Conversa com os diretores da Coleção “Libros Imposibles”

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Por Alejandro Ventura*

As minhas aventuras, como viajante pelas terras brasileiras, têm me dado uma espécie muito singular de fortuna espiritual, na forma de convívio com algumas pessoas que possuem uma natureza surpreende, moldada na generosidade, em símbolos gentis de curiosidade e a magia incondicional de uma vida que supera todas as expectativas. Tem sido assim como a visita ao Norte do país, a gente que parece habitar uma outra dimensão, considerando a miséria em que vive, e também no Nordeste, onde descobri uma fonte inesgotável de alegria, na forma da criação artística. O convívio com amigos ligados às revistas, como Acrobata e Agulha Revista de Cultura, os saraus realizados no Piauí e na Paraíba, onde vive outra poeta, Anna Apolinário, o espírito contagiante das artes. Graças ao poeta Floriano Martins – que vive em permanente construção de um mundo mágico ao lado de Elys Regina Zils, com quem trabalha em vários projetos –, sigo descobrindo a extensão desse contágio, agora com a criação, ao lado de outra poeta, a salvadorenha Juana M. Ramos, de uma coleção de livros virtuais que eles batizaram de “Livros Impossíveis”, pois somente a grandeza da alma de ambos editores é que se pode imaginar a convicção com que tornam possível o impossível. Juana vive nos Estados Unidos, Floriano no Brasil. Quem dera os dois países encontrassem um ponto de conciliação com esse mundo compartilhado que ambos evocam a maravilha que é viver, além de todos os obstáculos. A Coleção Livros Impossíveis inaugura suas atividades editoriais com um catálogo que é dos mais relevantes e surpreendentes possíveis:

01 EL CORAZÓN INCONTENIBLE DE LAS NOCHES Juana M. Ramos & Floriano Martins

02 LETRAS DEL FUEGO Susana Wald & Floriano Martins

03 MEMORIAL DE LOS ABISMOS César Bisso & Floriano Martins

04 HUESOS DE LOS PRESAGIOS Fernando Cuartas Acosta & Floriano Martins

05 LE MUSÉE DU VISIONNAIRE Berta Lucía Estrada & Floriano Martins

06 ENDECHAS DEL ÚLTIMO FUNÁMBULO Berta Lucía Estrada

07 RÍO LOA Ludwig Zeller

08 TRÓPICO DE PARIS Paulo Antonio Paranaguá

09 INTUICIONES Y OBSESIONES Susana Wald

10 ANATOMIA DO ÓCIO R. Leontino Filho

11 HORIZONTES DEL SURREALISMO Carlos M. Luis

12 SIX RUNNING DESIRES Floriano Martins

https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2024/05/coleccion-libros-imposibles.html

https://www.entretmasrevistadigital.com/colecci%C3%B3n-libros-imposibles

Graças a um outro poeta, igualmente valioso, a quem aprendi a respeitar e admirar, Demetrios Galvão, diretor de Acrobata, pude realizar esta entrevista. [A. V.]

ALEJANDRO VENTURA | Desde quando existe a tua revista e que outras experiências já tiveste com edição de livros?

JUANA M. RAMOS | Obrigado, Alejandro, pelo espaço que nos dá para falar sobre esta coleção incipiente. EntreTmas Revista Digital é uma revista jovem, que nasceu há três números na cidade de Nova Iorque, em 2023. É um projeto liderado por um grupo de acadêmicos, artistas visuais, poetas, contadores de histórias e dramaturgos, e cuja visão e missão se centram na visibilidade da obra literária e cultural que se produz em espanhol nestas latitudes. Além de editar a revista, atuei como editora de Palabra volcánica / Parola vulcanica, uma antologia poética bilíngue (espanhol/italiano) de mulheres centro-americanas, publicada em Milão pela Formarti Editorial. Da mesma forma, participei de diversos projetos editoriais para a editora El Pez Soluble, de El Salvador, na correção filológica de algumas coletâneas de poemas.

FLORIANO MARTINS | Agulha Revista de Cultura foi criada ao final de 1999, de modo que hoje ela tem 25 anos de vida. Desde o princípio sua concepção editorial esteve vinculada a um plano de equilíbrio entre a ausência de fontes de reflexão cultural e nossas possibilidades de ofertá-las, não apenas através da tradução, como também do estímulo ao pensamento, descobrindo ou mesmo criando um núcleo de colaboradores de várias partes do mundo, sem descuidar a presença do Brasil. Não foi uma aposta fácil e sua dificuldade confirmava a todo instante a necessidade de confrontar esse abismo. Desde a adolescência que este foi tema que sempre me preocupou, seja ao criar e dirigir outras publicações periódicas quanto organizando antologias e dirigindo outra coleção de livros.

ALEJANDRO VENTURA | Como vocês se conheceram?

JUANA M. RAMOS | Tive o prazer de conhecer Floriano há muitos anos. Em 2022 me convidou para participar de uma série de entrevistas sobre a criação poética e seus espelhos para a Agulha Revista de Cultura. Publicou também diversos ensaios sobre minha obra e traduziu para o português, em 2021, cinco textos poéticos de minha autoria como parte do “Atlas Lírico da América Latina” (El Salvador), para a revista Acrobata. Colaboramos em múltiplos projetos, desde a recomendação de poetas da região da América Central e do México até a curadoria do número 178 da Agulha Revista de Cultura, “Partitura do maravilhoso”, edição dedicada a El Salvador. E assim cresceu a amizade e essa cumplicidade literária entre os dois.

FLORIANO MARTINS | Seguramente não vou repetir esses dados, mas sim, além de confirmá-los, dizer que desde o princípio houve uma ampla afinidade, instantânea e produtiva, entre nós. Talvez possa ser inadmissível para muitos o fato de que não nos conhecemos pessoalmente, uma relação somente aceitável no campo da idolatria (risos). No entanto, o risco maior das afinidades são está em sua forma, mas sim em sua base ou profundidade. O sentido incondicional de integridade é o que nos mantém humanos. Juana é uma cúmplice mais antiga do que o tempo possa definir e certamente estamos apenas começando essa nossa relação tão produtiva. Todos ainda ouvirão falar muito de nós.

ALEJANDRO VENTURA | A ideia de fazer livros para circulação gratuita resulta ser uma descrença no modelo atual da indústria editorial?

JUANA M. RAMOS | Aqui direi que se deve pensar a qual indústria editorial estamos nos referindo, ao “centro” ou à “margem”. As grandes editoras, aquelas posicionadas no “centro”, muito raramente optam pelos autores do que poderíamos chamar de “cânone paralelo”. Elas não os consideram lucrativos, e menos ainda quando se trata de poesia. É por isso que, para contrariar a falta de fóruns e espaços de divulgação da obra de escritores não canônicos, toma forma este tipo de iniciativas, que vão desde editoras independentes a projetos editoriais que oferecem livros em formato eletrônico de acesso gratuito. Alguns argumentam a pouca distribuição que se consegue através de editoras independentes, sem levar em conta que são projetos que aparecem como alternativas que resistem aos ataques de uma indústria editorial regida por normas hegemônicas. Suponho que seja uma questão de consciência. A Coleção Livros Impossíveis aspira a uma distribuição mais eficiente, dado que é eletrônica e há probabilidade de maior alcance. Além disso, é uma forma de resistência, a partir de uma margem em que a criatividade, a solidariedade e a esperança são o que impulsiona esta colaboração entre as duas revistas.

FLORIANO MARTINS | O mercado editorial, no que diz respeito à poesia, sempre se alimentou do prestígio de seus autores, especialmente graças às premiações, devendo mais a eles do que ao contrário, como coerentemente deveria ser. Não acredito que a distribuição de livros afete esse mercado, porém se o fizesse seria uma boa tática de pelo menos equilibrar as forças. A Net tem hoje uma avalanche indiscriminada de pontos de venda virtuais, desde aqueles mais estáveis, ligados a instituições e aplicativos comerciais, até as ofertas aleatórias feitas em grande parte pelos autores. O próprio conceito de mercado editorial mudou muito, considerando a existência do serviço on demand de gráficas espalhadas por toda parte. Nossa ideia de criar uma coleção de acesso gratuito contempla a crescente impossibilidade de edição de vários livros, em termos comerciais, cuja leitura acaba sendo um indevido obstáculo.

ALEJANDRO VENTURA | Como os livros são definidos e produzidos?

JUANA M. RAMOS | Iniciamos a coleção com doze livros, alguns deles em busca de fórum para publicação, outros são reedições em formato eletrônico. A coleção cobre uma ampla variedade de gêneros literários, incluindo poesia, romance, teatro, ensaio e entrevista. Além disso, há uma peculiaridade que merece destaque: a inclusão de livros escritos em colaboração – a quatro mãos. Na produção dos livros, Floriano e eu trabalhamos em conjunto com o poeta, editor e designer gráfico costarriquenho Melvyn Aguilar, que também é webmaster da EntreTmas Revista Digital. Floriano prepara os textos nos formatos Word e PDF, e Melvyn é responsável pela diagramação dos livros. Uma vez dispostos, ela os envia para mim e, como editora, eu os reviso para ter certeza de que não há incompatibilidades ou outros problemas com a edição. Quando estão prontos, nós os carregamos em ambas as revistas para acesso gratuito.

FLORIANO MARTINS | O primeiro título de nosso catálogo é a porta de acesso à ideia da coleção, ou seja, um livro de prosa poética que escrevemos, Juana e eu, a quatro mãos. Definido o primeiro plano editorial, verifiquei o acervo da ARC Edições – o selo da Agulha Revista de Cultura –, aqueles livros que teimosamente se mantinham inéditos. Temos um catálogo recém-iniciado, com apenas 9 títulos. A partir de agosto devemos trabalhar em uma série de livros que já estão sendo revisados. Ao mesmo tempo estamos entrando em contato com vários autores, solicitando sua cumplicidade.

ALEJANDRO VENTURA | Até aqui, temos três idiomas publicados. O que pretendem com essa experiência multilíngue?

JUANA M. RAMOS | Esta coleção multilíngue visa promover a diversidade cultural e linguística, a inclusão e a igualdade, relevantes nas nossas sociedades multiculturais e multilíngues. Da mesma forma, promover o respeito pelas diferentes culturas e a compreensão do mundo que nos rodeia.

FLORIANO MARTINS | Percorrer todas as possibilidades de divulgação das obras literárias no que diz respeito a seu alcance. Logo teremos alguns livros em inglês. Nada impede que venham se somar outros idiomas, desde que justifique a preocupação central: expandir o ambiente de leitura de livros relevantes.

ALEJANDRO VENTURA | Querem falar de algo mais?

JUANA M. RAMOS | Só tenho a agradecer a Floriano Martins pela cumplicidade na amizade e na sinergia criada entre Agulha Revista de Cultura e EntreTmas Revista Digital. Esperamos continuar esta coleção com apostas mais diversificadas que representem plenamente a nossa experiência continental. Parece necessário incluir vozes que proporcionem uma perspectiva descolonizadora e que nos falem a partir das línguas dos povos originários para que o conceito de multilinguismo seja total. Obrigado mais uma vez, Alejandro, pela entrevista.

FLORIANO MARTINS | Sempre há algo mais a dizer. É o lado melhor da vida, ela não se esgota jamais. Esta é a nossa segunda conversa, Alejandro, sempre em face de novos projetos que vão surgindo. Que venham mais, projetos e conversas. Além da coleção um próximo passo que certamente daremos será o de ampliar a cumplicidade de nossas duas revistas, Juana e eu, talvez criando algum evento – a esfera virtual é muito rica nesse sentido – de leituras, vídeos, documentários etc. Seremos sempre maiores que o tempo.


Alejandro Ventura (México, 1986). Jornalista e viajante independente. Nasceu em Tuxtla e ainda jovem, após um período de retiro espiritual na região do Cañón del Sumidero, decidiu se tornar um viajante, buscando conhecer e entrevistar artistas, artesãos, escritores, de toda a imensidão americana, movido pela ideia de reunir todo esse material em um livro que pretende chamar de Rota Selvagem da Cultura. Atualmente mora em Piracuruca, no Piauí, em uma pequena casa alugada perto das áridas savanas do Brasil.

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