Clarissa Macedo (Salvador – BA), doutoranda em Literatura e Cultura, revisora e professora. Autora de O trem vermelho que partiu das cinzas e de Na pata do cavalo há sete abismos (Prêmio Nacional da Academia de Letras da Bahia), ambos de 2014.
Naufrágio
A chuva interfere nas ilhas
como quem deita de luz acesa.
(Chove na ilha que troveja)
Perdidos todos os sinais,
o que resta além do espelho
é um velho mapa intranquilo
rubricado na dor – cartografia
do invisível.
Concerto Para Cavalos
Despidos de crinas que não se reconhecem
Cravados de marcas de ferro
Fugidos pela palha que nega o que desejam
Mortos pelas pirâmides que migraram
Surdos pela sinfonia que não se nomeia
Loucos de manadas de dragões que cospem estrelas
Vivos pelas correntes que berram astros
… assim são os cavalos do concerto de meu coração
crianças que preparam o primeiro verso,
feras que não se sujeitam.
Trilogia
Ontem uma lacuna se abriu
rasgando os meus reinos.
Hoje uma coluna se ergue
na armadilha do meu peito.
Amanhã uma ferida que nunca tive
irá maturar até me quebrar ao meio.
***
Na costela dos desatinos
há horas que desabam
vértebras da tempestade
que nunca deságua.
Na língua do tempo
uma papoula brinca
com ínfimos tormentos.
Na costela dos desatinos
há dor e gente num grosso
livro – narrativa sem final
criada por um menino doente.