Wender Montenegro 1980. Nasceu em Trairi / CE. Publicou Arestas (2008) e Casca de Nós (2012).
Poema-fogo Para Herberto Helder
Impossível ver seu rosto de homem
pentecostes na voz em meio à sarça ardente
seiva bruta na saliva que irriga lavouras
de poemas e ostras e algas
do mar da madeira. ilha de mistérios
onda a levedar no pão de cada lua
ofício cantante em harpa de ouro e trigo
louros ressequidos pelo sol selvagem
de seu autoexílio.
Impossível ver seu rosto em bronze
diamante polido pela mão de um anjo
a gritar: – ó zona de baixeza humana!
mítico maldito em estado selvagem
o olhar varado pela flecha de prata
do menino-bardo;
cordão um bilical atado a tudo
que o tempo lavrou em vil caligrafia:
fogueira e monturo no buço da noite
cabelos de plantas descendo os adobes
ressaibos de dores nos poros do amor
explosão do átimo de deus
lavas de dragão incinerando a página
vulcão regurgitando na própria entranha
escarrando pro céu o cuspe de sua alma.
Impossível não ler Herberto em chamas.
Mea Culpa ou Profissão de Fé
Semear poeiras e andrajos de esperas
Dissecar os ossos das metáforas
Acender espantalhos no amarelo das espigas.
Decantar o silêncio que sustenta o cais
Ostentar um colar de metonímias
Despir a voz da louca, cuja febre anuncia
Um evangelho apócrifo.
Caminhar sob pedras como por milagre
Ouvir a foz rouca dos rios da infância
Borrifar no azul as flores no arco-íris.
Pintar um verão vazio de andorinhas
Se encharcar de sol e devaneios
Hastear um lenço sujo de saudade
ajustar os ponteiros na cópula dos pardais.