.3 Poemas de Jorge Vicente

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Jorge Vicente, Lisboa/Portugal. Mestre em Ciências Documentais, tem poemas publicados em diversas antologias literárias e revistas. Faz parte da direcção editorial da revista online Incomunidade e em 4 livros publicados.


2.
a língua lembra e purifica. mas não diz dos orgasmos, da pequena sombra plantada junto à árvore branca. não diz do corpo quando se toma de decadência e horror ao esplendor. não diz dos silêncios que não são silêncios. [debaixo da raíz, apenas fico eu e um enorme deserto vermelho]. a língua não diz da semente e da grande voz que alcança. do inverno, da ânsia das flores, do pecado que aberto é à vida e ao desarranjo dos olhos. a língua não pode suportar pernas, braços, sexo, liberdade de sentir e entregar-se ao chão. a língua abre-se e encolhe, escolhe as vontades, escolhe as sílabas certas, o modo único de dizer o nomeado.

o inominado tem um pecado único: não suporta a fala e diz que o poema é uma cobra gigante, plantada na base do sexo. o resto são as pernas e o que fica entregue no acto da raíz.

3.
é porque o corpo
na sua luminosidade vegetal
abre um contínuo de formas e
crepúsculos,

é porque os dedos,
singrantes no desejo solar,
se abrem e se fecham
num ritmo de flores,

é porque braços, pernas,
sexo aberto ao mundo,
se despenham
numa fundura de versos,

é porque não há linguagem
e porque temos a voz
dos cometas

que nunca nada termina

[nem o corpo
no infausto desejo da nespereira].

4.
nada existe mais glorioso
que derramar sangue em
estado de graça:

assumirmos que somos aquilo
que deus nos fez. seres de
terra. e não de fogo.
com mãos que crescem
e que sentem prazer. com
dedos que esfolam e que
vomitam debaixo de um poema.

existe sempre um grito,
um grito claro e de voz acesa,
que exalta e assume a morte –
a morte que é nossa e dos outros,

e de quem ousar entrar no domínio
dos nossos olhos.

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