Experiência de Loretta Emiri
Nascida em 1947 na Itália, em 1977 Loretta Emiri estabeleceu-se em Roraima, onde conviveu durante anos com os indígenas Yanomami das regiões do Catrimâni, Ajarani e Demini. Entre eles desenvolveu trabalhos de assistência sanitária e um projeto chamado “Plano de Conscientização”, do qual fazia parte a alfabetização de adultos na língua materna. Na época produziu ensaios e trabalhos didáticos, entre os quais a Gramática pedagógica da língua yãnomamè e o Dicionário Yãnomamè-Português. O dicionário inclui 1.664 verbetes, com notas gramaticais e informações sobre a cultura yanomami. Vinda para alfabetizar os Yanomami, a Loretta declara ter sido por eles educada; a trágica situação vivencial que eles enfrentam, devido à invasão de seu território por parte das frentes de expansão da sociedade dita “civilizada”, e as peculiaridades socioculturais desse povo, marcaram-na profundamente.
Em seguida, como especialista da legislação da educação escolar indígena, Loretta organizou e participou a encontros e cursos de formação para professores indígenas de várias etnias, contribuindo a fazer com que suas reivindicações fossem incorporadas à constituição de 1988. Com a linguista Ruth Monserrat organizou o livro A conquista da escrita – Encontros de educação indígena, que documenta minuciosamente as primeiras experiências escolares feitas por quinze povos indígenas. Fez parte do Grupo de Trabalho instituído pelo Ministério da Educação para definir a política nacional da Educação Escolar Indígena. Depois de dezoito anos voltou à Itália onde, através da escrita, está dando continuidade à privilegiada, como ela mesma sustenta, experiência feita. Sua atividade e produção literária continuam voltadas para a defesa e divulgação dos direitos dos povos indígenas brasileiros; por isso em maio de 2018 ganhou o Prêmio à Carreira “Novella Torregiani – Letteratura e Arti Figurative”.
Publicações de Loretta Emiri
Em português: Gramática pedagógica da língua yãnomamè, Missão Catrimâni, 1981; Cartilha yãnomamè, Missão Catrimâni, 1982; Leituras yanomamè, Missão Catrimâni, 1982; Dicionário Yãnomamè-Português, CPI/RR, 1987; A conquista da escrita – Encontros de educação indígena, EMIRI, Loretta; MONSERRAT Ruth (org.), OPAN/Iluminuras, 1989; Mulher entre três culturas – Ítalo-brasileira “educada” pelos Yanomami, Edicon, 1992; Yanomami para brasileiro ver, CPI/RR, 1994.
Em italiano: Amazzonia portatile, Manni Editrore, 2003; Quando le amazzoni diventano nonne, CPI/RR, 2011; Amazzone in tempo reale, Livi Editore, 2013; (cada capítulo deste livro tem o nome de um diferente povo ou líder indígeno com que a autora teve contatos diretos durante os anos em que percorria o Brasil organizando encontros e cursos de formação para professores indígenas); A passo di tartaruga – Storie di una latino-americana per scelta, Arcoiris, 2016; Discriminati, Seri Editore, 2018; Mosaico indigeno, Multimage, 2020.
ESCREVER
Escrever era anates pensar,
depois aprofundar,
em seguida afirmar.
Escrever era dizer definitivamente, para sempre.
Escrevendo afirmava ideias.
Escrevendo afirmava verdades.
E conheci os Yanomami,
sua vida,
suas verdades orais transmitidas.
Minhas verdades agora não são mais definitivas.
Meu escrever agora não é mais alcançar metas.
Meu escrever agora é traçar trilhas.
Traço trilhas na mata da vida.
DE COR
“Como está a Loretta?”
perguntou o amigo italiano.
“Como uma índia”
respondeu o outro.
Os mais chegados,
os que gostam dos Yanomami,
exprimem seus sentimentos
pedindo para serem pintados:
em verdadeiros ritos,
rostos vermelhos,
linhas pretas sinuosas
e pontos.
A minha não é pintura epidérmica,
superficial:
eu deixei entrar o sol
para mudar de cor.
Em Mulher entre três culturas
COISAS DE PADRES
“Não pode haver cristãos
numa sociedade que não é cristã”,
diziam.
Foram então destruir sociedades
e com as ruínas cinzentas
dos que foram povos policromos
o cristão universal
construíram.
“Não pode não fazer sua escolha:
ou casada ou freira”,
me diziam.
Então a mim mesma destruir queriam
e com as sobras amorfas
do que foi uma peça original
mais uma mulher em série
fabricar queriam.
Imperialismo e massificação
a congênita alergia à opressão
aflorar faziam.
Então os Yanomami pagãos
apaixonadamente eu escolhia
e a condição de leiga,
mulher apenas,
com orgulho eu assumia.
PELES-VERMELHAS
Menstruação, a mulher é vermelha.
Sangue, a luta é vermelha.
Pele, dos Yanomami é vermelha.
Nas veias da mulher, utopia.
Nas entranhas da luta, esperança.
Na carne amada, sentido colorido da vida.
QUE TEXTOS BELOS
Obrigada pela apreciação, cara Lucia Morais.
Belíssimos poemas que me fazem refletir e me emociaonar!