Por Carlos André, poeta e editor.
É ninguém menos que Cláudio Willer quem diz, no prefácio do mais recente livro do poeta Nitiren Queiroz, estar “atento, tentando captar” o trabalho deste autor, que oferece uma “garrafada alucinógena” a seus leitores, desta vez em “O Apocalipse é meu Parque de Diversões”, publicado pela Editora Clóe, de Diadema, São Paulo.
Já nos dois livros anteriores — “Nêfesh”, pela Dobra Editorial e “Pelos Olhos do Jaguar”, pela Urutau —, Nitiren vem preparando o que aqui se adensa numa dicção mais madura e um excelente livro: um encantamento de sua própria poética pela reverência contínua à linguagens de tradições místicas múltiplas — num duplo exercício de estilização do próprio texto e de sacralização da poesia, ao irmana-la a outras expressões textuais mágicas. E, melhor ainda, sem sectarismos.
É o delírio que une estas muitas linguagens, parece nos dizer o livro. E é esta linguagem que delira que, por sua vez, cria esta mesma união. “Hocus pocus orobouros!”
É para esta certa desconstrução da necessidade de sentidos imediatos, esta espécie de proclamação da “destruição da relação de significação”, que também nos chama atenção a introdução de Willer. Retirada esta formalidade dispensável do significado fechado, resta ao texto a liberdade completa para ser poesia. E Nitiren sabe escrever, e muito bem, nesta brecha. Sabe ocupar a página de plena poética livre. E com o alerta, em determinado momento, aos hipotéticos incautos, de: “Rasgue o mapa após perder-se nele”.
O próprio livro, neste processo, se torna um ritual: diverso, denso de poesia absoluta em si mesma.
Tudo ali se sacraliza, pois é tudo matéria-prima do poema. Daí não espantar a presença de caracóis à genitálias, entre muitos outros elementos inusitados.
Dividido em seis partes — hocus pocus orobouros; carnaval na cidade fantasma; pane no processador celestial; nhem nhem nhem porã; quebra jereba; breviário puto — que dialogam entre si de diferentes maneiras, o trabalho ainda, contundentemente, ironiza aspectos sombrios da atual política religiosa brasileira.
Vale notar ainda, uma acirrada crítica aos poetas e a poesia oficial em diferentes momentos do livro.
Malgrado ser um dos autores mais interessantes de sua geração, Nitiren permanece praticamente desconhecido mesmo nos poucos nichos de culto poético de São Paulo, cidade da qual é vizinho.
Atualizando também o lugar do dialeto malandro da periferia de onde vem, em Osasco, os toques de gírias do gueto dão o encanto final a este livraço.
Encante-se!