mar becker (marceli andresa becker) é formada em filosofia (universidade de passo fundo) e tem especialização em epistemologia e metafísica (universidade federal da fronteira-sul). mora atualmente em são paulo. faz bonecas e bichinhos de crochê. e-mail: [email protected]
[quatro notas sobre a leveza]
1
lugar, desabitá-lo:
procuro uma palavra para me referir às forças que passam a operar em torno dos objetos quando ninguém mais os toca
2
à noite estou sozinha
sonho com um cavalo azul
e o vento varre meu rosto e minha boca cai em desuso
3
penso em como seria educar uma pessoa com base na ideia de que há coisas que esvoaçam
cortinas, roupas em varais
– as folhas de um caderno aberto sobre a mesa próxima à janela
4
[a página onde leio as palavras que alguém escreveu no momento em que tentava conceber —
em que se sustém a transparência quando ocorre
de a libélula voar?]
***
à noite as meninas se reúnem em torno de suas bonecas
e se inclinam para beijá-las na testa e imantar seus corpinhos de pano com relâmpagos
são meninas magras e inacessíveis
tantas
e cheiram a algodão e lágrimas
nos cabelos um nevoeiro de teias de aranha. na pele os sinais em sete eclipses: lua ilícita, lisérgica. a sombra no púbis, no ânus, nos covis das axilas. uma única e mesma noite atravessa os séculos pela boca das mães até a boca das meninas
e das meninas às bonecas
num processo difícil de perpetuação da fome
***
1
estudar o pássaro
estudar o desenho de mãos que vem ao caso quando penso na palavra “fragilidade”
a altura
a origem da ideia de linhas
tênues
2
estudar a terminologia com a qual os homens de uma cidade perdida se referiam à movimentação de suas cortinas em manhãs de vento
(a atenção com que as observavam, especialmente no instante em que depois de serem abatidas pelo vento elas caíam
e caíam assumindo uma angulação muito própria em relação à luz)
3
estudar todo e qualquer vestígio
e por que penso em homens que falam muito baixo uns com os outros, como se a palavra fosse um excesso
como se em seus íntimos eles estivessem trabalhando na elaboração de uma outra teoria do fogo
Muito bons poemas. O segundo, caprichado, me tocou profundamente. Imagens muito bem trabalhadas, em todos. Há um equilíbrio bem raro, nesses textos. Parabéns.
Universo feminino revirado em versos nem sempre sutis.
Mas transpirando ternura e solitude a cada palavra.
Muito distante do eixo paradgmático, se perdeu totalmente. Volta, ainda há tempo…