.3 Poemas de Mariana Basílio

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Mariana Basílio Bauru/SP, 1989. Escritora, poeta e tradutora. Mestre em Educação (Unesp). Autora dos livros de poesia “Nepente” (2015) e “Sombras & Luzes” (2016), foi contemplada como apoio ProAC do Governo de São Paulo (2017), publicando o poema longo “Tríptico Vital” (Patuá, 2018). O projeto também foi finalista da Residência Literária do Sesc (2018). Site para contato: www.marianabasilio.com.br


Ao Despertar de uma Lucidez Tamanha

Ao despertar de uma lucidez tamanha.
Ao despertar dos sonhos de crescimento.
Uma imagem se amplia na garganta,
Descobrindo nas coisas consentimento.

As coisas, que não são feitas pela garganta.
As coisas, que se movem conforme o tempo.
No mundo que coordena o fundo das vozes.
Quando os nós, em nós, se desenrolam
Conforme o dia se agita, constantemente.

A calar a força dos timbres: as coisas.
Sobre nossas cabeças trêmulas se adiantam.
Um colapso, um ardor, frêmito, face a face,
Entre a pétala rasgada de lucidez e o que veremos.
Veias pulsando na maciez dos instantes.
E o destino a destruir novamente. Pisando
Forte e descompassado, em pessoas diferentes.

Quando o palpitar dos sons impulsionam
Os pulsos, pulando azuis nas órbitas da pele.
Quando ainda vivos, ardentemente, vagamos
No presente a congelar o passado nos olhos.
Quando ainda imaginávamos dias melhores.

A verdade não existe. Ouve o que te digo.
Somente uma força oculta nas coisas.
As coisas em si, sem nenhum segredo.

O máximo a se provar é o pesar das veias.
O máximo a dizer é o moldar das velas, e
A noite que segue na procissão de nossos peitos.
Se aproxima do sol, contínuo, pelos rios
Que inundam a pele dos corpos.
O céu é quem os recebe.
Durante os sonos e as orações.

Porque há a ilusão, então nos
Afundamos, contentes.
Porque há a distração, e
Escorremos, cadentes.

Assim nos aproximamos: humanidade, cabelos,
Peixes e automóveis. Em plena poluição e
Digressão de sentimentos.
Pois dos deuses nada mais esperamos – eles,
Que não nos encontrarão.
Eles que não suportariam os becos e
Os crimes inadiados. Eles que nunca
Puderam provar os nós da garganta.

Desperto, finalmente.
A morbidez cessa o batimento.
Invado assim tua privacidade
E o silêncio atual.
Invado a mentira para
Saciar a falsa verdade que
Tanto procuramos provar:
Somos nós que escolhemos?

A garganta. A imagem. A voz. Tudo é procedente?
Descobrir a potência. Descobrir o corpo. Manivelas.
Despertar ausente, em desassossego.
“Para onde irás?” Dirão. Acalmando o espanto
Que pulsa corrente dentro das veias.

Junto as mãos. Lado a lado. Os pulsos
Revelam um buraco ao meio, na
Luz de tudo por entre as coisas.

Porque não nos inserimos nas coisas.
As coisas são o nosso grito de misericórdia.
As ruas o nosso mundo, perpendicular.
Porque as coisas são a vivência que possuímos.
O único mistério provado e usual de existência.

No despertar de um novo amanhecer.
As coisas. As horas. Os pulsos.
O irremediável suportar da vida,
Entre a voz e o silêncio.


XXIX
(Do livro, Sombras & Luzes)

Eu sei que toco o firmamento
eu sei que toco os dedos da noite
eu sei que toco o que te prende
a um cometa desvairado
quando toco o último fado
a ser feito –
como um animal que morre
a cada novo grito do alvorecer.
Renasço neste instante.

Eu sei que é tarde quando se é cedo,
beijando-te a carne mole, a carne
que fede do ânus aos olhos
de um avestruz
por
tua
sombra,
que se recobre do pó estelar
de espadaúdos aguilhões.

Abraço-te as ferrugens, grudo
in natura e tua pele enrugada
se estica durante a tarde, se estica
e me come a consumir os miolos
do pensamento que me enlaça –
como uvas-passas estilhaçadas
nas fronteiras da qualidade
imoral (moralíssima) de fatos,
dos frutos de bocas pardais.

E eu sei que é cedo quando se é tarde,
porque toco-te as beiradas da voz, e
há um cuspe que te salta os olhos –
medonhos de medo – e que me traduz
<cética> quando sou a bendita santa
que te alarga as frontes de
pícaras
que te permite um repouso
rasteiro,
que te ilumina com os olhos
de raposa.

Porque sei.


XLVII
(Do livro, Sombras & Luzes)

Todo escritor é um país estrangeiro.
Quando ultrapassa os limites do

seu coração ao cutucar
o fundo de um
silêncio, que
escapa aos
próprios
sentimentos.

Um estrangeiro de flores
rasgadas no fundo do peito.
Nos pomares desérticos de
antigos pensamentos.

Mesmo sendo poeira.
Mesmo tendo um ar pueril
que dissecaria um oceano.

Caminhando no céu
que engole,
na vida que esgana as
contas de sangue,
as gotas do tempo –
que não perdoam
o côncavo dos dedos.

Estrangeiro.
Ao sonhar alto demais
num topo de voz
que não se ouve
e
que
NUNCA
se imaginaria
tão luzente.

Em arqueiros
de nuvens
a dançar
ruas
e
carmins
em
futuros
passos.

Aos berros dos
pedregulhos,
nos acalantos
de casas que
apertam
nossas palavras
contra o peito.

A escalar
o silêncio das águas.
A ser navegante,
a ser
correnteza.

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