Casa Grande a Beira da Estrada

| |

Por Carlos André, poeta e editor.

Foi uma surpresa encontrar neste conterrâneo tamanho vigor literário, como Sallié Oliveira apresenta em seu romance de estreia.

Não que Diadema, onde nasci e de onde escrevo, não possua, ao longo de sua história, outros e excelentes autores, mas o cenário cultural da cidade, bem como o de tantas outras país afora, foi desmobilizado pelos tempos sombrios que atravessamos e muitos artistas locais viram como saída a vida em outras localidades.

Sallié se manteve por aqui, entre Diadema e a vizinha São Bernardo, produzindo a partir de sua experiência nestes espaços urbanos.

Casa Grande a Beira da Estrada é um texto em que o autor, no entanto, imagina um outro lugar, afastado dos grandes centros: a cidade com o sugestivo nome de Tenência. Nela, o personagem central do livro, Jaque, chega sem que saibamos direito quem o levou até lá, depois de uma situação de violência pelas mãos do próprio pai.

Muitos dos elementos da história, aliás, são apenas sugeridos para que o leitor possa aos poucos completar o quebra-cabeça narrativo com a própria imaginação.

Uma  vez instalado na grande casa, Jaque vai aos poucos conhecendo os demais personagens e estabelecendo novos afetos enquanto tenta entender o enredo que atravessa a família que o acolhe.

Formalmente, Sallié abusa de literariedade e constrói um livro para quem gosta de fato de literatura. Estão presentes aqui recursos bastante sofisticados e inusuais em boa parte dos romances brasileiros contemporâneos.

Há a falta proposital de pontuação, que faz com que o livro ganhe uma dinâmica e uma fluidez notáveis. Há a constância de fluxo de consciência e certo psicologismo nada piegas que faz com que cheguemos bastante próximos das angústias que movem Jaque. Há um embaralhamento narrativo, em capítulos curtos e não lineares. E há também uma presença de poesia entremeando a narrativa em prosa que deixa o livro ainda mais original  e surpreendente, nos custando mesmo acreditar que seja obra de um autor jovem e estreante.

Outro aspecto que causa surpresa é a habilidade de Sallié em intercalar múltiplas narrativas complementares dentro na mesma história. Enquanto acompanhamos o drama do personagem principal, somos apresentados também à história de Tenência,  à trama envolvendo os personagens secundários e à história da própria casa, que vai aos poucos se humanizando pelo recurso à prosopopeia. Na medida certa, cada uma destas narrativas parece sugerir o espelhamento e a continuidade das outras.

O livro saiu pela editora Patuá, em 2022 e teve patrocínio da Lei Aldir Blanc.

Recomendadíssima leitura a quem quer saber por onde andam nossas letras.

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!