por Sara Pardo Del Río, jornalista
Acredito que na vida de cada escritor ressurge constantemente a pergunta de por que continuamos escrevendo, mesmo quando o mundo das palavras parece se desvanecer em um abismo. Vivemos encerrados em uma cultura profundamente ferida pela ignorância seletiva, pelo consumo de conteúdos sinistros e sem sentido algum. Estamos cobertos de ramificações ideológicas que transformam a literatura em um produto barato, pouco elaborado para aqueles que se reviram a cabeça pensando uma história ou uma reflexão profunda sobre nosso trajeto como sociedade. Somos entes evolutivos em um mundo que precisa das palavras para relatar nossa história, origem e razão de ser neste planeta.
Me parece incrível que, hoje em dia, poucas pessoas se perguntem qual é o verdadeiro objetivo dos escritores. Nós mesmos nos reinventamos entre as palavras, caindo em abismos de solidão absoluta, ocupados em nossa razão e perguntando por que continuar escrevendo. Para quê continuar uma história que talvez não seja um bestseller? Por que as editoras não aceitam nosso livro? Por que parece tão difícil conseguir uma comunidade de leitores que compreenda nossas ideias, romances, poemas, filípicas ou artigos?
Cada vez menos pessoas leem. Ignora-se o mundo de antes e o que virá. Então, penso em António Lobo Antunes e em sua necessidade de explicar o que nos estava acontecendo como sociedade muito antes de termos certeza de nosso objetivo em uma república ou em uma monarquia. Cada um de nós é um civil com uma história aberta, cheia de lutas internas, pensamentos intrusivos, anseios e sonhos. Mas também somos o instrumento do poder, de onde até surge a corrupção.
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António Lobo Antunes intitula um ensaio como “A sociedade precisa de mediocres”, e não se referia aos eleitores e suas escolhas fáceis de manipular por qualquer setor político. Ele se referia àqueles que leram o mundo e previram a anatomia de uma catástrofe que envolve as mais altas esferas do poder político, transformado em um jogo de manipulação constante. Os mediocres nos mostraram a cara durante tempo demais. Colocam futebol ou qualquer cortina de fumaça para distrair a necessidade implacável do cidadão em sua busca por justiça. Que curioso que isso seja exatamente o que vivemos hoje: um Trump, um Nicolás Maduro, um Putin. Os verdadeiros mediocres, aqueles que fazem da manipulação um jogo constante de distração.
António Lobo Antunes afirmava que ao poder lhe convém que as pessoas não leiam, que não escrevam, que não sejam resilientes em seus sonhos de abarcar toda a verdade através das histórias, artigos ou poemas da revolução. E não falo da revolução comunista, mas da revolução intelectual, aquela que não é maleável diante dos conflitos e interesses de quem ostenta o poder. Quão baixo caímos como sociedade, pensando que a atualização tecnológica nos faz um favor permitindo-nos consumir conteúdos cada vez mais curtos e absurdos! Quão baixo caímos quando, diante da injustiça, um jogo de futebol ou um show banal nos transforma em vândalos escravos silenciosos do poder!
Como resistimos a essa mediocridade?
Minha resposta é simples: quando se busca o conhecimento, quando se estabelece uma profunda conexão com entender a natureza do poder e sua manipulação, tende-se a resistir através do conhecimento. António Lobo Antunes falava de Camões. A literatura é resistência, resistência à ignorância e ao desconhecimento. Os poderes se servem da ignorância para dar aos pobres qualquer coisa porque não têm os meios para defender seus direitos ou porque os desconhecem. Ler implica conhecer, saber, e por isso somos importantes os escritores: para oferecer uma leitura dos fatos, do que devemos questionar como sociedade.
Claro que a sociedade atual não precisa de escritores nem lhe convém tê-los. Os impérios antigamente eram fracos diante da intelectualidade dos homens. Por isso, como dizia o autor português, a sociedade precisa de mediocres: “Gostamos dos idiotas porque não nos questionam, não nos fazem perguntar nada. Quanto às pessoas de alto nível, a sociedade descobriu uma maneira surpreendente de neutralizá-las: adotando-as. Fez viscondes Garrett e Camilo, assim como a Inglaterra adotou Dickens. E pronto, lá estão dentro do sistema, com alguns desvios que lhes são perdoados porque ‘são um pouco estranhos, você sabe como ele é, coitadinho, mas apesar disso, tem qualidades'”.
Mas agora, que temos mais ferramentas de informação e difusão, nos tornamos o que o poder tanto ama: gente que não é crítica, escritores que abandonam facilmente seus sonhos, aqueles que são fáceis de neutralizar. Vendemos nossas ideias ou, o que é pior, as silenciamos em favor daqueles outros mediocres que se sentam nos congressos, nos tribunais de justiça ou, melhor dizendo, de injustiça. Aqueles que, com suas grandes empresas, compram a escravidão e a vendem como “oportunidades de trabalho”.
Então, caro leitor, quando se perguntar se é momento de deixar de ler ou de escrever, convido você a me ler, a ler outros, e compreender que não abandonamos esse sonho nem essa luta. Nessas mãos também se forja a necessidade implacável de dizer o que poucos se atrevem a dizer, o que os idealistas calam por pressão midiática. Esta também é a luta para não cair no sistema dos maleáveis, dos que são neutralizáveis nos poderes acostumados a se servir da fome do povo. Porque nem importa se são de direita ou de esquerda: o fim do poder é conseguir mais poder, mesmo que isso implique vender uma xícara de arroz na campanha em vez de doar água, livros e educação para as crianças do Congo, da Venezuela, de Gaza ou do Paquistão. O poder só se nutre de um povo fraco de critério e satisfeito com migalhas.