MEMÓRIAS & HISTÓRIAS DO UNDERGROUND BRASILEIRO

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Entrevista com Pedro de Luna por Patrícia Marcondes de Barros (professora e pesquisadora nas áreas de História (UNESP) e Literatura Marginal (UEL))

Pedro de Luna é escritor, jornalista e quadrinista. Formado em Comunicação Social pela Universidade Federal Fluminense, escreveu e publicou 16 livros, entre eles a biografia da banda Planet Hemp, por editoras como Belas-Letras e Marsupial.

Em 2004, criou em Niterói (RJ) o movimento Arariboia Rock, que em muito favoreceu a cena musical independente, incluindo um festival anual, realizado por dez anos consecutivos, alçado a patrimônio imaterial pela Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro.

Com o movimento, Niterói se transformou em um eixo de referência para o underground brasileiro em um momento de efervescência do rock nacional. Luna é biógrafo de artistas e grupos como o já citado Planet Hemp, Speed, Champignon, entre outros, encontrando-se também neste caminho, tendo em vista que foi parte integrante dessa cena como um grande entusiasta e mobilizador.

Nesta entrevista, nos conta sobre as histórias e memórias da cena underground brasileira a partir da era MTV às formas contemporâneas de se consumir música. Em outro momento da nossa conversa, ressalta sua inserção na literatura infantil junto às filhas no período de quarentena e por fim, revela-nos sobre seus projetos futuros. Luna estabelece através de suas obras, uma relação intrínseca com a arte da contestação como um valor de vida.

Itinerário das margens

Patrícia – Pedro, sua trajetória é marcada por obras que envolvem os movimentos do underground nas últimas décadas e que revelam também a sua importante participação nesta cena, a exemplo do movimento Arariboia Rock (2004), em Niterói, no Rio de Janeiro. Como se deu sua inserção neste meio e o que representou este movimento?

Pedro – Fui mordido pela mosquinha do underground ainda no segundo grau, começando a frequentar shows principalmente perto da praia, que tinha muito mais bandas cover do que autoral. Quando entrei na faculdade de Comunicação na UFF, em janeiro de 1993, teve greve nas universidades federais e nós naquele verão escaldante do Rio de Janeiro, em pleno janeiro! Todo mundo de férias na praia e a gente indo para a faculdade. Logo no primeiro mês de aula fui para a Rádio Fluminense FM, a “famosa maldita”, para realizar estágio.

Ali conheci muita gente, mais relacionada às bandas autorais, até que fui estagiar numa gravadora independente que se chamava Polvo Discos – Polvo mesmo, com tentáculos e tudo – e foi um grande aprendizado, a começar pelo nome. O (dono) Marcelo falava: “Eu sou brasileiro, porque vou ser Octopus Records?!” E desde dali adotei esta postura de valorizar os artistas nacionais e não ficar nesta ‘pagação’ para gringo.

E assim, foi ampliando cada vez mais a minha participação nesta cena com a produção de shows a campeonato de skate, também empresariando bandas e escrevendo muito. Escrevi primeiramente para fanzines e, depois, colaborando para jornais e revistas, até ter os meus próprios veículos.

Então muita coisa foi acontecendo, inclusive na minha primeira temporada em São Paulo. Quando voltei a morar em Niterói, em 2001, percebi que tinha uma cena muito efervescente novamente, algo que fazia tempo que não tinha visto. Nos anos 2000 já era outra galera, o ambiente estava completamente digital, as pessoas mandavam e-mail, tinha algumas páginas na internet e em redes sociais e a coisa estava mais dinâmica que uns dez anos antes, que ainda se mandava cartas e usava o telefone fixo.

Lembro-me de toda aquela cena efervescente, seguindo a máxima do Chico Science: “desorganizando eu posso me organizar” e vice-versa. Resolvemos então organizar aquelas bandas já que Niterói tinha um selo (ainda existe, mas na época era mais pujante), a Niterói Discos e a gente percebeu que existia um clientelismo.

As bandas que conseguiam gravar, tocar em shows como réveillon e coisas do tipo, eram pessoas que tinham alguma influência, pediam de forma particular e conseguiam. Então, indo na contramão, nos organizamos para ir em grupo e organizamos as bandas com o nome de movimento Arariboia Rock.

Nesse período inicial, chamamos de movimento e em todo o show os grupos colocavam nossa logomarca em flyers e no encarte dos CDs. Assim, mostramos a nossa força e união. Depois de alguns anos, virou Coletivo Arariboia Rock, algo que foi além de Niterói, abrangendo todo o leste fluminense.

Havia bandas de São Gonçalo, Itaboraí, Tanguá, enfim, todas as cidades do outro lado da Baía de Guanabara, no Leste Fluminense. Mas não contemplava a Região dos Lagos, nem a parte serrana do Rio. As bandas não tinham contrato de exclusividade, não havia nenhuma ingerência e tudo era feito pelo coletivo, de forma democrática.

Fazíamos reuniões praticamente semanais onde os próprios músicos decidiam quais eram as prioridades. Foi um coletivo muito legal, uma experiência que teve a duração de dez anos consecutivos, fizemos muitos shows, fanzines, um monte de coisa bacana e sempre no final do ano rolava um festival, onde aqueles que se destacavam durante o ano, tocavam.

Também tivemos a participação de outros artistas de outros lugares do Brasil e, numa das 10 edições, uma banda de Chicago chamada The Eternals. Enfim, daria um livro inteiro sobre o Arariboia Rock. O festival promovido pelo movimento virou um patrimônio imaterial do estado pela Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro.

Em 2014, quando mudei para Salvador, tentei fazer com que o movimento continuasse pelas mãos de músicos e produtores que participavam e absorveram aquele know-how, mas o movimento acabou. Ainda assim, conquistamos muita coisa e vale destacar que temos em Niterói um dia municipal do rock. É uma lei que conseguimos através de um vereador, mas que infelizmente não é mais comemorado, nem levado muito em conta, até por questões político partidárias de pessoas que estão ali no poder há muito tempo.

Acervo Pedro Luna

Patrícia – Ainda sobre este momento inicial da sua trajetória como escritor surge o Niterói Rock Underground 1990-2010 (2011) que é um livro de suas memórias sobre a cena do skate, do surf e do rock, em um período de chegada da MTV no Brasil e de movimentações da cena independente brasileira. Conte-nos sobre seu processo autobiográfico neste livro, de como suas experiências individuais se entrelaçam com parte da juventude que viveu este momento de inovações tecnológicas criando novas formas relacionais com a música.

Pedro – O livro Niterói Rock Underground foi uma consequência desse trabalho com o Arariboia Rock. O movimento começou em 2004 e, quando chegamos em 2010, já tinha um acumulado de coisas acontecendo ali e percebi que precisava registrar isso em algum suporte, que poderia ter sido um documentário? Poderia, mas achei mais fácil ser um livro porque já escrevia bastante e tenho um acervo pessoal muito grande desde 1990 quando comecei a escrever em fanzines, sites, jornais e revistas.

Mesmo depois, como colaborador para veículos maiores, sempre guardei tudo que recebia. Guardei adesivos, fotografias em papel, releases que tenho até hoje. Além, é claro, de comprar muita revista. Quando olhei em volta, notei que não tinha um livro que contasse sobre a cena independente musical do Rio de Janeiro e, como você mesmo colocou na pergunta, sobre a própria juventude. A MTV foi um marco quando chegou ao Brasil em 1990 por inúmeros motivos, confesso que não era muito assíduo do canal porque em seu início veiculava mais conteúdo estrangeiro do que nacional.

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Mas foi muito importante para desenvolver o audiovisual e em especial o mercado de videoclipes, porque até então as gravadoras não faziam os clipes, investiam na música de trabalho apenas para o rádio. Os únicos que produziam videoclipes eram basicamente o programa Fantástico que fazia, por exemplo, o clipe da Legião Urbana e veiculava uma única vez. Olha que absurdo, produzir o clipe para passar uma única vez! Nem se sonhava em ter YouTube.

Quando veio a MTV, passou a se justificar a banda realizar uma versão em audiovisual da música que se tocava no rádio e aí obviamente não só para MTV, mas para os inúmeros programas jovens ou mesmo programas de videoclipe que foram surgindo tanto na TV aberta quanto à cabo.

No meu livro Niterói Rock Underground como ele bem diz no subtítulo, a fase analisada é de 1990 a 2010 – “vinte anos de transformações marcantes”. Na verdade, o livro de 240 páginas faz um resumo, não dá para se aprofundar tanto. Mas é sobre a minha ótica, com as minhas lembranças, a partir de um cara que não está na capital, Rio de Janeiro, observando todas essas mudanças que aconteceram em duas décadas.

As mais visíveis são as tecnológicas, mas houveram muitas outras como as financeiras. Você pode pegar qualquer banda dos anos 1990 que eles viajavam de ônibus para fazer shows. Já nos anos 2000, conseguiam viajar de avião, houve uma democratização grande neste aspecto.

Houve também uma questão sociológica dessa interação entre artista e público, uma mudança muito importante, porque até então era mais intransponível, você ficava refém do que era divulgado nas gravadoras em conluio com a imprensa.

E a partir dos anos 2000, quando se tem uma transparência maior dos artistas fazendo postagens, usando suas redes sociais, começa-se a entrar mais na intimidade do artista e eles também respondem diretamente as mensagens – sem o filtro do empresário ou assessor de imprensa. Então essa é uma das várias mudanças que aconteceram nestes vinte anos.

Acervo Pedro Luna

Patrícia – Marcelo D2, Speed e Champignon, entre outras personalidades importantes no cenário musical foram objeto de sua pesquisa dentro do gênero biográfico. Como se deu este processo de construção das obras e a escolha dos artistas para biografar?

Pedro – Um livro vai puxando o outro. Então, desde o primeiro livro, o Niterói Rock Underground, já surgiram interesses em cenas, assuntos e artistas. Conforme você vai fazendo outros livros, vão surgindo novos interesses. É o que aconteceu quando estava fazendo o Brodagens, livro que gosto muito. Este livro me deu vários insights interessantes, quando percebi que o Gilber T foi o cara que ensinou o Speed a tocar ao se conhecerem no colégio.

O Speed percebeu que ‘quem tocava violão não apanhava’ e tinha prestígio nas rodinhas, então o Gilber que estava intrinsecamente relacionado a ele e também ao Planet Hemp (porque a banda que ele teve nos anos 1990, na época, chamada Tornado, fazia parte da Hemp Family que se encontrava no bairro de Santa Teresa, no estúdio Totem, do qual fazia parte também Chico Science e a Nação Zumbi. Planet Hemp, Black Alien e Speed, o Rappa, Squaws entre outros grupos), tinham em comum o gosto pelo rap, pelos quadrinhos, pela cultura alternativa que por afinidade, unia todo mundo. Percebi então que o Gilber T me apontou novos caminhos depois do livro Brodagens.

Comecei então a fazer as pesquisas e entrevistas com o Planet Hemp e, em paralelo, um grande fã do Speed, que entrevistei para o Brodagens, já tinha também cantado a ideia de fazermos um livro sobre o Speed. Aproveitei o processo de pesquisa, sobretudo as entrevistas para a biografia Mantenha o Respeito, fazendo também uma ou duas perguntas sobre o Speed.

Então conseguia em uma única tacada, juntar material para dois livros diferentes, ainda que o do Planet Hemp tivesse uma dimensão maior, saindo pela Editora Belas Letras.  É um livro que se vende em livrarias, disponível no formato e-book na Amazon, em audiolivro pela Storytel, inclusive narrado por mim.

Por ter uma editora de mercado por trás, teve visibilidade maior. O do Speed, não, foi um projeto totalmente independente feito por crowdfunding, onde o recurso captado na venda antecipada pagou apenas os custos. Teve remuneração só quando a gente foi para a rua fazer o lançamento. Então foi uma volta ao processo underground de se fazer, como aconteceu em Niterói Rock Underground, Brodagens, e em outro livro meu que gosto muito, chamado coLUNAs.

Tudo isso aconteceu em um espaço de tempo muito curto.  Brodagens, Planet Hemp e Speed foram lançados um após o outro. O livro do Champignon saiu em setembro de 2022, mas era para ter saído em 2021, só que não consegui bater a meta do crowdfunding – porque é isso, fazer um projeto sem uma editora por trás, na cara e coragem, às vezes é até injusto, não acontece do jeito que você gostaria e tem que adiar o lançamento. Mas isso me fez ver o lado bom porque permitiu editar mais, deixar o livro mais enxuto.

O livro do Champignon vai além da história incrível de amizade dele com o Chorão: os dois se conheceram quando um tinha 12 anos e o outro 20, e ambos morreram em 2013 num intervalo de seis meses, mas claro que não é só sobre isso, conta muito mais coisas. É um livro onde eu consegui falar um pouco de saúde mental, da depressão e do suicídio, então me permitiu também abrir outros campos de interesse. Foi produzido através de crowdfunding, doando parte das vendas para o Centro de Valorização da Vida (CVV).

Então o Champignon me deu este insight de doar uma porcentagem, ainda que pequena, para uma causa que tem a ver com aquela obra. No caso do livro do Planet Hemp, se eu tivesse pensado nisso à época, a doação seria para uma entidade que trabalhe com a extração de óleo de cannabis medicinal, por exemplo. Mas, enfim, são sempre planos e cada livro vai trazendo um aprendizado que a gente vai acumulando para os próximos.

BIOGRAFIAS CONTROVERSAS

Patrícia – Em um bate papo informal você revelou a importância do entorno, das memórias das pessoas que acabam perpassando a sua própria em relação ao biografado, adquirindo novos sentidos que são atribuídos no atual contexto. Quais são os alcances e desafios que o gênero “biografia” trouxe para você na tessitura da obra? Enfrentou algum tipo de censura de algum artista biografado ou de familiares?

Pedro – Depois do caso do episódio do Roberto Carlos com sua biografia realizada por Paulo César Araújo, ninguém pode censurar, mas costumo dizer que quando faço um livro gostaria que ele fosse consentido. Porque “o autorizado” significa que o biografado ou o empresário vai ler e editar aquilo que quer.

No livro do Planet Hemp tive a princípio uma indisposição com o então empresário da banda que achou justamente que sairia só o que ele quisesse. O Planet Hemp é um ícone da liberdade de expressão e na biografia saiu a verdade, nua e crua, daí me parece que ele não gostou do que leu a seu respeito, das revelações, mas são águas passadas.

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Agora falando deste último livro, o do Champignon, aconteceu sim, de ex-integrantes não quererem dar entrevistas para o livro, cada um por seu motivo, e da primeira mulher do Champignon que pediu para nem ela e a filha falarem. Não digo que é uma censura, mas sim um direito que se tem de não querer participar da obra. Isso aconteceu também no livro do Speed: a mulher com quem ele teve uma filha pediu para não ser citada e não dar entrevista e nem falar dessa filha. Então, o máximo que a gente conta sobre ela no livro, que não tem como não falar porque é público, é que quando Speed lançou o seu primeiro CD prensado, tem uma música com o nome da filha, mas é só isso. Sempre respeitamos muito. Não fazemos livros para trazer coisas negativas para si ou para o biografado, ou como revanchismo, pelo menos não conheço ninguém que tenha feito isso com este sentimento.

O meu sentimento ao fazer qualquer biografia é principalmente de homenagem, compartilhando a história daquela pessoa, banda ou evento com mais pessoas, com mais leitores, com mais fãs. É uma forma de trazer mais informações, revelar coisas que até então não foram ditas, como no caso da saída dos integrantes do grupo Charlie Brown Jr em 2005, deixando o Chorão sozinho, cujo motivo nunca tinha sido publicado em lugar nenhum.

Eu achava que era uma das coisas importantes a descobrir, porque daí vem o lado jornalista, então tem um monte de coisas que acho importante para a biografia não ficar ‘chapa branca’, uma grande Wikipedia. Então tem que trazer coisas interessantes, inéditas, senão o livro não tem atrativos. Mas acho que o meu melhor livro é mesmo Planet Hemp Mantenha o Respeito porque justamente consegui entrevistar todo mundo – integrantes, ex-integrantes, equipe técnica, fãs, empresários – e construí uma narrativa onde todos os leitores parecem que estão ali com a banda, seja no palco, no ônibus, no hotel, no camarim, no estúdio. Mas cada livro é uma aventura diferente.

ATUALIDADES

Patrícia- Mudando a prosa de nossa conversa, o que anda escutando ultimamente? Quais artistas estão chamando a sua atenção no momento? Dentro da cultura de mídia, encontramos raridades na internet.

Pedro – Acho esta pergunta muito interessante, porque sempre me dediquei aos artistas novos e tenho ouvido pouquíssimos. Para começar, porque não gosto de ouvir as músicas nas plataformas de streaming, não é algo que faz parte do meu hábito. Cresci ouvindo música coletivamente, em volume alto, principalmente quando era algo que você conquistava: uma fita demo, um CD independente que você sabe que está rolando ali na boca miúda que é até pop no sentido descartável que hoje todo mundo escuta, mas mês que vem, não mais.

Então, por incrível que pareça, hoje escuto menos música do que em qualquer outro momento da minha vida. Isso acabou acontecendo também porque tive duas filhas neste intervalo, uma tem 13 e a outra tem 6 anos, então com crianças em casa você acaba não ouvindo música nas alturas, como  gosto de ouvir, e não sou fã de fone de ouvido – ao contrário, me incomoda muito quando as pessoas colocam os fones de ouvido e entram no seu mundo e vão andando com os olhos grudados no celular, cada uma no seu casulo, esbarrando em você, empacando a sua frente…

Acho que isso tem a ver com cidadania, com empatia, cada um com sua persona, com o seu, cada vez mais a coisa é menos fluida coletivamente e isso me deixa muito desgostoso, sem vontade de ouvir coisa nova. E, mais do que isso, porque para ouvir bandas novas também tem aquela coisa de construir alguma coisa com aquela banda que você entrou em contato, viu no show, na MTV, trocou mensagens e recebeu o material.

É todo um processo de namoro, você escuta o material, responde para ele ou faz uma crítica e aí vai vendo o show, conhecendo os integrantes e assim vai se construindo de fato uma relação. Acho que a revolução do digital traz uma ilusão da facilidade, só que para mim demonstra uma impessoalidade tremenda do ganhar tempo, fazer mais com menos. Daí você vê nas postagens: “Fala aí galera!” Você está mais interessado em dar tiros de canhão do que conhecer cada um de seus fãs, saber quem ele é, do que gosta e responder com uma mensagem realmente personalizada.

Vim da época de cartas, eu tive caixa postal por uma década e agora, dez anos depois, tenho de novo uma caixa postal para tentar construir esta relação. Talvez por isso que quando a gente conversa com uma galera dos anos 1980 e 1990 sobre a cena underground que foi pujante no Brasil, você repara que existe uma amizade muito sólida.

Tem gente que é muito amigo e até hoje não se encontrou pessoalmente porque moram longe, mas já podem fazer vídeo chamadas e outras coisas. Mas ainda assim, estabelecer uma solidez no relacionamento é o que falta hoje. A internet e toda a tecnologia trazem facilidades e, também, muita impessoalidade. E aí para mim não tem graça, não quero ser uma pessoa de uso descartável. “Ah você consegue um show?”, “Ah você escreve sobre mim?”, “Ah não?! Então não serve”.

Acervo Pedro Luna

Patrícia – Do underground para a literatura infantil, me conte sobre como se deu a entrada neste tipo de literatura. Os livros foram criados por você e suas filhas no ano pandêmico de 2020, como foi este processo? 

Pedro – É muito legal isso! A questão de ter aberto uma editora aconteceu depois de ter lançado o primeiro livro Niterói Rock Underground (2011) e a biografia Marcatti – tinta, suor e suco gástrico (2015). Me mudei de Niterói para Salvador em 2014 e vim morar novamente em São Paulo em 2015, onde ainda estou. Antes, morei de 1998 a 2002. E nesta segunda fase em São Paulo, minha filha que morava em Niterói veio passar as férias comigo e eu já sabia que não queria trabalhar mais em ambiente corporativo.

Percebia também que o jornalismo ia ladeira abaixo, apesar de ter escrito várias matérias em São Paulo. Colaborei com a editora e revista Trip, tinha uma coluna na revista Tribo Skate, linda, impressa, mensal, então ainda tentava fazer coisas no jornalismo, mas já entendendo que o jornal em termos atuais, iria para a gaiola do passarinho amanhã.

Assim, voltei à questão dos livros, pois queria ser escritor. Sei que é difícil, assim como os quadrinhos que faço desde pequeno. Em São Paulo estou tentando viver de livros, sejam os meus ou dos outros, prestando serviços. Então, nesse ano de 2015 quando a Lívia foi passar uns dias comigo em São Paulo, na tentativa de entreter ela, falei: “vamos fazer um livro juntos?” Daí eu desenhava em um papel e ela em outro.

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Surgiu assim, o primeiro livrinho que é “Acampando com os animais”. Montei uma editora para a gente ter um ISBN, mas não era só para editar livros infantis ou desenhados, queria também fazer livros mais densos com todo aquele acumulado, com todas as experiências e foi o que fui fazendo.

Escrevi a biografia do Chico Alencar e do pintor angolano Filipe Salvador, fiz o livro do festival Porão do Rock, de Brasília, e quando veio a pandemia, resolvemos fazer mais livros com as crianças. E agora também com a minha segunda filha, foi uma experiência muito interessante.

Elas não fizeram juntas ainda nenhum livro, falta fazer isso, um livro a três, mas com a Julia, fiz os dois livros da série O dragão e a formiguinha corajosa. Este foi um processo muito legal pois eu a colocava para dormir e a gente ia recapitulando e construindo cada vez mais a história, num processo muito gostoso de pai e filha.

Ela não desenhou, pois, a Juju era muito pequenininha, então a sua colaboração foi dizendo quem eram os personagens, o que eles fariam e como sairiam de uma situação. Com a Lívia, fiz o Acampando com os animais e os Jogos Animais. Em janeiro de 2022, lançamos A menina que rima, o nosso livro mais legal até agora.

Este, sim, desenhamos na mesma página! Então tinha uma situação em que a Marina, “a menina que rima” e que só fala rimando, está sentada diante do computador. Aí eu desenhei o cenário e a Lívia desenhou a Marina, por exemplo. Desenhamos juntos, nas mesmas páginas. E agora, para 2023, vamos fazer mais um livro d´O dragão e a formiguinha que vai ser bem legal também, a história está toda pronta, falta só ilustrar e espero que a gente consiga fazer o livro a seis mãos. Eu e as minhas duas filhas, juntos no mesmo livro.

NOVOS PROJETOS

Patrícia – Pedro, quais são seus projetos futuros?

Pedro – Além dos livros infantis, que são mais pelo prazer do que por interesse comercial, tenho vários projetos que estão seguindo para a captação de recursos. Cheguei em um ponto de ter 16 livros publicados, alguns a quatro mãos, alguns são contribuições também, mas não quero e não posso mais me dedicar por um ou dois anos – que é o tempo que leva para produzir uma boa biografia, um bom livro – sem nenhuma remuneração, porque costumo entrar em um processo de pesquisar e escrever todos os dias.

Eu vou dormir e acordo pensando na história e isso absorve muito tempo e dinheiro, porque você tem que comprar coisas, viajar, fazer os deslocamentos para realizar pesquisa e/ou entrevista… Então tudo é custo, seja de tempo ou de grana mesmo.

Agora eu quero começar a criar os livros com os recursos desde o início. Que seja um livro que comece já sendo remunerado ainda que não a altura do que deveria, mas pelo menos com um mínimo para me permitir mergulhar naquele processo, por inteiro, sem interrupções, porque percebo que uma das coisas que atrapalham muito os autores é isso, as pausas, a intermitência.

Ele está ali no processo de criação e tem que parar e pegar um freela e fica uma semana, às vezes um mês trabalhando em outra coisa para, depois, retomar o fio da meada de onde parou e isso quebra todo seu flow, quebra seu fluxo de raciocínio, de pensamento.

Então sim, tem uns projetos aí em vista, um deles é a biografia da banda Pavilhão 9 que a gente conversa desde 2018, entre outros motivos porque não se tem muitos livros de rap no Brasil, muito menos biografias. O Racionais MCs, por exemplo, que ganhou um documentário na Netflix, não tem uma biografia.

O livro que existe – Sobrevivendo no inferno (2018) -, de caráter acadêmico sobre este álbum, não é uma biografia da banda. Existe uma biografia do RZO, do Sabotage, mesmo assim é muito pouco, imagina, não tem do Racionais, não tem do Pavilhão 9, não tem nada sobre o Emicida, o Gabriel, o Pensador, só para dizer alguns nomes.

Até dos mais populares, nem mesmo o Criolo que virou mainstream. Não temos biografias sobre os artistas do rap e o Pavilhão junta as duas coisas, o rap e os anos 1990, porque são contemporâneos do Planet Hemp. É até curioso, quando eles se conheceram no show do Planet Hemp em São Paulo, bem no início e falaram: “Olha que da hora: rap com rock e com banda”. Porque até então o Pavilhão era aquela formação tradicional, de MCs e DJ.

Só em 1997 que virou uma banda. Mas também tem a mística da máscara, de não mostrar o rosto desde o início. Eles usavam gorro, máscaras e lenços e tudo para não mostrar o rosto e daí alguns integrantes originais foram saindo, ficando só o Rhossi. Ele só revelou seu rosto dez anos depois num show no Rock in Rio, em 2001. Então tem várias coisas interessantes para falar sobre eles. Também tem um pré-acordo com o Fred, baterista dos Raimundos para fazer a biografia dele que de certa forma também contaria a história da banda. Mas como houve recentemente o falecimento do baixista, o Canisso, não sei se retomaremos este processo pois tem sido muito doloroso pro Fred falar da sua ex-banda.

Tem também a biografia de um jogador de futebol que fez sucesso nos anos 1980. Esta ideia não partiu de mim, mas de um amigo, mas todos eles estão indo para a rua com um projeto de captação. Agora, por prazer pessoal, além dos infantis, tem também a ideia de se fazer um livro autoral, com tirinhas, com minhas histórias em quadrinhos. Falta isso na minha biografia, um livro autoral que não conte as histórias dos outros, que eu esteja nesta história, falando de mim, sobre o que penso, quais são os meus valores e tudo mais.

Livros lançados pelo Pedro de Luna até o momento:

O dragão e a formiguinha corajosa salvam a floresta (Ilustre Editora, 2021)

Jogos Animais e O Dragão e a Formiguinha Corajosa (Ilustre Editora, 2020)

https://www.facebook.com/colecaoconteumahistoria

www.instagram.com/colecaoconteumahistoria

Eu sou assim. Eu sou Speed (Ilustre Editora, 2019)

https://www.facebook.com/speedvive/

www.speedvive.com

Planet Hemp: mantenha o respeito (Belas-Letras Editora, 2018)

www.facebook.com/biografiaplanethemp

Histórias do Porão (Ilustre Editora, 2018)

www.facebook.com/historiasdoporao

“coLUNAs – 20 anos de cultura alternativa na cena do Rio de Janeiro” (Ilustre Editora, 2017)

www.facebook.com/nomundodoLUNA/

Chico Alencar – caminhos de um aprendiz (Ilustre Editora, 2017).

www.facebook.com/biografiachicoalencar

Filipe Salvador: a cultura de Angola no Brasil (Ilustre Editora, 2017)

www.facebook.com/pintorfilipesalvador/

Brodagens – Gilber T e as histórias do rap e do rock carioca (Ilustre Editora, 2016)

www.facebook.com/brodagens/

Acampando com os animais (Ilustre Editora, 2015)

www.facebook.com/acampandocomosanimais/

Marcatti – Tinta, suor e suco gástrico (Marsupial Editora, 2014)

www.facebook.com/biografiadomarcatti

Niterói Rock Underground 1990-2010 (Independente, 2011)

https://www.facebook.com/niteroirockunderground/

http://niteroirockunderground.blogspot.com.br/

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