai mandar em mim, mas aqui eu vou causar teu fim” e eles, os homens ficam peidados porque eu não falo nada e a galera gritava e eles falavam muita coisa e mesmo assim, ou seja, não tem segredo pra rimar, é você falar o que você sabe. Você tá ficando fraco de conteúdo? É bom dar uma estudada, ler um livro, acesse um vídeo. Eu gosto de ver muito vídeo-aulas sobre as pessoas de antigamente, os cientistas, os filósofos, os artistas, porque eu posso chegar numa batalha e dizer que eu sou um deles. Quem tá na plateia vendo e conhece, vai gritar. Quem não conhece, vai ouvir a primeira vez e vai querer saber quem é. “Quem é esse fulano? Quem é essa referência?” Assim como eu vejo batalha de outros MCs, eles citam nomes que eu não conheço. Aí eu vou ver, pra saber quem é aquela referência, já que ele tá falando, né? E tipo, agora, a questão do beat, pra você encaixar no beat, é você sentir. Você não precisa ficar com medo de, “ah, não sei o que, vou travar”. Não, se sente o beat, você tem que se sentir um cantor. O beat tá rolando, você tem que cantar nele. Só que você vai cantar o que você sabe. Se você quiser rimar, você rima. É, a experiência de vida. Eu acho que quando a pessoa rima sozinha é que ela rima bem. Ela tá falando tudo que ela quer falar. E aí é ruim porque ninguém tá vendo. Mas tipo, eu treino, eu treino olhando no espelho, eu treino com ele [Countryvi], eu treino no YouTube. É bom também você ver outras batalhas, porque você vê os possíveis ataques e as possíveis respostas. E se um dia alguém jogar aquilo pra você, você sabe responder. Tipo, teve uma vez que eu assisti a uma batalha e o rapaz, ele tava de óculos. Aí ele falou que ele era o Ciclope. Aí tipo, eu já peguei uma referência, o Ciclope. O Ciclope é um personagem que se ele levantar o óculos, provavelmente a pessoa que tá na frente dele more. E aí teve uma batalha que eu tava de óculos. Eu fui preparada pra caso alguém me atacasse. Aí o meu oponente foi querer falar mal da minha roupa, do meu look. Eu tava de roupa folgada, falando que eu me achava, que não sei o que, não sei o que lá. Aí falou do meu óculos que… Tipo, eu não queria olhar na cara dele. Aí eu fui e respondi, eu falei: “não, simplesmente eu posso olhar na sua cara, mas eu sou o ciclope, se eu levantar você morre na hora, eu não tô errada”. E da roupa, eu falei que tipo, que “eu ia pra batalha pras pessoas ouvirem minha ideia, não olhar o que eu tava vestindo”. E tipo, quem era ele pra tá me julgando? Ou seja, você tem que buscar elevar o seu nível, porque a chance de você ganhar é maior.
Countryvi: Eu acredito que cada MC tem sua forma particular de treinar. Eu fui mesmo na bruta mesmo. Eu sempre soube que tinha que ler muito, praticar, assistir muito vídeo. Eu não. Eu sempre quis aprender mesmo na risca, sem nada. Só vendo mesmo meus erros e aprendendo comigo mesmo. Mas com o passar do tempo eu percebi que não é só aquilo. Pra você se manter e estar sempre entre os melhores, Você nunca quer ser o pior, de sempre estar perdendo, sempre estar ali, perdendo na primeira fase, sei lá. A não ser que você sempre queira ser o perdedor. Mas eu particularmente, eu foquei em treinar onde eu tava errando, meus vícios de linguagem, que tipo rima, você precisa muito de base. Tipo, ler um livro também ajuda muito porque tu vai entender a história do livro, tu vai entender o que é que o livro quer te passar. Talvez o livro seja o quê? Uma inspiração ali de escritor. Pode chegar na batalha e usar essa temática que tu leu lá no livro pra tentar ganhar o teu oponente. Ou seja, batalha e treino são um conjunto que tu tem no teu dia a dia. Entendeu? E não é tipo assim: “ah vou treinar muito hoje pra ganhar a batalha amanhã”, não. Batalha é uma questão de transtorno. Se você não tiver mente, você pira por batalha. Entendeu? E por isso que você tem que treinar, mano. E a questão de também sair pra fora da cidade. É a questão da vivência que ela falou, né? A gente colhe muito isso com os outros MCs. Porque, tipo, semanalmente a gente batalha com os mesmos MCs. Eu posso batalhar contigo essa semana e por incrível que pareça na próxima semana a gente se enfrentar de novo e tipo, a gente toda semana se enfrentando se enfrentando chega um certo ponto que não tem mais assunto entendeu e aí que chega a questão de sair para fora para colher vivência, para colher é tipo ver experiência de outros MCs que você não tem costume de ver, entendeu? E aí é onde você vai agregar para se tornar um MC completo e aí que você fecha seu treino.
Carmen: Brisa, qual é seu o nome original?
Brisa: Meu nome é Ronilde Maria de Souza.
Countryvi: E meu nome pessoal é Cauê Richard.
Aristides: Como foi que tu se envolveu com grafite?
Brisa: Eu sempre desenhei, eu desenhei sempre dos 8 anos de idade, só que o grafite eu comecei a fazer em agosto de 2024. Eu sempre tive vontade de fazer e aí eu peguei uma tinta lá e aí vou fazer aquilo que eu sei mesmo. Eu sempre achei que o grafite tem que ser criado, né? Então, o meu primeiro grafite foi criado. Eu fiz o meu nome artístico, Brisa. Eu criei um polvo. Eu gosto de desenhar polvos, porque polvos dá pra você criar do formato que você quiser, só respeitando o que ele é, né? A cabeça dele e as seis patas dele. Eu fiz uma Mona Lisa com o rosto de E.T. e fiz uma bonequinha pichando com o rosto de E.T. Ela pichando o nome Brisa, que pichava o polvo, que pichava a Mona Lisa.
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Aristides: Tu vende esses grafites em algum lugar?
Brisa: Aí, assim, o grafite eu faço na rua, livre, tipo, eu pego o muro que eu peço o dono ou o muro abandonado e também eu faço grafite por contrato. Qualquer tipo de arte que qualquer pessoa quiser fazer, eu faço. “Ah, quero fazer aqui o nome da minha empresa.” Eu vou lá e faço. Eu já pintei frente de uma empresa todinha. Fiz o nome, fiz desenho, coloquei telefone, arroba e-mail e também já fiz quartos de bebê, já fiz casas de família, paisagens de cavalo, tudo.
Carmen: Além das batalhas, você tem alguma previsão de músicas autorais, tem vontade de fazer algo assim?
Brisa: Eu tenho vontade de fazer, só que eu acho que eu ainda não estou preparada pelo fato que eu ainda estou recolhendo muito assunto, muito conhecimento. Eu fico olhando muito o que as pessoas gostam de ouvir, o que estoura, o que não estoura, o que é tipo porque as pessoas gostam de ouvir aquilo que elas se sentem bem, só que também não confortável demais e também não explícito demais. Então, tipo, eu gosto de ver, primeiro eu tô vendo, eu tô observando o que os cantores de agora estão cantando. Tá totalmente diferente. Claro que o de antigamente, os de agora não ganha do de antigamente. As bandas de rap não são igual a Racionais, não são igual a Sabotage, porque a maioria dos rap e dos trap hoje em dia estão fazendo mais, rimando mais, é pra carro, é pra mulher, é pra essas coisas, e não é pra ser assim, né? Então, tipo, se eu fosse lançar um rap ou lançar uma música, seria falando de como o mundo tá hoje, tipo, de como eu queria que fosse, das oportunidades que eu tive e perdi e das oportunidades que eu posso ter. Só que, tipo, como eu falei, eu ainda não vou criar uma música autoral pelo fato que eu ainda me acho muito novinha de conhecimento. E quando eu for lançar algo, eu quero lançar algo que as pessoas vão escutar. Porque, tipo, tem que ser uma coisa massa, uma música massa. Algum tipo Dina Di, por exemplo. Dina Di, ela foi muito foda porque ela falava a realidade da mulher. Como é ser uma mulher no meio do rap, as dificuldades que a mulher passa. Inclusive, a forma que ela morreu foi muito… Ela tentou vencer como mulher, mas não conseguiu, né? Porque depois que ela teve o parto dela, ela teve complicações. Aí foi onde ela acabou falecendo. Mas se eu fosse lançar uma música, seria ou um acústico falando de amor, ou um rap falando da realidade.
Aristides: E tu falou aí de coisas que tu perdeu. O que seriam essas coisas?
Brisa: Vamos supor que às vezes a gente conhece pessoas que nos prendem, né?
Você poderia ter oportunidade de voar muito longe, só que devido conhecer algumas pessoas que lhe prendem, você perdeu oportunidades. Eu me acho, tipo assim, eu acho que eu poderia ter ido muito mais longe. Eu tô indo agora, mas eu já poderia estar muito mais longe se eu tivesse começado muito antes. Eu vejo pessoas da minha idade que já estão muito evoluídas. Eu vejo enfermeiras, eu vejo advogadas, pessoas que têm carro, que têm casa. Eu fico pensando, e se eu tivesse sido sempre focada desde o começo?
Se eu tivesse começado meus grafites aos 16 anos? Agora eu já estaria uma artista formada, bem reconhecida e trabalhando no Piauí todo. Já teria meu transporte.
Aristides: E quando tu fala da realidade, como tu encararia essa tua realidade pra pensar na questão da composição?
Brisa: Se eu fosse criar uma composição com a minha realidade?
Aristides: Que temas tu abordaria?
Brisa: Eu abordaria bastante o tema de mãe, por exemplo, que eu não tive o apoio da minha mãe. Eu fui criada pela minha avó, não sei por algum motivo a minha mãe me rejeitou. Eu não sei se foi uma gravidez indesejada. A minha mãe nunca me tratou como ela deveria me tratar. Ao invés dela me dar amor, ela me deu dor. Eu senti muita falta de uma amiga, de uma apoiadora, de uma pessoa que estivesse sempre comigo quando eu precisasse. Então, eu venci na vida, eu cresci na vida, me apoiando da vida sem a minha mãe. Porque, querendo ou não, mesmo eu sendo criada por vó, não é tudo que eu vou preocupar a minha vó. Ela é idosa, né? Ela, tipo, qualquer coisa ela pode, a pressão subir. Então, você tem que aprender a vencer e pega na mão de… segura na mão de Deus e vai.
Aristides: Mas tu tem contato com a tua mãe?
Brisa: Assim, eu não tenho e tenho. Se ela mandar mensagem pra mim, eu respondo.
Mas não é um contato que a gente converse todo dia e pergunte: “oi, como é que tá?” Ela só manda mensagem pra mim quando é pra querer me reclamar de algo que pode estar acontecendo na casa da minha avó. A gente não tem aquele contato de mãe, filha, de amor mesmo, porque… Eu fui tentar morar com ela um ano e não deu certo. Aconteceu desavenças, ela queria me viver na base do espancamento e eu não quis aceitar isso.
Eu vim embora pra cá de novo. Quando eu fui embora de lá, eu dei tchau à mãe.
Ela não me respondeu. Então, aquilo ali foi o ó. E aí, depois que eu cheguei aqui, eu mandava mensagem pra ela e ela não respondia. Eu parei de mandar. Por que que eu vou mandar mensagem pra quem não quer me responder? Aí foi onde a gente não se fala, né? Porque eu mandava, ela não respondia, e agora eu não mando mais. Eu sei que é pecado, mas Deus sabe que não é culpa minha, só minha. Eu sei que é culpa minha, mas não é só minha. Que isso começou dela.
Aristides: Tu fez essa… eu vou chamar de autocrítica. Falou assim, “ah, eu poderia ter evoluído”. Quando foi que isso partiu de ti? Foi por causa da música? A música que te trouxe essa reflexão? O que te fez parar pra chegar nesse lugar de “eu poderia ter ido mais longe”? Quando essa autocrítica se instaurou em ti? O hip-hop te ajudou a pensar ou foi algo fora disso?
Brisa: Quando você descobre uma coisa nova em você, você começa a se apoderar daquilo, por exemplo. Quando eu comecei a fazer rima, eu comecei…
Nossa, uma coisa nova na minha vida. Aí depois, logo em seguida, eu comecei a fazer arte. E antes disso, eu consegui abrir uma empresinha de drink e eu vendo drink. Então, tipo, foi juntando as coisas e eu fui… Nossa, se eu já tivesse começado tudo que eu tô começando agora aos meus 22 anos, aos meus 21 anos, se eu já tivesse… Aí foi onde eu parei pra refletir. Onde eu via que tudo que eu tentava fazer, que era pro meu bem, claro, dava certo.
Carmen: Qual conselho você daria pra outras meninas que querem entrar no universo das batalhas de rima?
Brisa: Ai meninas, vão rimar, é muito bom. É tipo um ambiente que você tem um espaço de fala, onde você pode falar o que você tá pensando, o que você tá sentindo. Mesmo que os rapazes vão falar que você tá se vitimizando, fala que você tá cagando e andando.
E tipo, segue e vai minha filha!
Pessoas que não vão querer ver a gente crescer sempre vai ter. Então, tipo, se você tem vontade de rimar, se você tem vergonha, perca essa vergonha. Vá rimar, crie coragem, que dá tudo certo. Não precisa você saber todos os assuntos do mundo. Rime o que você sabe. Nem que você rime sapato com casaco. Não importa, a evolução vem com o tempo.
Você não precisa começar a rima sabendo de tudo. Eu não comecei a rima sabendo de tudo. Aprende apanhando, aprendi ouvindo e aprendi vendo outras pessoas fazendo a mesma coisa. Porque não tem como você criar coragem para algo se você mesmo não se motivar. Então você, primeiramente, tem que criar coragem, vai com vergonha mesmo assim. Ah, não sei o que, fica olhando pra mim. Não é pra ninguém. Fecha o olho, bota um óculos, fala alguma coisa. Tipo, e vai. Que dá certo. É porque, tipo, eu não posso falar nada que eu tô sentindo que os homens… “Ah, tu já tá se vitimizando pra ganhar batalha, quer que o povo sinta pena de tu?” Nada a ver. E eles podem falar que ficam trancado no quarto. Vai eu falar que fico trancada no quarto? Apesar que eu não fico trancada no quarto. Ficava, não fico mais. Mas vai eu falar que fico tão trancada no quarto? Que eles já dizem que eu tô me vitimizando. E se eles falam isso, eu não vou falar que ele tá se vitimizando porque as pessoas estão vendo e ele mesmo sabe.
Aristides: Você trouxe uma reflexão muito importante nessa conversa que é o machismo.
Naquela roda que eu assisti na universidade, que eu vi tu jantando os caras e todo mundo vibrando… Na hora que eu vi aquilo, eu pensei: “preciso entrevistar a Brisa urgente!”
Brisa: Foi muito bom aquele dia.
Aristides: Porque tu jantou todos os homens ali!
Brisa: Eles quando tão perdendo, eles vêm querer falar mal da mulher. “Ah, não sei o que, vou te botar no lugar de mulher. Ah, não sei o que, se não ganhar vai dizer porque é mulher, vai chorar”. Por que que eles insistem nisso?
Aristides: E não sabem eles que isso já virou um argumento que, na verdade é um tiro no pé. Não cola mais.
Brisa: Muitos já sabem, mas falam pra mim ir de trás do fogão!
Countryvi: É a mesma coisa que aconteceu de MC já tá ganhando round.
Tipo, você jogou um assunto, só que ela soube retrucar esse assunto, e o MC baixou o nível de super alto que ele tava além, já tinha ganhado, lá pra baixo.
Entendeu? E foi um tiro no pé, ele perdeu, ninguém gritou pra rima dele, que foi o que ela falou: “lugar de mulher, atrás do fogão”. Ninguém mais ligou pra ele. Acabou, pode ir embora.
Brisa: Se ele achar que eu sou menos fraca de conhecimento que ele, ele vai jogar uma coisa pra mim, eu vou responder a altura e ele vai ficar chocado que eu respondi, aí é onde ele vai ser “baixo”. Rimar é você jogar seu conhecimento. Teve uma vez que ele, na batalha, nós estávamos rimando sobre Jesus, Judas, aí ele me chamou de Judas. Aí eu virei o assunto, sabe o que eu falei? Eu falei bem assim: “realmente eu poderia ser Judas e te vender por algumas moedas de prata”. Isso a galera já gritou, porque eu respondi no mesmo contexto. Que foi que Judas fez? Ele vendeu Jesus por umas moedas de prata!
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Carmen, Brisa e Countryvi
Carmen: Eu tava lembrando aqui, depois que terminou a batalha lá na universidade, eu fui conversar com eles. Aí era o tempo todo, a discussão lá era tipo, por conta da galera aclamando a Brisa.
Brisa: Eles não aceitam!
Carmen: Eles diziam que o público era muito feminino.
Brisa: Eles não aceitam!
Carmen: Aí teve um outro que disse assim: “eu ainda falei que era feminista. Pra ver se… (risos).
Brisa: Foi! Os caras querem ser mulher pra ganhar nessas horas.
Carmen: Ele: “Eu sou feminista”! (risos).
Brisa: Não tem nada a ver. Não dá. Eu fico triste.
Countyvi: Porque às vezes também rima é uma questão de cativar o público, né? Ganhar o público. Não adianta, mano.
Brisa: O público ama eles. O público da Câmara, tipo, é mais eles do que eu. Porque é mais público masculino. Quando o público é mais feminino, é claro que as mulheres vão apoiar as mulheres. Agora os homens, os próprios homens que assistem, tem um “machisminho” de não querer deixar o ganhado dos homens. Porque às vezes eu ganhei na rima, mas eles votam neles. Então tipo, querendo ou não, eu fico feliz quando eu vou rimar em rua, em evento de escola, porque eu sei que eu vou receber um público que eu não tenho o costume de ter. Então, aquilo ali já me faz me sentir empoderada e é onde eu lancho eles (risos), porque eu já sei que é só eu rimar bem. Eu só tenho que rimar bem. Eles mesmos que se cagam. Porque vão falar de mim, vão falar de mulher, eles vão dar tiro no pé. Eu só preciso esperar isso (risos). A irmã dela [Carmen] é louca por batalha, ela tem que levar a irmã dela.
Countyvi: E essa questão de cativar público, depois de umas batalhas eu comecei a ver, né, a questão de estilo. Estilo de se vestir em questão de hip hop, que a gente tá debatendo, né? A primeira batalha que a gente ganhou fora, em Cabeceiras. Que foi fora da nossa cidade. A gente foi em um estilo tipo rap, real rap, hip hop de batalha. A gente ganhou o público sem rimar. A gente não rimou e o público já dizia que nós ia ganhar. Por conta de quê? De caráter, entendeu? Não adianta tu falar que é rap e tá ali, vamos supor, de um calçãozinho normal, chinelo havaiana, uma camisa regata. O MC cativa o público e o público jura o MC. E já era, quem dá o voto é o público. Entendeu? E é tipo um macetezinho, uma arma secreta que a gente tem aí de quando vai rimar em lugares, eventos, sempre com um estilozinho de chamar a atenção, meio que tipo assim, tua roupa tem que chegar primeiro que tu.
Brisa: A roupa te bota realmente no personagem, porque eu acho que todo MC tinha que ter sempre a postura de MC quando ele vai para os lugares, porque ele passa a imagem de como é um MC. Assim como eu vejo outros artistas sempre arrumados, eu sempre quero ser uma artista arrumada. Porque, se um cliente meu me vê num ambiente, eu tô arrumada como artista. Então, é igual um MC. Como é que um fã teu vai te ver, tu vestido de normal? Então, o artista, quando ele vai sair, ele tem que sair como artista. Então é o caso do que ele tá falando, que a gente viajou a caráter de MC realmente. A maioria não liga pra isso. Que ele tá cagando e andando porque acha que é só falar. Não é só falar. As coisas hoje em dia tão muito por imagem. As pessoas são muito compradas pelos olhos. Ela viu? Gostou? Ela quer! Então por que não é assim no mundo do hip hop também? É claro que se ela ver um MC top, arrumado, estiloso, ela vai gostar. Vai virar fã! Então os MCs tinha que abrir a mente pra isso. Só que é uma coisa que não dá pra gente falar pra quem tem a mente fechada. Então a gente faz, é individual, cada um faz por si.
Aristides: Qual é a tua opinião hoje sobre rappers, mulheres e homens brancos fazendo isso? Tu acha que um branco de classe média dá pra ser um artista ligado ao hip hop?
Brisa: Sim. Na minha opinião, por mais que o hip-hop tenha sido criado por negros, é um movimento pra todos. Então, a gente preza muito respeito, a gente preza muito ser aceitado nos lugares. Por que a gente tem isso de não querer aceitar os brancos que querem colar com a gente? A gente tá fazendo o que os brancos fazem com a gente mesmo, da gente querer chegar num ambiente e eles não querem aceitar. Você chega em um lugar chique, você é negro, você não pode estar ali. Então a gente tem que ser diferente. Eu creio que o branco ele pode sim entrar na cena, ele pode sim rimar, ele pode sim cantar rap, contanto que ele respeite o espaço que ele tá chegando e que ele entenda que aquilo ali não partiu dos brancos. Por exemplo, o Eminem é um MC muito foda e ele soube chegar na cena. Ele soube, ele sempre teve muito preconceito em cima dele, só que ele venceu isso respeitando, porque quando ele chegou os caras já faziam o show. Os caras de antigamente, os negão já arrochavam, então tipo, É chegar que nem o Eminem, pô. É você chegar num espaço que é do outro, saber respeitar. E se você tá ali pra jogar a ideia do rap, você vai jogar a ideia do rap. E não arrumar encrenca com quem é a cor diferente da sua. Acontece que tem branco que chega e quer tirar os negros. É por isso que os negros não abaixam a cabeça. Porque é um movimento que partiu deles. Mas os negros que não querem aceitar os brancos, eles também não estão certos. Porque é um movimento pra todos.
A gente tem que mostrar diferença. Se a gente quer ser aceita, a gente tem que aceitar. Então não adianta eu cobrar que os brancos não me aceitem em tal lugar, se eu não quero aceitar os brancos num espaço que é meu. Então, é você entender que é pra todos, mas eles que tão chegando entender que também é nosso. É mais nosso do que deles, porque partiu da gente. Eles não podem querer ganhar um mérito por algo que não foi eles que criou. Eles podem participar, podem rimar, podem fazer o que quiser, pô. Agora é respeitar. É não vir você querer citar um negro do rap e falar: “ah, não sei o que, aquele negro assim assado”. Oxe, pô, tu tá fazendo o que é da cultura negra e tu tá falando dos negros?
Não pode!
Eu agradeço pelo convite. É muito bom fazer parte disso E saber que outras pessoas vão ler sobre mim e conhecer o que eu penso vão ver que eu, há anos atrás não era ninguém e hoje em dia eu sou uma pessoa. Vou me tornar reconhecida cada vez que passer o tempo devido ao espaço que várias pessoas vão dando. O espaço que você tá dando pra gente, de se apresentar, de mostrar como a gente é, das pessoas conhecerem a gente.
Ou seja, quanto mais pessoas como vocês aparecerem, melhor, porque assim o hip-hop se expande mais rápido.
Faltam mais pessoas assim, entendeu?
Que queira saber sobre a gente, que nos convide, que escute nossa opinião. Porque às vezes você só tem uma opinião contrária porque você ainda não conversou com a gente. Porque você ainda não viveu aquilo com a gente.