Sávyo Fernandes tem 24 anos, está graduando no curso de Licenciatura em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Também é ator, roteirista, e trabalha de forma independente em películas e vídeos curtos para o perfil pessoal no Instagram. Apaixonado pela Literatura desde criança, lançou “Naturália Psicótica” em 2021 pela Filos Editora.
CORDEL DE FACAS
Ô, terra
desértica, esquálida, quem vê não vê
Carregam dos rios a água pra beber
De sede morre o gado, sem ter pasto pra comer
De gente escorre a peste, essa pobreza de sofrer
Ô povo condenado, com poder mas sem saber
Corre os vales, danado
Vendaval cortina de causos
E de rasteiros são os gritos dos autos
desse mito surtido e lascado
Queima as cordas de nylon, espreguiça
Seu chapéu de pastor tão surrado
Nos mercados de Meca nortista
Encontrar teu clamor tão sonhado
Com uma rosa colhida na serra
Ponteando a boca cerrada
Veste o terno de listra serrana
Violeiro de vista encerrada
Cega o mundo na tua parábola
De cigarras e mamulengos
Chega até os contos primeiros
Dos reis daquela enseada
Faz do riso à risca faga
Das serestas sob o sereno
Fez do rico um pobre de graça
Nas cantadas com o palo seco
Carrega em outras violas
A missão profetizada
Destes loucos arautos de estórias
Batizados na beira da estrada
São tão velhos quanto o mundo
Santos mestres do perigo
Trazem à língua uma jornada
Em cada fala, um desafio
Lembram espadas e cavalos
Dos tempos do feito antigo
Donzelas, castelo e magos
Verdades de cunho ríspido
No encontro de suas cordas
Travam um conflito proibido
Desafiam o próprio homem
Do diabo ao Altíssimo
Da peleja consagrada
Nos altares do tranquilo
Servos de tanta coragem
Das palavras que te digo
Contam versos dessa vida
Como se prepara a fava
Cortam velha falha rica
Das torturas dessa fala
E o corte tão profundo
Corta a pele tão pregada
Sorte a do cortador
Cortejo numa lapada
Segue lenda das cacimbas
Dessas onde o povo mata
Feito bodes na baixada
Dois colegas de infância
Brigavam por coisa de cabra
Pra ver quem dançava melhor
Com a mocinha de saia rodada
No forró das dez e meia
Junto dos dono da farra
Começaram a se estranhar
Como o velho vê as rusgas
Partiram pra vias de fato
Sem cerimônia pra luta
O mais velho pegou ar
Mão na cinta, expressão bruta
Começou a ameaçar
Apontando a causa última:
“- Meu bichin, olhe pra ponta
E a lâmina talvez não tarda
Entrará na tua carne
Nem terá tempo pra nada
Quando o sangue escorrer
Pode preparar a mortalha
Um chá pra visita de fora
Caixão e vela chorosa
Velório e tristeza em casa”
No entanto, respondeu
O caçula aperreado
“- Irmão meu não tem desculpa
Pra apanhar feito um imundo
Puxa arma nessa altura
Porque nem se garante no murro
Largue essa covardia, deixe de tanto dilema
Venha pra cima de mim, pra mim lhe quebrar suas venta.”
Quem sofreu, deixou saudade
Quem souber, em carta marcada
Pularam perante a pressa
A peleja de uma ciranda traçada
Cantador de ouro e piada
Ouviu nas suas andanças
Conheceu senhor satisfeito e também viu as carrancas
Versejou o grã-sertão, em cada parte da sua malha
Pelejou em tantas praças
Guardou a fé nas festas suas
Herói de viola guardada
A capa nas dobraduras
Menestrel das semeaduras
Horário de volta aguardada
Soltou farpas nas caras duras
Cortadas em Cordel de Facas.
RASGOS
Flutuantes são balões rasgados
Levados pela ventania de Norte a Sul
em plástico bolha no escuro farto
Incendiei os restos do casarão azul
Faíscas breves em corações fatiados
Calados pela calmaria de Leste a Oeste
Invadem as moitas mortas de florestas em causos
Sou tartaruga no retrovisor da lebre
Rasguei a pele para sentir o rasgo
Sem considerações ou motivos claros
O balão explode ao cair da palma
E o sangue tarda em fluir sem dono
Rasguei os sonhos, tricotei as falhas
Agora corro nos ventos gélidos
Tão destroçado quanto balões de Hélio
Desinteressado em voar sereno.
FESTIVIL
Remédio bom de pom pom
Algodão doce, pipoca amarga
Aplaudiam o palhaço no picadeiro, som
Fricção de mãos desejando um andor de arruaça
Pulava de um lado pro outro
E o povo jogava apenas biscoito
Like, share, comentário de novo
Nem saberiam identificar aquela arte como um coito
Inseminando nossas mentes férteis
E de nascer bebês sem grito
Suas mães eram estéreis
Não reconheciam, não reconheciam, não reconheciam
Comprem o genérico Festivil
O medicamento de febril, feito à sua medida
Que importa se não está com corpansil
Aqui adoece tudo
TNTwo
Somos barris de pólvora
Um filete incendiário de emoção
Nossas cinzas viram rubrica
Canivete na cinta-liga, chiclete na boca
Duas cartas de quatro no tênis
Física urbana de sensualidade, moça
Acende o baseado aí, leia Bukowski em tailandês
Somos a destruição por excelência, rainha
Um crime compensado numa sociedade sem leis
Sem querer, te quero
Janduís guarda o pôr-do-sol
Resguarda o arbol da caatinga
Daquela tarde solitária
Atendi o seu chamado
Quando deitado, chamei pelo nome abençoado
Jaz em mim o teu sossego, a memória do teu beijo
A imensidão em seu abraço
Procuro no mundo inteiro
Mas o mundo é estar ao seu lado numa tarde solitária
Paraíba
Pares cores de cetim
Com um negro desenhado
Divagando derramado
Preto, vermelho em dor carmim
Tu diz que sou um Paraíba
Mas Paraíba habita em mim
Não lhe xingo de sulista, palmito de pêemidebista, votante de milico evangelista
Porque na raiz de meu solado, enfim
Cabe a marca de um neto
Um velcro perfurando a carne baixa do Sertão
Colando o renascer crescer desse povão
Calado falo mais que sua omissão
O preconceito que aflige faço verso de canção
Ô, sou Paraíba sim! E o que é que tem?
Sou a cria, sou mundiça, tenho preguiça de racista que me bota num balaio
Ô, sou Paraíba sim!
Eu não nego, eu só luto
Insolúvel na bandeira que defendo
Sou tudo de mais, e mais que tudo
Um Paraíba