Lara Amaral (Larissa Amaral Teixeira, 1986) nasceu em Brasília-DF. Mantém o blog “Teatro da Vida”: laramaral-teatrodavida.blogspot.com.br
Altiplanos
Estatísticas atuais comprovam:
não estás sozinho
com o medo.
Nunca só – com ele,
com os outros que o têm.
Todos tão aptos a desabar
que implantaram redes nas avenidas
dos setores comerciais,
sobre os paralelepípedos, marcas
de sapatos (anti)sociais próprios
de quem marcha
do trabalho
para casa,
do labor cheio de propósito
industrial
para o lar doce
lar – local onde se desova corpo
esgotado de esforços sem ter mais tanto
o que propor assim…
Minha terra natal é plana
mas normalmente cai
uma estrela
porque há despenhadeiro no alto
e ao pé da cama – é só não se mexer demais
durante o sono
e desistir de flutuar com ideias
de abraçar o mundo;
do lado de lá também se enfrenta
o obscuro.
Então migro só
para o cômodo adjacente que está
consideravelmente mais morno
que aqui; hoje é dia de gelo
e não é sempre que o sol
queima efusivo a parede
do meu quarto.
Queda livre
O céu desaba
Mente é pena
que flutua, mas sente
o impacto
do mundo caindo
lá fora
aqui dentro
Em dó, cada pingo
de aurora
e só anoitece
A cabeça, ruptura
da ideia em fluido
amniótico
[que é leve, tão leve]
Uma pena
ter que pensar
Por ordem de vazão
A fila do amanhã
finda
fico ali parada
chama a senha e mais uma ruga encrava
jovem ainda
Mas veja os fios brancos no xaxim da infância
na casa da vó: por que chora a flor?
ela ria
o regador, rio
A planta mais mimosa
só encosta e ela fecha
chuva para dentro, morna
e a tarde escorria bem de cavar
Via sua mão manchada
muita pele para pouco
enxágue, eu tocava
sentia o relevo de cada veia
saltada, era viva ainda, e parecia
nervo de árvore centenária
Debaixo da samambaia
mais um pedido
umedecia
Trazia o suco muito doce
a brincadeira era sozinha
a vó ria
disfarce triste no coque impecavelmente menor
a cada dia
Eu mexia
e só o quintal saía do lugar
Alternando entre preto e cinza
um novelo no chão
– escasseava o cabelo
Fica tarde e logo espumam os ouvidos, todos
os olhos emplacam o senso
de ridículo
Mas enquanto sol, doçura, a vó aguando
planta – eu debaixo – me deixava salvar
resto de banho da flor, rareado
regador fraquejando
e ria
disfarça o fim a saia de estampa colorida
Eu, rio
ela já
sabia.
A prece
De joelhos rogo: um tiro
no ouvido
o deus do acaso vem e tira
a vida
de alguém que eu possa
me apegar.
Roupas trancadas direto
para a máquina
lavar o mofo
e vestir os esqueletos
da memória
aos pé da cama, não preciso delas
pele nua manchada
de remorsos
venosa, talha o principal
pedido:
que as fibras parem
de estancar.
Não estenda as roupas lá fora
o céu revolta-se
nunca há tempo de colher.
é assim, súbito
vira-se do avesso
a face cinza de medo.
Há nuvem desfazendo-se
toda hora
engoli uma, certa vez
expandiu-se tranquila
na umidade
há dias precipita
em mim.