Slow Emergencies

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Pouco lembrada num rol de escritoras que inclui nomes do quilate de Alice Munro e Margaret Atwood, Nancy Huston é uma autora canadense quase desconhecida no Brasil (dela só havia lido o incrível Marcas de Nascença, lançado pela L&PM em 2011, e recomendado por Débora Ferraz – que se dedica à tradução independente de parte de sua obra). Este Slow Emergencies é um de seus livros publicados originalmente em francês e traduzidos de próprio punho para o inglês. Dividida em duas partes (“The Soloist” e “The Company“), a narrativa é protagonizada por Lin, uma mulher que tenta conciliar sua carreira como bailarina com as atribulações do matrimônio (o marido Derek e as duas filhas, Angela e Marina).

O romance é, em todos os sentidos, físico: desde a cena de abertura (um nascimento, descrito por Huston com a beleza de uma coreografia e a visceralidade de um parto), até as delicadas cenas de sexo (fun fact: Huston já chegou a “vencer” o “Bad Sex in Fiction Award“, conferido pela Literary Review), toda a obra dialoga em forma e conteúdo com o universo de Lin, esta personagem complexa, de difícil manejo. Ao passo que foi abandonada pela própria mãe e parece nutrir o temor de fazer o mesmo com as duas filhas, Lin cultiva por elas um amor profundo e “maternal”, mesmo quando submetido à ótica problemática da abnegação.

A tensão sexual entre ela e o poeta Sean Farrel é outro fator que Huston insere na trama como um perturbador da ordem matrimonial: esta convenção contra a qual Lin está inconsciente lutando desde o abandono da mãe até as breves interrupções de sua carreira pelas meninas. Longe de fazer isso de forma canhestra e moralista, ou com um tipo de sororidade apelativa, que clamasse pela adesão do leitor, a narradora (em uma lacônica e afiada terceira pessoa) nos convida a examinar a questão sob um escrutínio que nunca deixa de fora os dramas de cada uma das outras personagens (e do próprio Derek, um protótipo de marido perfeito, professor de filosofia sensível às necessidades profissionais e afetivas de Lin).

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A atmosfera que se desprende das páginas é de um gatilho sempre na iminência de ser disparado – e quando o é, na ausência de Lin, o vácuo implacável de sua presença pesa sobre as duas filhas: sobretudo a melancólica Marina, cuja evolução psicológica é algo deslumbrante de ver examinando-se de retrospecto (de uma adulta circunspecta, que segue a cartilha profissional do pai, a uma criança que manifesta em seu cotidiano lúdico a percepção nada obtusa de tudo o que está acontecendo na vida dos pais e da irmã).

O ballet é uma metáfora simbolicamente poderosa para todas as trocas de papéis que se dão no palco da história, de uma grandeza humana inimaginável, explorando a vida, a morte e o papel da arte no meio desse caminho. Dos bastidores do espetáculo, Huston nos espia com um olhar ao mesmo tempo ousado e compassivo, de quem entende que a literatura (como a dança) não é o simples artifício de imitar ou criar a vida, mas de fazê-la compreensível e suportável, por mais que ela pareça quase sempre impossível e absurda.

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