Sara é jornalista e escritora colombiana. Mora em Medellín e está lançando o livro Tudo morre, menos as palavras. A Revista Acrobata compartilha com vocês alguns poemas inseridas no seu trabalho.
Afogamento
Meu corpo se quebrou na imensidão do teu
esquecimento, sou náufraga do mar
sedento do teu corpo, sou um barco de
papel que tenta sobreviver às treva se
tormentas do teu desprezo.
Sou isso que é invisível aos teus olhos,
e que se toca impiedosamente na névoa,
enquanto o desejo do teu corpo se aninha na minha pele.
Mas desperto e me encontro perdida
neste mar, salgado e solitário de tua ausência.
***
Resignação
Vivo desperta em um mundo insensato,
vivo muda em um mundo que nunca ouve,
vivo porque fui obrigada a viver.
Vivo na beira de um fio prestes a se romper,
vivo na folha em branco que um dia se
manchará de tédio.
Vivo neste corpo que parece corroer-se,
enferrujar-se, murchar;
vivo no suspiro que dou quando
não me sinto tão viva.
Vivo porque não me resta outra opção
diante do meu medo da morte.
***
Partir
Quando tudo parece apressado, meu corpo
desmorona, as paredes ficam menores e a
minha cabeça anseia por liberdade.
No barulho mundano destas pessoas, procuro-me
e não me encontro. Sufoca-me o ar que os outros respiram,
custa-me viver onde outros morrem.
Talvez não seja eu, sejam os outros; talvez
seja a madeira fria, o vento seco ou o café
requentado. Talvez já não pertença a este
mundo porque o meu mundo é o que desejo
viver noutro lugar .
Não há uma colheita numa cidade já feita,
mas posso plantar flor e sem qualquer
montanha, floresta ou pasto onde a maldade
não tenha habitado. Não posso ser outra
coisa além da dor da terra que se aninha na
minha pele pedindo outro voo.
***
O teu silêncio
E fica apenas o silêncio, o som da chuva
escorrendo do telhado. O quarto está escuro,
iluminado apenas pela luz suave de um
candeeiro e pela janela que dá para a rua.
Tudo se envolve numa noite deliciosamente murcha,
o silêncio que a tua ausência deixou,
meu querido.
A minha alma anseia por ti nestas noites,
anseia pelo beijo suave, pela pele fresca do frio,
pela voz grave e profunda que me faz tremer.
Os meus pensamentos prendem-se a ti,
tornam-se mais intensos neste frio setembro.
Perco-te nos segundos em que os meus olhos
deixam de te ver, há uma necessidade
implacável que me pede para te ouvir, sentir-te
e olhar-te.
Então, fecho-me e reproduzo-te na minha mente
uma e outra vez, até que de repente é dia.
E já não estás, resta apenas a minha realidade:
um quarto escuro e vazio,
um copo vazio, uma cama vazia e, claro, o meu amor e o teu silêncio.
***
Mar vivo
Passo o tempo a navegar no teu corpo entre as
minhas pernas, farejo o teu hálito à distância, inalo o
teu aroma, despe-te diante dos meus olhos, mas tu
ainda não te dás conta.
ultrapasso as ondas da tua sagrada existência, olho
para ti, penso em ti, rezo-te, desejo-te.
És mais uma vítima dos meus desejos talentosos; a
minha mente imagina-te nas tardes, seduz-te,
procura-te, segue-te por todo o lado, e ainda não me
vês. Se tanto, talvez um cumprimento
tenhamos trocado atrás da cortina deste quarto
vazio, onde a tua ausência tem uma poltrona, um
nome e um copo de água por encher.
Entreguei-te a minha luxúria de mil maneiras, com
garrafas de vinho, com passeios por uma aldeia
antiga. Nos limites da minha prudência,
dei-te o meu maior oceano, deixei-o impregnado no
teu corpo, esse corpo que repousa apenas na minha
cabeça e diante dos meus olhos.
Deixei-te um mar vivo da minha paixão no teu peito,
convenci-te a despir-me com a tua vaga presença,
essa presença tão pouco explorada, tão inalcançável,
tão efémera, tão súbita que parece durar apenas um
orgasmo, à saúde de um último beijo teu.
***
Esquizofrenia
LImploro ao céu pela tua presença,
minha loucura se torna cada vez mais intensa,
te imagino no meu quarto e te falo em silêncio.
Desesperadamente, peço a Deus que me permita
um beijo, um carinho, ou um amor torrencial
contigo que dure, nem que seja por cinco minutos.
Mas neste quarto, só resta a escuridão da
esquizofrenia que vivo pelo teu amor, esse amor que se desbota na minha memória
com lembranças que nunca vivemos.
***
Arcano
És o maior dos meus segredos,
te sonho em meu silêncio enquanto vives
num mundo onde não podes me o u vir.
Te procuro em meus pensamentos, à noite,
num silêncio profundo onde não cabe o
ruído.
És o maior dos meus segredos,
me cabe te amar nas palavras que deixo em
qualquer papel, pois não posso te confessar .
Meu amor é uma tumba que não tocas,
é a ruptura da consciência, é a letra de uma
canção que nunca termina.
Teu amor é aquilo que não posso tocar,
teu amor é tudo que tenho, ainda que não
te tenha, não és meu, és, e só isso importa:
tua bendita existência!