Vozes do Punk Vol. 8: A postura de Makline no anarcopunk em Teresina

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Bate papo com Aristides Oliveira

Agora pouco conversei com Makline sobre as memórias do anarcopunk em Teresina. Com trinta anos de vivência contínua no punk sem modismos e engajamento político, vamos compartilhar uma trajetória marcada por profundas travessias na contracultura, de Norte a Nordeste do país. E é diretamente do clima quente/úmido do Amazonas que o oitavo volume do Vozes do Punk segue em frente, com outras histórias e confrontos.

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Bom dia Aristides,

Peço desculpas pela demora em responder. Aqui minha vida tem sido um corre só. Hoje vou relaxar um pouco tomando algo e falar como foi meu início no punk a partir do início dos anos 90. Vamos ao que interessa.

Me chamo Makline Peterson (viralat@), meu primeiro contato com a vida punk se deu precisamente em 1990, tinha apenas 12 anos e fui estudar em uma escola seminterna (Eurípedes de Aguiar). Apesar da pouca idade, já me interessava por política e então passei a frequentar o grêmio estudantil.

Era um lugar onde a galera falava sobre a problemática social e se mobilizavam em manifestações. Numa dessas eu participei de uma manifestação contra o vale estudantil obrigatório, ao chegar ao Centro me deparei com pessoas diferentes, agitando na manifestação.

Me chamou muita atenção, eram punks, pessoal que tocava na Suspeitos e Último Grito. Me aproximei e a partir dali passei a ter contato diariamente, foi um tempo de descobertas e empolgação. Me identifiquei tanto que me joguei de cabeça. Muita coisa em minha vida ficou confusa… Tudo que eu aprendera já não me servia, era tudo diferente. Errei muito até começar a compreender tudo, procurei informações e fui em frente.

Em 1993, já bem envolvido no meio punk existente, fiz parte da primeira formação do [email protected] (Movimento Anarco Punk) não tínhamos maturidade, nem embasamento suficiente para algo desse porte. Duramos menos de 1 ano. Foi nesse mesmo tempo que passei a manter contato com punks de outros estados. Fiz também nesse período meu primeiro zine “Contraste Social” e em seguida veio o ” Zona do Kaos”.

Esse último chegou até o número 4. Ao final de 95 se não me falha a memória, iniciamos o G.E.A (Grupo de Estudos Anarquistas), essa nova fase foi reveladora, passamos a estudar juntos conceitos e vivenciar um movimento de verdade. Percebi naqueele momento que o que vivíamos antes era mais uma situação underground embalada por um som, mas claro, cheio de rebeldias, o que não descarto.

Com o G.E.A vieram as bandas Ingovernáveis e nosso primeiro rolê juntos, uma viagem em São Luis (MA) junto com outros punks de Imperatriz (MA). Rolou muita vivencia numa ocupa (lembro como hoje) muito massa. Depois disso passamos a participar e vivenciar diretamente em vários rolês. Em 98 participamos da ocupação na Vila Irmã Dulce, nesse mesmo ano participamos de 1º Encontro Anarcopunk em Fortaleza (CE)

Puta experiência, sacar punks envolvidos coerentemente com uma cena muito ativa. Cada experiência dessas me deixava ainda mais apaixonado por essa sub cultura, a contra cultura, insubmissão resistência e anarquia ao pé da letra.

     Voltando a ocupação na vila Irmã Dulce, foi a primeira vez que colocamos em prática nossa subversão, sentimos na pele a repressão do Estado, as tensões, mas também foi onde vimos quem estava por romantismo e quem estava nessa por ideia, a vivência diária, as tensões fizeram muita gente se afastar.

O G.E.A estava no auge com umas 30 pessoas, conseguimos um espaço numa rádio comunitária (1º de Maio) e lá fazíamos reuniões, gigs e tínhamos até um programa (Belo Tempo). Algumas bandas ensaiavam nesse espaço. Nessa época formei com outros manos a banda “Reação a Opressão”, também trouxemos bandas como “Última marcha” (ki loko).

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Em 1999 aconteceu em Belém (PA) o Encontro “Pela humanidade contra o neo liberalismo”, não pensei duas vezes e me mandei pra lá juntamente com Bayaku, que acabava de chegar de João Pessoa (PB). Viajamos a noite inteira e amanhecemos em Belém. Para nossa surpresa, um pessoal da F.A.C.A., grupo anarquista local estava a nos esperar, nos levaram para uma okupa chamada Morada da Arte, uma okupa que resistia desde comecinho dos 90.

Para nossa surpresa haviam punks de todo brasil e parte do mundo, assim como anarquistas e esquerdistas em geral, foi uma experiência ímpar, ver tanta gente discutindo sobre problemas mundiais como miséria, exploração, ecossistema, denunciando seus governos, vendo relatos de pessoas que viviam diretamente em guerrilhas na América Latina e claro: vivência e aprendizado punk.

Em 2000, houve as manifestações contra a farsa dos 500 anos, fui a Salvador (BA) e de lá até Porto Seguro, Cheguei 1 semana antes do dia 22 de Abril e participei com mais 4 punks e 2 anarquistas da organização de resistência juntamente com as frentes de resistência indígenas.

Vivenciamos e confraternizamos muito com as etnias ali presentes, ficamos alojados em Coroa Vermelha, área de índios pataxós. As outras organizações sociais chegaram dois dias antes do 22/04. A ideia era sair em manifestação até Porto Seguro (cerca de 19 km), mas muito cedo, quando ainda nos organizávamos para sair fomos surpreendidos pelas forças de repressão, cavalaria, helicópteros, lanchas e o exército.

Até índios locais que haviam sido comprados nos reprimiam. A pressão foi tanta que a comitiva do presidente “FHC” só esperou a missa e vazou vuado. Nós não recuamos e seguimos em frente. Balas de borracha e bombas de gás estavam de graça, percebemos que algumas bombas de gás ñ explodiam e só quem usava máscaras eram os pelotões da frente, começamos a lançar de volta as bombas e para nossa surpresa eles recuavam, mas logo voltaram com tudo e detiveram mais de 100 manifestantes, dentre eles vários punks.

 Ao fim da tarde foram todos liberados e fomos saindo, para mais de 100 ônibus de manifestantes guiados por um cordão de isolamento do exército, que se estendia de Coroa Vermelha até Eunápolis, onde mais de 100 ônibus do MST foram impedidos de seguirem até Porto Seguro, mais treta e até uma pessoa morreu. Nesse mesmo ano de 2000 sediamos em Teresina, na vila Irmã Dulce outro encontro @narcopunk, a nível Nordeste. Nesse encontro, pessoas de Estados do Norte, como Belém e Macapá também participaram. Foi um encontro de muita produtividade mais também de surpresas. Nessa época havia uma treta declarada entre @narcopunx e punx hard core. Eu nunca apoiei tal racha e fiz questão de convidar punx niilistas que conhecia e confiava para participar e para surpresa, muita gente passou mal, mas ao fim, a maioria viu onde cada um errava.

Em Janeiro de 2001 inicio meu processo de mudança, vim com minha companheira para Manaus, onde passamos exatamente onze meses. Nesse tempo conheci e passei a fazer parte da (U.L.A.) UNIÃO LIBÉRTARIA ATIVISTA. Encontrei por aqui uma cena punk muito crua e bem massa, cheia de atividade e onde fiz muitos amigos. As coisas ficaram difíceis, minha kompa engravidou e regressamos. Nessa época nasceu meu primeiro filho(Carlo Giuliane) nome de um punk morto em Gênova nas manifestações anticapitalistas.

Ao regressar a Teresina procurei uma forma autônoma de sobrevivência, o que me permitia vez ou outra sair em rolês. Em 2004, acho, aconteceu em São Paulo o Encontro Nacional @narco Punk. Sem medir esforços fui com todo gás e passei quase 3 meses por lá conhecendo e vivenciando.

Foram inúmeras atividades, precisaríamos de muito espaço para relatar tudo, mas vamos as principais: além do encontro que reuniu boa parte do M.A.P do Brasil, conheci todos os squats punx ativos e algumas organizaçôes. Dentre os squats saquei a Mogiana, de Campinas. Já havia acabado o encontro e eu estava alojado na Casa Espontânea, em Cotia, esse espaço havia sido doado por uma pessoa que participou do movimento Punk em São Paulo bem no início.

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Lá viviam cerca de sete punks, galera do antigo (M.A.R) Movimento Ambiental Revolucionário, outras pessoas que haviam participado do encontro também estavam lá como um punk de floripa, outro do Rio Grande do Sul, eu e outro de Salvador. Fomos até Campinas visitar o antigo Squat pomba negra, para nossa surpresa, ao chegarmos eles estavam sendo desalojados, havia muita treta e ânimos alterados, estava presente muita autoridade e até TV local.

Fui avisado por Japão e Mariana que já havia outro espaço em vista. Quando tudo se acalmou, nos direcionamos a uma antiga fábrica da Antarctica abandonada, entramos, ligamos água, instalamos play ground pras crias dos okupas, fizmos grafites. Tava tudo bem até a noite seguinte quando um grupo em 3 ou 4 carros pararam a frente da okupa com som auto do hino brasileiro. Sacamos de cara que eram “carecas”, a treta foi inevitável. Eles saíram fora, mas duas horas depois o local foi invadido por vários PMs. Deu nada, vinham só botar tensão, ali passamos uns 10 dias dando força e vivenciando contracultura.

Também conheci a komuna Goulai Polé, local de grande atividade e pessoas massa, havia também no mesmo bairro da komuna o espaço Kaza da Esquina, gerido por punx mais voltados a contracultura, niilistas e bem embasados filosoficamente. Foi na Kaza Espotânea onde fiquei mais tempo, participando de atividades ligadas a luta antimanicomial, inserção teatral, colagens.

Ao retornar ao Piauí fui morar em Caxias (MA), período de inatividade, com a chegada do primeiro filho tive muitas dificuldades na vida. Não voltei a morar em Teresina e em 2006 resolvemos voltar ao Amazonas. Aqui chegando procurei pessoas q conheci, mas muitos haviam morgados e outros morrido. Isso mesmo, esse é um Estado violento, dominado por várias facções.

Infelizmente conheci mais ou menos uns 6 a 7 punks mortos ou pelo tráfico ou em tretas, mas quem resiste e insiste, sabe q não é fácil. Quando voltei em novembro de 2006 já não mais havia nenhuma movida organizada, havia um grande racha e desentendimento, foram várias tentativas para reunificar, as tretas até morgaram. Conseguimos organizar um grupo de estudos, e muitos punks se aproximaram, mas uma onda grande de street punks oi, sharp, rash, integralistas e até white powers vieram a somar em tretas cada vez mais cabulosas. Punks eram presos com frequência e houve até mortos.

O que levou o coletivo Nuvem Negra a se desintegrar, sobraram poucos punks na resistência e muitos que hoje só usam um visual e agem como gang a procura de treta o tempo todo. Apesar disso, os que resistem batalham incansavelmente para ñ deixar a peteca cair, fazendo da resistência subversiva sua principal arma.

Enfim meu amigo, chega aqui meu relato, isso é a voz de um punk que sobrevive ao longo de quase 30 anos nessa estrada. Não morguei nem morgarei, não me vejo de outra forma, punk é o que sou. Só pra konstar fiz tbm o zine, Leuenrorh, (homenagem a Edgar Leuenroth) o Inominável (Poezine) e participação em vários outros zines coletivos com punks de outros estados.

Então mano, acho que isso é tudo. Espero ter sido útil. Essa é minha versão do punk que conheci e que até hoje vivo. Acho importante ressaltar que na época que me envolvi com punk, Teresina só tinha pessoas undergrounds que ouviam punk rock ou hard core, a essência crua, rebelde, radikcl e coerente eu fui buscar fora, o que pra muita gente causou espanto e antipatia, o punk é um movimento de contracultura subversivo e revolucionário em todo aspecto.

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Jamais um movimento de relações sociais, somos ruptura, treta, marginais, nunca os bonzinhos ao olhar retrógrado dessa sociedade podre e hipócrita. Novo zine já na fornalha e um encontro punk aqui em dezembro, com indivíduos já confirmados de Belém, Macapá, Goianea, São Luis e Salvador. Se sentir a vontade e quiser chegar no encontro para vivenciar ou observar mais de perto a nossa crua concepção do punk, fica o convite.

Agora, gostaria que me respondesse, seu objetivo é documentar a contracultura punk, ou somente mais uma tese universitária? Lhe pergunto pois nos últimos anos fomos invadidos por TCCs feitos por pessoas que fizeram parte em algum tempo em suas vidas, mas hoje não representam em nada.

Fiz questão de dar esse depoimento, pois estou vivo e ativo numa cena que resiste, e sei, que muitas pessoas que passaram por essa cena se contradizem em suas vidas moderninhas estão cheias de relatos vazios e mentirosos, relatos onde afirmam fracasso e arrependimentos. Deixo claro que punk é ruptura e sempre objetiva o oposto da sociedade arcaica, quando o indivíduo não concorda em tudo e vive uma mera expectativa forçada, ele cai em arrependimentos, por isso mantemos a máxima quem é, é, quem não é, cabelo voa.

Por crer que a contracultura estava em primeiro lugar em minha lógica surreal de concepção, de fato creio que é um engano acreditar no futuro. Há razôes que não suportam tal realidade, sou bastante pessimista frente à perspectiva que vivemos:

HÁ FUTURO?                                                                                      

A VIOLÊNCIA INIBE A LIBERDADE .

DESTRÓI A INOCÊNCIA E ESCANCARA A MALDADE , EXPÕE A FACE MAIS HORRENDA DESSA VIL SOCIEDADE . HIPOCRISIA E FASCISMO COMO DOUTRINA E IMPOSIÇÂO, FALSO MORALISMO COMO ÉTICA E RAZÃO.

 JUSTIFICAM GENOCÍDIOS , TORTURAS , CÁRCERES E EXPLORAÇÂO, RESTANDO A NÓS APENAS,    RESISTÊNCIA LUTA E SUBVERSÃO, ALTERNATIVAS LIBERTÁRIAS A ESSE SISTEMA OPRESSOR DE MASSIFICAÇÃO.

UMA LUTA DE CLASSES UM LEVANTE OPERÁRIO.

FAZER DA UTOPIA UM SONHO REAL, FAZENDO DA ANARQUIA REVOLUÇÃO SOCIAL…

Minha realidade, no dia dia que vivo, ponho em prática o que acredito.

Minha realidade está focada no bem estar que posso proporcionar a minha kompa, que vivo ha 20 anos, meu filho q já tem 18 anos e minha princesa, que tem 8 anos e chama Nandara, ela se amarra q eu a chame de Daia.

Mano, por muito tempo perdi situações em minha vida por acreditar que eu era só, fiz tudo baseado em afirmações que eu acreditava ser a única verdade, assim eu cresci e amadureci, embasado numa única verdade, nunca precisei de ninguém, quando eu precisei preferi apelar e fazer por minhas próprias mãos.

Vi em sua face uma expressão de horror

Suas pupilas dilatadas contemplando o medo e a dor expondo sua fraqueza e covardia.

Acuado e  escondido você estava com medo.    

Em sua face uma expressão de horror, de medo e covardia.   

Cobaia de um sistema opressor covarde SUBMISSO, não luta nem reage.

***

AONDE O SOL SE PÕE,

ONDE NASCE A LUA,

ONDE BROTA OS FRUTOS, NOSSAS CRIANÇAS BRINCAM NUAS.   UMA VASTA TERRA INVADIDA E EXPLORADA PELA GANÂNCIA  HUMANA.  

DOENÇAS E MORTES DISSEMINADAS. 

DIZIMARAM NOSSO POVO.

DEVASTARAM NOSSA TERRA, POLUIRAM NOSSOS RIOS, NADA MAIS NOS RESTA.

NOSSAS VIDAS ERAM LIVRES.

NOS CAMPOS E NA FLORESTA ERA RICA DE TUDO A NOSSA TERRA.   

DIZIMARAM NOSSO POVO DEVASTARAM NOSSA TERRA.

O CORAÇÃO CHEIO DE ÓDIO ESCORRE SANGUE DE MEUS OLHOS.    

DIZIMARAM NOSSO POVO DEVASTARAM NOSSA TERRA.

ÍNDIO RESISTE POR SUA CULTURA,

DECLARA GUERRA….

***

FALSO PUNK

SUA MÁSCARA CAI E TORNA VISÍVEL  SUA FACE.

 MEDIOCRIDADE  E HIPOCRISIA  VEM A TONA.

O SEU EU TRANSBORDANDO FALSIDADE. 

AGORA QUE A MÁSCARA  CAIU VIVE A REMOER  NOSTALGIA. 

FALSO PUNK  CAI A MÁSCARA  UM DIA.      

PSEUDO PUNK AGORA CONTRADIZ  TUDO O QUE VIVIA… FALSO PUNK EM NOSSO  MEIO NÃO SE CRIA.  

UM DISCURSO  RADICAL, UMA POSTURA DE HIPOCRISIA.

NA RUA UM PUNK COERENTE, EM CASA  MACHISTA, IMPOSTOR  DA CONTRACULTURA….

 PSEUDO PUNK EM NOSSO MEIO NÃO SE CRIA…

EXECRAVA A SOCIEDADE, REPUDIAVA O SISTEMA.

MALDITO MODISTA  QUE USURPAVA DA LIBERDADE, MAS NA VERDADE  UM PSEUDO  PUNK, MEDÍOCRE  E USURPADOR…..

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