Fragmentos, 7 poemas de Sara Pardo Del Río

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Sara é jornalista e escritora colombiana. Mora em Medellín e está lançando o livro Tudo morre, menos as palavras. A Revista Acrobata compartilha com vocês alguns poemas inseridas no seu trabalho.

Afogamento

Meu corpo se quebrou na imensidão do teu

esquecimento, sou náufraga do mar

sedento do teu corpo, sou um barco de

papel que tenta sobreviver às treva se

tormentas do teu desprezo.

Sou isso que é invisível aos teus olhos,

e que se toca impiedosamente na névoa,

enquanto o desejo do teu corpo se aninha na minha pele.

Mas desperto e me encontro perdida

neste mar, salgado e solitário de tua ausência.

***

Resignação

Vivo desperta em um mundo insensato,

vivo muda em um mundo que nunca ouve,

vivo porque fui obrigada a viver.

Vivo na beira de um fio prestes a se romper,

vivo na folha em branco que um dia se

manchará de tédio.

Vivo neste corpo que parece corroer-se,

enferrujar-se, murchar;

vivo no suspiro que dou quando

não me sinto tão viva.

Vivo porque não me resta outra opção

diante do meu medo da morte.

***

Partir

Quando tudo parece apressado, meu corpo

desmorona, as paredes ficam menores e a

minha cabeça anseia por liberdade.

No barulho mundano destas pessoas, procuro-me

e não me encontro. Sufoca-me o ar que os outros respiram,

custa-me viver onde outros morrem.

Talvez não seja eu, sejam os outros; talvez

seja a madeira fria, o vento seco ou o café

requentado. Talvez já não pertença a este

mundo porque o meu mundo é o que desejo

viver noutro lugar .

Não há uma colheita numa cidade já feita,

mas posso plantar flor e sem qualquer

montanha, floresta ou pasto onde a maldade

não tenha habitado. Não posso ser outra

coisa além da dor da terra que se aninha na

minha pele pedindo outro voo.

***

O teu silêncio

E fica apenas o silêncio, o som da chuva

escorrendo do telhado. O quarto está escuro,

iluminado apenas pela luz suave de um

candeeiro e pela janela que dá para a rua.

Tudo se envolve numa noite deliciosamente murcha,

o silêncio que a tua ausência deixou,

meu querido.

A minha alma anseia por ti nestas noites,

anseia pelo beijo suave, pela pele fresca do frio,

pela voz grave e profunda que me faz tremer.

Os meus pensamentos prendem-se a ti,

tornam-se mais intensos neste frio setembro.

Perco-te nos segundos em que os meus olhos

deixam de te ver, há uma necessidade

implacável que me pede para te ouvir, sentir-te

e olhar-te.

Então, fecho-me e reproduzo-te na minha mente

uma e outra vez, até que de repente é dia.

E já não estás, resta apenas a minha realidade:

um quarto escuro e vazio,

um copo vazio, uma cama vazia e, claro, o meu amor e o teu silêncio.

***

Mar vivo

Passo o tempo a navegar no teu corpo entre as

minhas pernas, farejo o teu hálito à distância, inalo o

teu aroma, despe-te diante dos meus olhos, mas tu

ainda não te dás conta.

ultrapasso as ondas da tua sagrada existência, olho

para ti, penso em ti, rezo-te, desejo-te.

És mais uma vítima dos meus desejos talentosos; a

minha mente imagina-te nas tardes, seduz-te,

procura-te, segue-te por todo o lado, e ainda não me

vês. Se tanto, talvez um cumprimento

tenhamos trocado atrás da cortina deste quarto

vazio, onde a tua ausência tem uma poltrona, um

nome e um copo de água por encher.

Entreguei-te a minha luxúria de mil maneiras, com

garrafas de vinho, com passeios por uma aldeia

antiga. Nos limites da minha prudência,

dei-te o meu maior oceano, deixei-o impregnado no

teu corpo, esse corpo que repousa apenas na minha

cabeça e diante dos meus olhos.

Deixei-te um mar vivo da minha paixão no teu peito,

convenci-te a despir-me com a tua vaga presença,

essa presença tão pouco explorada, tão inalcançável,

tão efémera, tão súbita que parece durar apenas um

orgasmo, à saúde de um último beijo teu.

***

Esquizofrenia

LImploro ao céu pela tua presença,

minha loucura se torna cada vez mais intensa,

te imagino no meu quarto e te falo em silêncio.

Desesperadamente, peço a Deus que me permita

um beijo, um carinho, ou um amor torrencial

contigo que dure, nem que seja por cinco minutos.

Mas neste quarto, só resta a escuridão da

esquizofrenia que vivo pelo teu amor, esse amor que se desbota na minha memória

com lembranças que nunca vivemos.

***

Arcano

És o maior dos meus segredos,

te sonho em meu silêncio enquanto vives

num mundo onde não podes me o u vir.

Te procuro em meus pensamentos, à noite,

num silêncio profundo onde não cabe o

ruído.

És o maior dos meus segredos,

me cabe te amar nas palavras que deixo em

qualquer papel, pois não posso te confessar .

Meu amor é uma tumba que não tocas,

é a ruptura da consciência, é a letra de uma

canção que  nunca termina.

Teu amor é aquilo que não posso tocar,

teu amor é tudo  que tenho, ainda que não

te tenha, não és meu, és, e só isso importa:

tua bendita existência!

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