Por Alex Sampaio Nunes, autor de “Ressuscito na Cidade Suicida” (2017) e colaborador da Acrobata com uma série de resenhas/diálogos sob o título de “Vozerio Piauiense”.
Foto por Ravenna Ítala
“Uma palavrinha” é o primeiro livro de Washington Ramos, piauiense, nascido no ano de 1951, em Sol-Posto, localidade do interior do Município de Campo Maior, perto do Monumento do Jenipapo. Graduado em Letras pela UFPI em 1979, atualmente o autor está aposentado das salas de aula e trabalha como revisor de textos.
O livro foi publicado de forma independente em setembro de 2020. É uma novela de 73 páginas e está disponível em formato digital na Amazon. Ainda é possível encontrar o livro em formato físico com o próprio autor.
— Professor Washington, por que você escreve?
— Escrevo como uma consequência do ato de ler, como uma resistência ao enorme avanço da imagem e do vídeo no mundo de hoje, como uma maneira de extravasar algumas coisas, como um modo de dar vazão a algo que precisa sair de mim e para dar um testemunho de minha permanência em Teresina…
O livro é uma novela narrada em primeira pessoa que conta a história de um homem caminhando por Teresina.
A essa história central fundem-se outras histórias, de outros tempos, vividas por esse homem. Ao longo da caminhada, o narrador-personagem divaga enquanto a cidade passa: prédios, ruas, árvores, pontes e esquinas se misturam a lembranças e sensações.
O cenário é a própria cidade. A caminhada começa na Avenida Maranhão, ao lado do Rio Parnaíba, vai pela Rua Senador Teodoro Pacheco, passa pela Avenida Antonino Freire, adentra a Avenida Frei Serafim para, em seguida, desandar pela Avenida Miguel Rosa, rumo à Zona Norte – quando a caminhada termina, quando o narrador (sem antes quase se perder de si) encontra seu norte.
— Professor Washington, a cena inicial do livro é o narrador se esquecendo de uma palavra em meio aos barulhos e caos da cidade. A relação entre o ser humano e a cidade é conflituosa? Nós nos esquecemos de nós mesmos em meio ao caos urbano?
— É muito conflituosa, sim. Esquecemos de nós mesmos, do fator humano, da gentileza. Deixamos que carros e motos nos dominem. Quando exageramos na velocidade, são essas máquinas que estão nos dominando, e não nós a elas. Muita gente se esquece de que é um pedestre, de que caminhar é prazeroso. No código de trânsito, o pedestre é prioridade, mas só teoricamente. Basta ver nossas calçadas, verdadeiros estacionamentos, para perceber o quanto o pedestre é desprezado.
“No princípio era o verbo e o verbo se fez caminhada. Desci do ônibus e comecei a atravessar a avenida Maranhão no meio do trânsito caótico, sob o sol do meio-dia, quando uma palavrinha me veio à mente.
(…)
Não parei para anotar a bichinha e o que ela me sugeria. Devia ter parado. Ela se perdeu no meio daquela confusão urbana.” (pág. 10)
— Professor Washington, devido a algumas passagens do livro, acabo inferindo que o narrador-personagem é você mesmo. Com isso, acabo tendo o impulso de classificar seu livro como autoficção.
— É uma classificação correta. Mas não exclui outras. Após a publicação de seu livro, o autor não deve se preocupar com o que vão dizer sobre a obra. Nem tudo no livro é verídico. Algumas coisas fundem verdade e ficção.
— Professor, como foi o processo de escrita do livro “Uma palavrinha”?
— Eu estava andando no centro de Teresina, quando tive uma espécie de iluminação provocada por uma palavra de extensão mínima. No livro, digo que é a palavra fé, mas na verdade nunca descobri exatamente qual é essa palavra. Cheguei em casa e fiz uma crônica. Depois vi que podia aumentar mais o texto. Foi em agosto de 2020, estava totalmente recluso em casa por causa da pandemia. Se não fosse a pandemia, talvez não teria escrito o livro.
“O sol já está mergulhado no horizonte ocidental. Não consigo vê-lo mais. Apenas restos de sua luz pincelam de púrpura o azul do céu. Já deve ser um pouco mais de 6 horas da tarde. Daqui a pouco as luminárias desta Frei Serafim vão evitar que a imensa sombra da noite caia sobre mim, sobre este cimento, sobre esta cidade. Tomara que me ajudem a evitar que as inquietas sombras caiam sobre mim.” (pág. 47)
— Professor Washington, vejo como bastante simbólico o fato de o livro ter surgido durante a pandemia da COVID-19. Nós somos seres andarilhos (biologicamente falando) e o livro foi escrito na impossibilidade de sair de casa.
— É verdade. Já que eu não podia caminhar nem pedalar, fiz uma caminhada literária.