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Pesquisa : Ariane Stolfi . Bruno Schiavo . Daniel Scandurra . Gabriel Kerhart . João Reynaldo


Este artigo é uma introdução ao projeto CÓDIGO REVISTA: digitalização e publicação online dos facsímiles de todos os 12 números da REVISTA CÓDIGO, que foram preparadas e lançadas originalmente entre os anos de 1974 e 1990. O website será oficialmente divulgado a partir do início de 2016, entretanto, já está no ar em período de testes e de incrementação hipertextual.

http://www.codigorevista.org/nave/

“Consolem-se os candidatos. Os maiores poetas dos anos 1970 não são gente. São revistas.(…) Afinal, se a poesia tem algum papel nesta vida é o de não deixar a linguagem estagnar, deitada em berço esplêndido sobre formas já conquistadas. Sobre clichês. Sobre automatismos. Papel de renovar ou revolucionar o como do dizer. E, com isso, ampliar o repertório geral do o que dizer. (…) As revistas são a obra-prima da poesia brasileira nesta década que acabou de passar”.
(PAULO LEMINSKI EM “O VENENO DAS REVISTAS DE INVENÇÃO” ARTIGO PUBLICADO NA FOLHA DE SP EM 16/05/1982.)

SOBRE ERTHOS ALBINO DE SOUZA

Erthos Albino de Souza (1932-2000), poeta dos primórdios da história da poesia computacional no mundo, foi o principal editor e único financiador dos 12 números da revista Código. Mineiro de Ubá, radicou-se no início dos anos 60 em Salvador-BA para trabalhar como engenheiro da Petrobrás, onde começou a mexer com computadores – à época, gigantescas máquinas.

Diz Erthos, em entrevista para Carlos Ávila, em 1983: “Pedro Xisto [1901-1987], quando esteve no Canadá [meados dos anos 60], conheceu um professor que realizou um poema dele em computador, chamado “Babel”. Ele me mostrou aquilo e comecei a me interessar. Como eu estava trabalhando com computador, comecei a fazer minhas pesquisas [1968].” Como “pesquisas”, Erthos se refere a experiências poéticas com procedimentos complexos (ligadas à matemática, à codificação e à alta tecnologia) porém, com resultados simples (com resultados metalinguísticos que ajudaram a introduzir as inovações poéticas advindas com o computador a um público-campo não estritamente científico). Para exemplificar, podemos dizer que Erthos, já nos anos 70, ora preparava cartões furados para impressão de poemas (linguagem dos primórdios do computador), ora se valia dos próprios cartões como poemas-objeto.

Hoje, em tempos de difusão do uso do printscreen (que muito facilita a possibilidade da percepção/apreensão do fenômeno da metalinguagem em nosso cotidiano), consideramos imprescindível o conhecimento da obra de Erthos Albino de Souza, pré-screen. Antonio Risério, cocriador de alguns números de Código, incluindo o primeiro (1974) e o segundo (1975), dedica a Erthos um trecho de seu livro “Ensaio sobre o texto poético em contexto digital”, de 1998:

“A poesia computadorizada começa, no Brasil, com Erthos Albino de Souza, um dos pioneiros internacionais do uso poético do computador. Conheci o seu trabalho em 1973, mas sei que seus experimentos vi-nham de antes. Engenheiro da Petrobrás, Erthos iniciou suas pesquisas e seus ensaios nos computadores da empresa. Ele é pré-micro, portanto, poeta do tempo do computadorzão, com cartão perfurado e válvulas enormes. Em 74, publicou na revista Código [número 1], que editávamos na Bahia, o Soneto Alfanumérico, jogando com letras e dígitos (este é o sentido do alphanumeric, no vocabulário informático), em base permutatória, no interior da antiga forma literária (…)”

Erthos, além dos 12 números de Código, financiou e editou muitos trabalhos de poesia e metalinguagem por todo o Brasil. Muito se diz que preocupou-se mais com a obra de outrem do que com a sua própria, porém, se incluirmos a revista Código como uma obra de sua autoria, dado o caráter guerrilheiro inerente à proeza dessas editorações (autônomas e autofinanciadas), podemos relativizar essa afirmação. Erthos pode não ter coligido em grandes tiragens seus próprios poemas, mas sua prática poética envolveu a criação de espécies de zonas autônomas impressas nas quais seus poemas, junto dos de dezenas de nomes importantes para a história da poesia brasileira, invariavelmente encontraram guarida. Graças aos meios digitais e à internet, o universo hipertextual ligado a Erthos (incluindo aqui o de programação poética, ou de programador-artista) está acessível a quem se interessar. Pode ser mesmo que seus poemas estavam, desde 1968, esperando a popularização dos computadores para serem organizados e publicizados. No Wikipedia, o verbete “Erthos Albino de Souza” foi criado em dezembro de 2015, veja lá bibliografia sobre Erthos e links online relacionados: https://pt.wikipedia.org/wiki/Erthos_Albino_de_Souza

SOBRE A REVISTA CÓDIGO:

“Código [em teoria da informação] pode ser definido como um esquema de divisão da energia que pode ser veiculada ao longo de um canal. É um sistema de símbolos que, por convenção preestabelecida, se destina a representar e transmitir uma mensagem entre a fonte e o ponto de destino. Não apenas os códigos propriamente ditos (Morse, Braille, de trânsito), mas também as línguas podem ser consideradas “códigos”, embora Colin Cherry prefira distinguir entre as línguas, que se caracterizam por um longo desenvolvimento orgânico e os códigos, que são tecnicamente elaborados para certos fins específicos.”
DÉCIO PIGNATARI EM “INFORMAÇÃO. LINGUAGEM. COMUNICAÇÃO”, 1968.

A revista Código tem como precursoras diretas as duas revistas da primeira geração da poesia concreta: Noigandres (1952-1962), e Invenção (1962-1967) – essa em especial, pois foi através do contato com a revista Invenção 1 que Erthos, interessado por Sousândrade, iniciou intensa correspondência com Haroldo de Campos, (que o introduziu a) Pedro Xisto, Augusto de Campos, Décio Pignatari e, a partir disso, muitos outros futuros colaboradores e colaboradoras. Em Invenção 5, já há a participação de Erthos como cofinanciador. Código é contemporânea de uma geração de revistasignições que surgiram quase juntas, só entre 1974 e 1975 nasceram: Código, Navilouca, Pólem, Bahia Invenção, Artéria e Poesia em Greve, publicações independentes do período inicial do offset no ramo das revistas de poesia no Brasil (o último número da Revista Invenção ainda era impresso em tipografia). Essas revistas, e Código em destaque, ajudaram a dar fôlego e plataforma ao desenvolvimento de práticas intersemióticas da primeira e segunda geração (esta que ainda despontava junto das novas revistas) de poetas ligados à assimilação da poesia concreta, ampliando os campos para a pesquisa em metalinguagem desta estirpe (Regina Silveira, Julio Plaza, Lenora de Barros, Alice Ruiz, entre outras e outros).

Por email, Augusto de Campos, em 2013, nos sintetizou assim o papel da revista Código:

“Durante cerca de quinze anos, de 1974 a 1990, a revista C ódigo, editada e impressas na Bahia por Erthos Albino de Souza e vez ou outra também por Antonio Risério -, foi a portavoz das poéticas experimentais brasileiras mais avançadas. Publicação alternativa, financiada pelo primeiro, acolheu materias de vanguarda que não encontrariam guarida nas publicações convencionais, com originalidade e versatilidade gráficas incomuns. Foi importantíssima não só para a evolução da poesia concreta e visual, como para o despontar de várias novas gerações de poetas, artistas e músicos interessados na produção de novas linguagens. E incentivou, com o seu exemplo, o aparecimento de várias outras publicações que tiveram presença significativa no desenvolvimento da literatura de invenção no Brasil.”

Omar Khouri, poeta e um dos editores da Artéria ( Código incentivou bastante o nº1 de Artéria), tem alguns importantes escritos sobre Código como esses trechos do livro “Revistas na era do pós-verso: Revistas experimentais e edições autônomas de poemas no Brasil dos anos 70 aos 90 ” de 2003:

“Código, revista editada na Bahia, pode ser considerada, das que surgiram nos anos 70 com o propósito de veicular principalmente poesia e uma poesia mais empenhada com a experientação, o maior prodígio, pois, estendendose de 1974, ano em que saiu o seu 1º, até 1989-1990, conseguiu, a intervalos não regulares [12 números em 16 anos], chegar ao nº12. (…) O número 1, de formato pequeno, traz na capa e quarta capa o poema “Código”, de Augusto de Campos, que depois se tornou como que uma logomarca da revista e das edições “Código”. C ódigo, a partir do segundo número, modificou o formato que quase sempre se manteve o mesmo (exceção feita ao álbum de Décio Pignatari – Oswald Psicografado por Signatari) até o número doze. (…) Código teve números especiais, como o que comemorou os cinquenta anos do poeta Augusto de Campos, o que veiculou o trabalho já citado de D. Pignatari, o das traduções de José Lino Grünewald, o de homenagem a André Luyz Sã-tos, o dos trinta anos da Poesia Concreta e a de nº12: Arteciência. (…) Para aqueles que se interessam por poesia e experimentação, CÓDIGO entra como um documento de grande importância, não apenas em termos de Brasil, mas do que era produzido no Planeta, nos anos 70 e 80 do século passado.”

A única entrevista que Erthos concedeu foi em 1983 (ano do lançamento de Código 8) para Carlos Ávila (já citada aqui), poeta e jornalista de Belo Horizonte que participou de 3 edições de Código publicada junto ao estudo “O engenheiro da poesia” no livro POESIA PENSADA (2004). Carlos gentilmente ofereceu para a nossa pesquisa cópias de 17 cartas que recebeu de Erthos e o inédito áudio da entrevista que conservava em fita cassete, material que estará online no site codigorevista.org/. Aqui trecho da entrevista sobre a revista Código:

“Os dois primeiros números de Código foram editados com o Risério ele é que selecionava o material, grande parte ele mesmo recebia. Quando ele se mudou para São Paulo, o terceiro e o quarto números eu fiz sozinho. Já o quinto, dedicado a Augusto de Campos, ele já estava novamente na Bahia, colaborou e ficou com a responsabilidade do material. O número com trabalhos do Décio (“Oswald Psicografado por Signatari”, Código 6) foi quase improvisado aliás, foi o ano em que saíram dois números da revista. O Décio foi à Bahia e disse que tinha feito aqueles traba-lhos, aí eu me entusiasmei. E ele, para ajudar, mandou os fotolitos prontos. Então foi uma beleza: não tinha nada de composição, os fotolitos prontos… O número de José Lino Grünewald (Código 7) foi o seguinte: quando Augusto esteve na Bahia, eu falei com ele que gostaria muito de reunir aquele material do Zé lino publicado nos jornais, no Jornal do Brasil, A tribuna, Correio da Manhã… Eu tinha alguma coisa, mas não tinha tudo. Eu falei com ele e ele deu força, dizendo que o Zé Lino estava muito afastado, nunca mais tinha publicado nada. Então eu escrevi para ele e recebi uns xerox. Mandei datilografar tudo, atualizar a ortografia e devolvi a ele, que fez algumas correções, mudou a disposição e aí a gente fez aquele número.”

SOBRE CODIGOREVISTA.ORG/

Em meados de 2013 o poeta Augusto de Campos presenteou-nos com exemplares originais da revista Código, as quais guardava com muito cuidado. A partir da reunião dessa coleção e do desejo de tornar as revistas acessíveis via internet a quem pudesse se interessar, surge o projeto CÓDIGO REVISTA. Augusto concordou com a ideia de redigir um projeto de digitalização e divulgação online da coleção completa. Adquirimos os numeros que faltavam, contando com acasos milagrosos online, (como a aquisição da pequena e rara “Make up”, publicação anexa à Código 9) e logo em seguida fomos contemplados com o edital Rumos do Itaú Cultural, podendo iniciar os trabalhos a partir do final de 2014.

Desde então, a equipe se ocupou em realizar algumas tarefas, das quais destacam-se: contato e obtenção da licença autoral junto aos principais participantes; entrevistas; digitalização; tratamento e processo OCR (identificador de caracteres em imagens) de todas das páginas das revistas e preparação da interface do website interligada com um banco de dados próprio.

BANCO DE DADOS E INTERFACE INTERCÓDIGOS

Para chegar ao resultado da interface, tivemos alguns princípios e desafios previstos, por exemplo: – Ter um design de navegação paratático, programado a partir de códigos gerados pela estrutura (necessariamente hipotática) de um banco de dados. – Apresentar boa fruição tanto para manuseio/pesquisa de arquivo, como para manuseio criativo/propositivo. – Ter uma lógica taxonômica e folksonômica de indexação dos metadados aos arquivos de modo a permitir o intercâmbio entre níveis diversos de informação hipertextual.

Na interface desenvolvida com o url: codigorevista.org/nave/, optamos por manter, num pensamento intersemiótico, uma das principais características tradicionais que definem o objeto “revista”, se trata do fato de serem encadernadas de forma a permitir um manuseio/folheio de duplas em duplas de páginas (fato que também é característica tradicional do formato “livro”). É esse o tipo de encadernação de 11 das 12 revistas Código (apenas a revista número 6 é diferente: tem as folhas soltas).

Assim, a interface oferece a visualização de duplas de páginas, permitindo tanto a fruição através da ordenação original de páginas das revistas (como se estivessem físicamente encadernadas), como também, e isso é ganho inerente ao meio digital/hipertextual, a de todas as combinações possíveis de duplas entre todas as páginas de todas as revistas catalogadas. Essa possibilidade, somada a disponibilidade de recursos como o do zoom e o de rotação das imagens (cada página com edição independente), permite o rearranjo criativo de infinitas combinações/transcriações.

As montagens podem ser capturadas, por exemplo, através do emprego do “printscreen”, tais que também poderão ser catalogados no banco de dados e figurar no site.

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