DEVIRES, México 2020

| |

Em 2018, Paola Marugan (ESP/MEX) veio ao Brasil promover a 1º Edição do Devires, no Espaço Goethe, em Salvador (BA). O evento é dedicado ao debate e reflexão sobre as potências do Corpo no mundo contemporâneo. Esse ano, o projeto pousou no México e abriu possibilidade para ampliar as experiências criativas que atravessam os limites do Corpo-Continente.

Paola é nossa correspondente internacional da Revista.

Sempre irá trazer novidades envolvendo feminismo e arte.

Após de poucos dias do encontro DEVIRES, no Museu Universitário do Chopo, na Cidade do México, a palavra que ficou flutuando no meu corpo é MOVIMENTO. A movimentação que implica o processo de vida, pesquisa e criação. Em definitivo, é o movimento o que dá estrutura ao devir, aos devires que se encontraram naquele espaço artístico. Todos os trabalhos apresentados nesta segunda edição apontaram para os movimentos migratórios geográficos e/ou para as transformações nos processos de subjetivação, em uma relação indistinguível entre os fluxos internos e externos do corpo.

Ana Lira (PE) e Paola Marugan (ESP/MEX)

A artista caribenha Helen Ceballos abriu o encontro com a performance-ritual MUDA. Ela conta que morou em 11 cidades, 5 países e 34 casas, o que significa que Helen tem mais mudanças no corpo do que anos no mundo. Atualmente ela mora em Porto Rico, uma nação sem estado, que existe em uma relação colonial com os Estados Unidos. Me parece que a escolha de colocar o corpo em um lugar para produzir, existir e gritar, é política. Não é por acaso que ela está morando naquela ilha sentindo-pensando fronteira, migração, colonialidade, sexualidade e feminismos.

MUDA, de Hellen Ceballos

Na mesa de discussão “Processos de pesquisa, práticas situadas, magiar futuros (im)possíveis” participaram três professoras-pesquisadoras Mónica Cejas e Merarit Viera do programa de Doutorado em Estudos Feministas na UAM-Xochimilco e Maya Aguiluz do Centro de Pesquisa Interdisciplinária em Ciências e Humanidades da UNAM, junto com as artistas “performanceras” Diana Olalde e Helen Ceballos.

Leia também:  O amor e a insistência de Valéria Barcellos
Mónica Cejas, Diana Olalde, PaolaMarugan, Hellen Ceballos, Mararit Viera e Maya Aguliz

Todas as palestras mostraram de formas diferentes como as experiências dos processos de pesquisa, criação e produção de vida traduzem-se em consciência feminista, antirracista, anticolonial, anticapacitista…

Sublinhamos a importância e a urgência do desmantelamento das estruturas binárias que organizam os nossos corpos, sexualidades, espaços e a vida em geral; tivemos reflexões voltadas para pensar as condições de encerramento das mulheres negras nos anos 50 do Apartheid na África do Sul e como se dava a procura de liberdade por meio da escrita de cartas; tivemos pensamentos-ações voltados para a relação entre maternidade e práticas pornô-aleijadas; escutamos os processos de pesquisa com as mulheres da cena rock-punk de Tijuana, metodologias e sentires de alguém que é parte dessa cena e que tem um olhar feminista de tais práticas.

Também compartilharam os processos de escrita poética em relação ao corpo e à territorialidade e uma vida que atravessa a fronteira num barco para realizar o chamado Sonho Americano, uma vida marcada pelas relações de gênero, os processos de racialização e a violência, mas também pela potência de um corpo que sabe que pode, o saber ancestral do corpo, né? O poder do corpo vibrátil, como diz Suely Rolnik.  

A mesa de discussão está disponível no Facebook do museu. Segue o link das falas: https://www.facebook.com/MuseodelChopo/videos/633176710584470/

Esta edição do DEVIRES refletiu sobre a  produção de conhecimento do Nordeste brasileiro. O artista Alysson Amancio apresentou a primeira fase de um processo criativo intitulado CABRA DA PESTE, em que pensa de que maneiras um corpo de homem negro, homossexual e bailarino é marcado, atravessado e produzido pela masculinidade que definiu historicamente a identidade do homem do Nordeste.

O trabalho está carregado de símbolos do imaginário nordestino e nesta primeira fase, o artista já abriu várias possibilidades coreográficas (corporais e objetuais) que podem ser desenvolvidas nos processos de (re)significação do que é esse homem ou esses homens plurais no Nordeste.

Leia também:  Simón Bolívar, um poeta por trás de sua trincheira

Em diálogo com a peça de dança de Alysson Amancio, a artista pernambucana Ana Lira apresentou de maneira muito generosa o processo de criação do TERRANE, projeto que está desenvolvendo de 2013, na cidade de Afogados da Ingazeira no Sertão do Pajeú (Pernambuco), com as mulheres pedreiras dessa região.

Deste processo, Ana produziu vários livros de artista e uma narrativa audiovisual (será publicada em breve), que compartilhou conosco, junto com outros materiais da pesquisa.

Primeiramente a artista mostrou qual é o contexto da pesquisa para depois falar da metodologia do processo e das problemáticas voltadas para as políticas de representação, enquanto fotógrafa-documentalista atuante no circuito artístico, sendo ela mesma nordestina (oriunda de Caruaru), querendo produzir “outros contos possíveis” do sertão, de Pernambuco, do Nordeste.

Ana apontou de que maneiras o circuito artístico ainda está profundamente marcado pelo pensamento da Arte Moderna Ocidental, em que a figura do “artista-gênio” e a “obra de arte” são os elementos principais de uma estrutura que não permite abrir os processos para as articulações, as redes e as cumplicidades serem mostradas.

A palestra de Ana Lira está disponível neste link:

Devenires Coloquio Procesos creativos de Terrani

Posted by Museo Universitario del Chopo, UNAM on Sunday, February 16, 2020

Sem vontade de encerrar, mas compreendo que o DEVIRES tem o seu próprio devir enquanto projeto, outra palavra que me habita estes dias é aliança, corpos-em-aliança, que foi o que acabou acontecendo entre varixs dxs artistas, pesquisadoras, a equipe da instituição e o público generoso e empolgado deste intenso encontro de dois dias no Museu Universitário do Chopo, na Cidade do México.  

Será realmente que estamos com vontade de gerar alianças? Qual tipo de aliança estamos prontas a negociar? Será que vamos disponibilizar os nossos corpos para um exercício de escuta radical? Pois vivemos tempos carregados de urgências…

Leia também:  A materia da decida: Catábasis e anábasis na poesia de Gladys Mendía

Paola Marugán Ricart

Curadora do DEVIRES

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!