.3 Poemas de Dyl Pires

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Dyl Pires, poeta e ator (Cia de Teatro Os Satyros). Tem publicado os livros: O Círculo das Pálpebras (Func) e O Perdedor de Tempo (Pitomba). Os poemas na Acrobata pertencem à obra O Torcedor, que será lançada agora em 2014.


Outdoor

recupero a vida
na caixa de entrada do celular
mas percebo que os chinelos
debaixo da cama ficaram de fora
utilizo a passagem subterrânea da Consolação
como quem brinca de esconde-esconde
retorno à velocidade das coisas como uma máquina de lavar
abandonada na porta do cemitério
respeito muito as pessoas
que lidam mal consigo mesmas
pois tocam a origem e o fim da vida o tempo inteiro
um dia os arqueólogos se debruçarão
sobre a memória de um domingo
e assistirão crianças bicicletas cachorros homens e mulheres
se divertindo numa sessão de cinema 5D
e verão por trás dos óculos escuros
um Caps Lock pedido de socorro


Cais

os navios estavam ali
parados com uma ternura de coisa vivida em segredo
a tarde nos olhos enrugava alguma lembrança
conversávamos sobre a chuva
sobre como ela altera o sentido de urgência das coisas
as rasas fatias da vida
os silêncios partilhados


O museu das coisas que se disse ao longo da vida inteira é o futuro

escrevo comentários em blogs de autores mortos
dentro do estojo de óculos dela tem um patuá de santa clara
com os textos que trago tatuados no corpo
tenho como ambição alfabetizar os vermes do andar debaixo
possuo alguns mimos: árvores batizadas de delicadeza perdida
um sofá-cama preguiçoso chamado gatinho
e o tempo parado no relógio da Igreja do Carmo
o museu das coisas que se disse ao longo da vida inteira é o futuro
daqui a cem anos meus poemas vão virar receita culinária
na Feira da Praia Grande e os de Jorgeane horóscopo do dia
uma vez fiquei com o ouvido ausente
e os últimos sons que permaneceram
foram o barulho de pedreiros em obra
a zoada da enceradeira no corredor do prédio
e o ruído da máquina de lavar aqui de casa
fiquei encantado com o que chamei de epifania
das coisas de fato vocacionadas para a vida
e visto que a vida é breve e por vezes brevíssima
talvez sua maior invenção seja a repetição
pergunto-me sempre o que é uma pessoa que não atende mais a um psiu!
hospital, travessia e cemitério
cada um faz o que pode pra fugir dos extremos
cada um faz o que pode pra batizar de alegria o seu mais belo fracasso

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