Por Ana Paula Dacota
A Galeria Labyrinthus apresenta “SERIGRAFIAS: o corpomúltiplo, esse espaço onde o desejo se move”. A nova exposição de Andre Araujo traz gravuras, permeadas por temas como corpo, erotismo, sexualidade, política, violência e morte. Em seu radar temos referências diversas da literatura e da música. Os trabalhos propõem narrativas fragmentadas, apresentadas num fluxo de consciência que convoca o público a refletir sobre a banalidade do mal, as limitações ou excessos que o mundo impõe, com os traços descontínuos, num jogo que concebe e comunica signos que refletem a universalidade que circunda o inconsciente coletivo. Se a continuidade anestesia o olho, o olhar, aqui temos pigmentos, texturas e técnicas que o acordam, que o instigam, que o fazem vibrar.
“Minha alegria de viver situa-se nesse nível: desafiar a morte com um fogo de artifício da vida” — Salvador Dali. Ele utilizava o método paranoico-crítico associando a paranoia clássica à crítica dura; o viscoso ao cortante. Como não enxergar nesta exposição de Andre Araujoum deslizamento para a ampliação deste conceito, cujo autor, em sua época, só contava com os embriões vaticinados do desejo definido por Freud e que se ancorou nos primeiros escritos de Lacan para lançar as bases do movimento surrealista.
Em o corpomúltiplo, esse espaço onde o desejo se move temos uma arte que desfigura o desejo aos moldes de Deleuze e Guattari, trazendo para a arte uma “esquizofrenização” que encarna o excesso. Podemos ver que os trabalhos em exibição revelam o uso de tropos em série, como árvores, caveiras, animais e figuras humanas para explorar os limites entre abstração e figuração na gravura. Essas experiências são evidentes em seu uso recorrente de gestos e fragmentações em seres humanos. Podemos ver imagens de rostos e mãos humanos expressivos em posições muitas vezes eróticas, em cores e configurações básicas. Os três acordes. Da mesma forma, um grupo de gravuras mostra formas humanas distorcidas e quase esqueléticas, unificadas em partes com diferentes ângulos e posições. Assim como os fragmentos são colocados em cena, ressignificando o erotismo, poetizando o obsceno, que no caso, seria o fascismo, a pobreza, produtos de um capitalismo que fragmenta cada vez mais a sociedade; paralelamente pode-se observar o caminho inverso, algo que subverte obscenizando aquilo que deveria trazer excitação sexual, como, por exemplo, a palavra “suástica” ao lado de um corpo nu. A repetição no motivo é ofuscada a cada investida entre diferentes composições.
A imagem do corpo está vinculada não ao medo da morte — mas sim à angústia de viver, do corpo exposto a um existir doído e injusto. O medo também se reflete nesses corpos representados pelo artista. Um medo contemporâneo, um medo da opressão e da violência vivida em tempos onde o homem subjuga o próprio homem, no entanto, caminhando para uma era onde talvez todos sejamos subjugados pelas máquinas, pelo despertar da consciência de uma inteligência cujos propósitos são completamente desconhecidos.
A exposição conta com um forte viés intermidiático: o expectador, além de desfrutar das gravuras na parede, também pode, com o seu celular, conhecer outras dimensões como NFTs e Realidade Aumentada. Andre promove novas leituras, novos olhares e novas significações de imagens tão caras para o artista e para o espectador que por elas é atravessado. Conforme a “Monadologia de Leibiniz”, “onde não há partes, não há extensão, nem figura, nem divisibilidade possíveis. E tais Mônadas são os verdadeiros Átomos da Natureza e, em uma palavra, os Elementos das coisas”. O princípio da holografia define que o olho só precisaria de um fragmento de holograma para reconstituir a imagem contida num holograma inteiro. Em bits o espectador pode acessar essa arte embebida também numa filosofia que encontra sua aplicabilidade nos terrenos da Indústria 4.0.
Temos então Andre Araujo nos atravessando mais uma vez com sua arte pulsante e perturbadora, adentrando o uso das novas tecnologias e sugerindo aos visitantes desenvolver infinitas interpretações ao acumular fragmentos. Cacos de um grande vitral pós-moderno, apresentado em conjunto, a exposição é única em seu foco na Serigrafia, uma faceta das mais dedicadas e que aqui se destaca na carreira deste artista.