por Aristides Oliveira
Milena Machado é pesquisadora e amante da literatura. É integrante do Grupo de Estudos sobre o Mal na Literatura, coordenado pela professora Dra. Carolina Aquino, na Universidade Federal do Piauí. Falar do “Mal” sempre foi algo que me interessou, mas ao mesmo tempo me causava estranhamento. Convidei Milena para conversar sobre o assunto e saber mais como ela compreende a questão através da linguagem literária. Confere nosso papo!
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Pensar o “Mal” como tema de pesquisa é algo espinhoso e desafiador. Levando em consideração a vasta possibilidade de significados que essa palavra carrega, como podemos compreender sua potência no mundo contemporâneo?
O Mal passa despercebido no mundo contemporâneo e não temos como escapar dele porque ele vem de diversos lugares e pode assumir diferentes formas, é o que Bauman chama de mal líquido. Essa liquidez do mal nos deixa em constante estado de alerta, afinal, o mal que nos atinge pode vir de ameaças de bombas atômicas, governos fascistas ou do ladrão que nos assalta quando saímos na rua. O Mal também deixa as pessoas menos solidárias e diminui o senso de coletividade, pois ensina que devemos viver cada um por si, que nossa segurança é problema só nosso.
Você faz parte do Grupo de Estudos sobre o Mal na Literatura. Que pesquisa(s) você está produzindo no momento?
Minha última pesquisa foi sobre a representação do Mal no conto Johnny Panic e a Bíblia dos Sonhos da Sylvia Plath. Neste conto ela cria um ser fantástico para representar o Mal que assolava a sociedade pós guerra do século XX. É um conto bastante forte que mostra o tipo de terror que assolava as pessoas daquela época. Gostei muito de fazer essa pesquisa e pretendo continuar investigando esses aspectos na obra da Plath.
Podemos situar escritoras(es) na literatura brasileira que se dedicaram a escrever sobre o Mal e o Gótico nas suas obras? Qual a importância destes trabalhos na sua formação como pesquisadora?
Tivemos muitos autores da nossa literatura que se dedicaram a escrever histórias fantásticas e de horror no século XIX como Machado de Assis. Mas como essa não era a proposta que o cânone buscava para a literatura nacional naquela época, essas histórias foram esquecidas ou relegadas à marginalidade por muito tempo. Felizmente, aos poucos, vamos vendo o resgate desse passado que mostra a versatilidade da nossa literatura.
Eu desenvolvi uma pesquisa sobre a escassa prosa fantástica do Fagundes Varella, poeta consagrado de nossa literatura. A grande importância desse trabalho foi poder compartilhá-lo com as pessoas que não sabiam do apagamento do gótico na literatura brasileira. A internet me ajudou nesse compartilhamento e eu senti que meu dever como pesquisadora estava sendo cumprido. Minha pesquisa agregou um certo conhecimento às pessoas.
Vivemos um mundo cheio de livros de auto-ajuda e discursos prontos sobre “êxitos”, “passos/fórmulas para alcançar a felicidade” e o desgastado bordão “e está tudo bem”, clichês que beiram a positividade tóxica. Li no seu artigo sobre Sylvia Plath um trecho que me impactou: “podemos afirmar com certeza, é que o mal é terrível, ele está em toda parte e não há como escapar dele”. Trazendo essa afirmação para o contexto atual, sem pensar no artigo em si, mas imerso numa sociedade paliativa, queria saber de ti, não como pesquisadora, mas na Milena do cotidiano, a felicidade é um simulacro?
Olha, eu não gosto de ser tão pessimista, mas também não seria capaz de dizer que podemos ser plenamente felizes numa sociedade capitalista onde nossa felicidade e sofrimento não passam de formas de se gerar mais lucro. Mas é possível ser momentaneamente feliz, o amor e pessoas boas ainda existem.
Sylvia Plath é uma escritora que viveu experiências dolorosas, fruto de uma experiência gerada do terror causado pela 2ª Guerra Mundial. Assim como Franz Kafka, Virginia Woolf e Max Blecher, sua obra é marcada pela angústia constante que suas épocas refletiram. Que representatividade a obra de Sylvia Plath pode nos trazer para o mundo contemporâneo? O que ela ainda tem a nos dizer?
Eu estava conversando sobre isso com minha orientadora Carolina de Aquino. Eu me sinto extremamente conectada com os sentimentos desses autores do século passado, as suas angústias são as mesmas que a minha. Chegamos à conclusão de que também somos uma geração pós guerra, ainda sofremos com os eventos e as consequências da 2ª guerra mundial, por isso nos identificamos tanto com o sofrimento de Kafka e Plath. A Plath cumpriu muito bem o verdadeiro papel do escritor: a de produzir uma literatura engajada, comprometida com a sua realidade. Por isso ela ainda é extremamente relevante.
Como a literatura faz parte do teu dia-dia? No meio de tanta correria, o que você anda lendo? Que hábitos de leitura você elabora para acompanhar os livros que gosta no meio de tantos afazeres?
Eu não consigo ficar sem ler e leio todos os dias. É um hábito que tenho desde o ensino fundamental quando eu ainda encarava a literatura como entretenimento. Eu sempre li por prazer, então pra mim sempre foi fácil manter esse hábito. Até mesmo quando estou lendo livros teóricos e artigos acadêmicos super chatos eu sempre dou as minhas pausas para ler literatura por prazer.
Eu não encaro ler como obrigação, pra mim é como Ignácio de Loyola Brandão me disse: “Milena, literatura é a própria vida”. Nesse momento eu estou no meio da leitura de O Cemitério do Stephen King, um dos meus autores favoritos porque ele sempre consegue me surpreender.
Fala um pouco sobre a criação do Clube do Livro Café com Letras. Vocês acabaram de ler/debater Torto Arado, do Itamar Vieira e no mês de setembro, Clarice Lispector será o próximo centro das atenções, com Perto do Coração Selvagem. Você acredita que juntar uma turma para ler nos tempos que vivemos é um gesto de resistência?
Criei esse clube junto com meus amigos durante a pandemia de 2020 e foi uma das coisas que me salvaram do desespero. Então, sim, acredito que isso seja um gesto de resistência. Muitas pessoas encaram livros como algo elitista, mas meus amigos e eu viemos de escolas e universidades públicas, então, para mim, ler não é elitista, é resistência. É sempre muito bom encontrar pessoas que pensam da mesma forma, por isso os clubes de leitura são tão importantes.