por Aristides Oliveira
foto: Duchess
Do samba, atravessando pela performance ao rock pesado, o trabalho de Josh Krigg é um verdadeiro universo de pluralidades estéticas. Artista versátil e dedicado ao ofício da experimentação, possui vasta experiência na produção artística e musical, seja no Piauí e vários países da Europa. Nosso bate papo faz uma breve trajetória sobre sua caminhada e contribuição aos ouvidos mais atentos.
Josh, por onde anda? Como está sua rotina nesse período pandêmico?
Saudações! Estou em Teresina, a maior mudança na minha rotina devido à pandemia foi não ter feito viagens desde 2020, também algo diferente é que tenho utilizado serviços de entregas de compras básicas em casa. Continuo cuidando da loja virtual além de toda parte de publicação e administração necessária. Sigo compondo, escrevendo, gravando e praticando Feldenkrais e Meditacão Física.
Fale um pouco sobre a experiência do show da banda Tapurus no Festival Tribos Rock. Como foi que você pensou aquele projeto na época?
Que lembrança inusitada! Foi um show bem caótico, assim como era a própria banda. Nos juntamos pra fazer algo espontâneo e por diversão mesmo, contando com Léo Punk nos vocais e letras, Nicholas Hendrix na guitarra, eu e Julliano, ainda teve o Fábio Crazy no baixo em alguns shows. A gente nunca fez um ensaio, mas até que tocamos de forma entrosada e complementar. Um show que tocamos no Boemia, ainda no centro, foi bem melhor.
Como você compreende a cena underground piauiense do período que você iniciou suas sonoridades e hoje?
A maior diferença é o advento da Internet e a incrível mudança tecnológica que se deu entre 1993 e os dias atuais. Não tínhamos muito acesso a instrumentos, eram poucas as opções de locais para shows, estúdio para gravação só havia um e era bem caro, mas a gente sempre dava um jeito de se juntar em ensaios e em eventos, mesmo que em locais pequenos e improvisados.
Esse momento que estamos vivendo agora é completamente diferente, mas antes da pandemia os shows estavam acontecendo de maneira regular e bem estruturada, por conta de espaços como o Bueiro do Rock e de melhores equipamentos, mais fácil acesso a informação o que proporciona uma pessoa a aprender a tocar um instrumento rapidamente, dependendo do seu interesse particular.
Qual banda piauiense você gosta de ouvir? Nosso som tem qualidade para garantir espaço no mercado musical ou ainda estamos engatinhando?
Eu gosto da demo do Demolidor ‘No Pollution’ e do EP Technodeath do Megahertz, Banheiro de Rodoviária, que é uma banda de punk/HC e também vi um clipe novo do Deep Moon, um trabalho bem coeso. Tenho certeza que existe talento e capacidade de se fazer música relevante em qualquer lugar do mundo, especialmente aqui. Quanto ao mercado musical mainstream, aí já é algo que vai além da música em si, eu não tenho como opinar sobre isso, até porque estou focado no nicho que reverbera com o que eu faço.
Você é um artista muito versátil, do teatro à música, do rock ao samba. Fale sobre o processo criativo do Lado 2 Estéreo. Como você e Julliano fazem parar transitar por gêneros tão diferentes?
Na época do Lado 2, a gente tinha nosso próprio estúdio de ensaio na casa do Julliano, então podíamos tocar muitas vezes durante a semana, praticamente todo dia, e em quase todo ensaio surgia uma nova ideia, um riff ou uma batida.
A partir disso eu trazia aquela ideia comigo e ficava desenvolvendo, o que muitas vezes significava simplificar, assim a gente ia criando as músicas, e junto a isso letras e imagens. Também os equipamentos me inspiravam bastante, bateria eletrônica, samplers, percussão e computador.
Sobre os gêneros musicais, acredito que a maioria das pessoas que se interessa em aprender a tocar um instrumento, conhecer a história da música e começa a compor, tende a desenvolver curiosidade sobre outros estilos e modos de se fazer e interpretar música.
A gente com certeza fazia algo consciente no sentido de ter um som próprio e naquele momento estávamos com a paleta de “cores sonoras” bem ampla. Foi um período intenso de aprendizagem pra mim, sobretudo porque tive a sorte de trabalhar com o produtor musical Hubert Souchaud, um francês que na época mudou-se pra Teresina e trouxe seu estúdio móvel, foi um grande workshop de seis anos pra mim em relação ao processo de produção musical e estar mais perto do circuito realmente profissional da música no Brasil. Certamente foi um grande prazer fazer parte do TIM Festival e tocar em festivais como MADA em Natal, no pelourinho em Salvador e todos os eventos que fizemos parte.
Assisti sua performance no Organizador de Carne. Fala um pouco do impacto daquele projeto em você e como podemos reverberar aquela mistura de referências nos dias que vivemos?
Outra pergunta inesperada pra mim! hehehe… O maior impacto pra mim foi que passei alguns meses morando em São Paulo, dividindo um apartamento nos Jardins com a assistente de direção da peça Carol Laranjeira, e todos os dias íamos de carro juntamente com a Sheila Ribeiro (coreógrafa e diretora) criar e ensaiar em um galpão em Osasco.
Eu falo desses lugares pra esclarecer que essas viagens de carro na grande São Paulo entre lugares tão distintos, juntamente com o tempo criativo com elas, foi bastante enriquecedor pra mim. A Sheila é radical no seu trabalho e quebrou alguns paradigmas no meu pensamento.
Depois ela participou de uma turnê pelo Nordeste juntamente com o Lado 2 Estéreo, apresentando-se no palco enquanto a gente tocava. Com esses diferentes projetos eu visitei e revistei várias cidades em diferentes ambientes e cenas, é muito interessante experienciar um mesmo lugar a partir de um ponto de vista diferente.
Por exemplo, em Brasília em me apresentei em 1999 com uma banda de Fortaleza de Thrash/Death Metal (Insanity) na Casa de Teatro Amador, e uma década depois no mesmo local com uma peça de teatro, num espaço completamente reformado, mas era o mesmo prédio.
Tenho Skate Aranha como um dos seus trabalhos favoritos. Situa pra gente teu fluxo musical desde o começo da carreira até aqui. O que define a transição de um gênero para o outro ao longo das suas experiências musicais?
Fico feliz que você conhece e gosta da banda. O que acontece é que para quem está “de fora”, as mudanças aparentam ser repentinas, mas em um ou dois anos de processo criativo dá pra fazer muita coisa. Quando o Lado 2 encerrou as atividades, eu comecei a compor juntamente com uma atriz alemã/espanhola chamada Ariadna Rubio.
Nessa época estávamos em Amsterdam e começamos esse projeto de músicas mais simples e diretas, com forte influência de Rock’n’Roll dos anos 50, essa é a origem do Skate Aranha.
Eu sei que o formato musical tem sua importância e impacto em diferentes pessoas, mas pra mim tudo é música e estão todos interligados, talvez exatamente por isso projetos aparentemente tão distintos acabam fazendo sentido, pois a perspectiva que são vistas é do coração e mente que cria tudo oriundo da mesma fonte.
Monasterium e Bode Preto são referências respeitadas para os ouvintes que caminham entre o death/black metal. Comenta sobre sua passagem nesses projetos e quais aprendizados carrega nesse percurso. Quem (da geração atual) você destaca no painel sonoro do gênero no Piauí, Brasil e mundo?
Bode Preto é minha banda e assim será até quando eu puder produzir. Monasterium foi a minha primeira experiência em tocar junto com outras pessoas no sentido de formar uma banda. Foi uma época importante pra mim, pois entendi como funcionava o processo criativo em conjunto e pela primeira vez tive contato com estúdio de gravação.
Considero muita sorte e sou grato por ter sido um dos criadores de uma banda que evoca o imaginário de pessoas que se afeiçoaram e se afeiçoam ao trabalho, com certeza tudo foi e é feito de maneira honesta e sincera, com limitações que sempre existirão. É um prazer sentir que sua ideia, sentimento, ou mensagem, ecoa em outras pessoas. Em Teresina tem muitas bandas boas, cito o Empty Grace pois lançou um CD bem consistente recentemente, Impurity (MG) e Mystifier (BA), e de fora do Brasil destaco o Impiety (Singapura), pois fizemos uma tour juntos e pude conferir o poder sonoro da banda de perto.
Algum plano em andamento?
Estou aqui, e em qualquer lugar que esteja estarei criando algo e cuidando da parte burocrática dos meus projetos. Em dezembro de 2019 lancei o primeiro single de uma empreitada solo, que utilizo o nome Josh Krigg. Para esse material gravamos 12 músicas com Andy Newmark na bateria, quando tive a honra de poder gravar com ele na Inglaterra.
Os arquivos dessas baterias estão bem guardados e tenho finalizado um single por vez, contabilizando três lançamentos até o momento. Além disso acabamos de finalizar um disco novo do Bode Preto que será lançado em outubro desse ano.
Tenho organizado todos os materiais que já produzi ou fiz parte, em termos musicais, e estou com meu próprio selo (Zeekingztar Records, uma palavra que inventei para chamar a estrela do rei do mar, ou seja, Netuno), com esse selo estou produzindo merchandise e vou fazer lançamentos e relançamentos de materiais do Bode Preto, Skate Aranha e Josh Krigg, por enquanto, quiçá do Lado 2 Estéreo e Monasterium no futuro.
Há aqueles artistas que acabam repetindo uma “fórmula” ao longo da carreira e faz sucesso com isso. Exemplos não faltam. Os artistas que experimentam, ousam e não se prendem a categorias são vistos como “malditos”, de “vanguarda” e, na maioria das vezes ficam isolados e mitificados. Como você se posiciona diante desses jogos narrativos que legitimam e silenciam vozes na arte?
Acredito que cada pessoa tende a fazer o melhor que pode e o que escolhe, seja consciente ou inconscientemente. Gosto de algumas bandas ou artistas que fazem o mesmo som e gosto de bandas que mudam o som, só não gosto do que eu não gosto. Isso é importante para os mais jovens saberem que podem gostar do que gostam e não do que aparentemente devem gostar.
O que podemos esperar de projetos para o pós pandemia?
Espero poder viajar livremente e tocar em shows, com certeza continuarei a gravar, essa é a parte que mais gosto, ficar construindo e experimentando em estúdio, realmente eu amo fazer isso.
O que tu anda escutando de música? Que bandas recentes fazem o diferencial no seu ouvido? Indica pra galera e explica a importância dessas experiências.
Escuto muito Rock’n’Roll antigo como Everly Brothers, Gene Vincent, Eddie Cochran, mas tenho muitos discos, então um dia pode ser algo completamente diferente como Sonny Rollins, Baden Powell ou R. Schumann, é como um tema do dia sabe?
Boto o disco na vitrola e acaba ficando um ou dois dias só virando de lado. Experiência de ouvir outros artistas? É crucial na formação de repertório no consciente e no inconsciente, é daí que vão emergir suas ideias musicais, então é bom usar o consciente para escolher o que mandar para o inconsciente, em todos os aspectos da vida.
Agradeço pela entrevista, foi um prazer pra mim falar desses assuntos acima, solicito a todos que não esmoreçam com essa pandemia ou com contratempos na vida, é assim mesmo Heaven and Hell, quando é bom é muito bom. Valeu!!
Para conhecer os trabalhos de Josh: http://www.joshkrigg.com/
Entrevista ESPETACULAR!
Muitas coisas de tudo um pouco. Esse cara é especial no mundo. Valeu Acrobatas….