por Aristides Oliveira
Viver numa cidade em que a sensação térmica é de 41° C é uma prévia do que o inferno nos apresenta, mas até o dia que nossa ida não foi agendada, podemos desfrutar do calor insuportável ouvindo boa música no Hellcore Fest (Edição Halloween), que vai rolar em Teresina dia 28 de outubro, no Centro Cultural do Centro.
Conversei com Kayo (também conhecido como Onze) e ele nos deu uma ideia sobre o festival:
“Amigão, a ideia do evento surgiu na minha em mente em um rolê bem aleatório, pensei em fazer algo temático, mas com a inserção do underground punk/metal do Piauí, por isso a ideia de chamar a galera pra colar fantasiada. O dia em si é bem foda pra se fazer um rolê desse, uma pena que nessa data há poucos rolês ou nenhum do gênero, e a minha ideia é que a galera cole de qualquer jeito, com qualquer fantasia, boa ou ruim.
Quis colocar o máximo de subcultura diferente nesse rolê. Tem bandas desde o Black Metal, grunge e hardcore-punk, tem o crossover do Mambira Trash. Seria uma forma da gente não ter desavença no meio do underground que nós vivemos. Aqui tem pouco evento assim. A diferença do Hell Core são as bandas de diferentes estilos tocando no mesmo palco e fazendo com que galeras de subgrupos diferentes e de pessoas até que não são do meio colar nesse evento somente pela temática do Halloween”.
Atenção skatistas:
“Eu fiz uma parceria com um amigo meu que ia fazer outro rolê para skatistas. Fiz uma parceria com ele que a galera que colar no Hellcore – pois os dois eventos vão rolar no mesmo dia, só que o dele vai rolar mais cedo – vai pagar somente metade”.
Como será poucos dias que antecedem o Dia das Bruxas, recomendo que compareça ao evento à caráter para assombrar geral, porque vai rolar brinde aos que vestirem as melhores fantasias.
O valor do ingresso está muito bom. Com dez reais você vai curtir Padre Alcoólatra, Cianeto HC, Miséria, Líquido Atômico, Mambira Trash e Maldito Necrotério, banda traz de volta o vocalista (Dante Galvão) da Anarcóticos, banda emblemática do anarcopunk piauiense dos anos 90.
Além dessa rede parcerias, cheguei junto ao Onze e propus que a gente fizesse o lançamento do livro Vozes do Punk, série de entrevistas que tivemos por aqui entre 2019 e encerrou esse ano. O livro é resultante do encontro de 21 nomes que marcam várias gerações do punk na cidade, bem como a presença das punks Mariam Caram (BH), Olga Costa (PB), Maria da Guerra (PORT), convidadas para narrar suas experiências no gênero.
O projeto é uma iniciativa da Revista Acrobata e do nosso parceiro Eduardo Djow. A coletânea só existe por causa da colaboração da galera, que se mobilizou na pré-venda e ajudou a série sair do formato eletrônico e se transformar em livro físico, com a edição primorosa da Editora Cancioneiro. Quem tiver interesse em adquirir o exemplo, será vendido no evento por 45,00.
Para conhecer melhor do que vem por aí, nossa parceira Patrícia Marcondes fez a abertura do livro com um prefácio muito massa: “O punk é nosso! Epopeia marginal em Tristeresina”.
“O livro Vozes do punk conta a história do movimento que atravessou a juventude brasileira a partir da década de 1980, apresentando suas dissidências e conexões, tendo como ponto de partida, a cidade de Teresina-PI. Sua força motriz consistiu na rebeldia contra o sistema, expressa de forma geral em impressos alternativos como: fanzines, panfletos, cartazes, entre outros, além das estampas de bandas de rock nas camisetas, piercings e cabelos moicanos, entre outros signos de identificação da tribo urbana que tem nas guitarras elétricas, baixo e bateria, sua artilharia pesada.
Os punks, em uma perspectiva histórica, representaram uma ruptura em relação à geração hippie e seu lema de paz e amor, motivados pelo desejo de se libertarem das normas sociais e de viverem suas vidas de acordo com seus próprios termos. Eles rejeitaram a conformidade e a complacência, e abraçaram a atitude de confrontação e desafio.
Essa postura contestadora e rebelde do punk rock teve um impacto significativo na cultura e na música, especialmente nas décadas seguintes, influenciando uma geração de jovens a questionar as normas estabelecidas e a buscar sua própria identidade e voz.
A ideia de liberdade do “Faça você mesmo” (“Do it Yourself”) rompeu com paradigmas e propôs um estilo de vida diferente daquele propagado pela ”sociedade do sucesso”, que se baseia na busca pelo dinheiro e poder dentro do sistema capitalista. A descrença nas instituições sociais e políticas uniu parte da juventude brasileira e internacional, encontrando no som visceral do punk o componente anárquico exato dessa expressão inconformada.
Inicialmente, o punk chegou ao Brasil em São Paulo, tendo como principais referências os grupos Ramones e Sex Pistols. Vale ressaltar que o punk brasileiro de forma ampla não é mera importação do movimento internacional, indo além da chamada assimilação cultural.
Trata-se de um processo subjetivo, criativo e original que permeia a identidade cultural brasileira, cuja origem parte de uma apropriação crítica e transformadora das componentes da criação e no movimento punk, também da destruição de certezas e valores. Então, o punk brasileiro é expresso do “nosso jeito de ser”, em nossa língua, o que não ocorre comumente em diversos países europeus.
Segundo Paul Friedlander em “Rock and Roll – Uma História Social” (2016, p.352): “o punk foi um estilo heterogêneo, compreendendo uma miscelânea complexa de ingredientes e orientações. Palavras eram vomitadas por vocalistas sem noções prévias de tom e melodia”. Neste sentido, Altaide Pedreira do Nascimento, o Chakal, importante protagonista do movimento punk em Teresina com a banda Obtus, postula: “Inventamos a banda pra gritar, xingar, meter o dedo na cara e dizer: você é um escroto e todo mundo sabe o que você faz!” O estilo punk é implosão e explosão de sentimentos, pulsão de morte, uma relação dinamitada pelo próprio sistema que o criou.
Nesta obra, organizada por Aristides Oliveira, Dante Galvão e Eduardo Djow, vislumbra-se toda a cena underground construída na tórrida Teresina. Através de entrevistas e profícuo material de época (jornais, revistas e panfletos), se adentraram nas memórias relatadas por seus participantes que vieram na esteira de um contexto histórico sombrio balizado pela ditadura militar. As memórias como se sabe, são dinâmicas e se relacionam intrinsecamente com a história do tempo presente, portanto, o avivamento dos anos de repressão em meio às ameaças autoritárias dos últimos anos são sentidos pelos artistas que fizeram toda a mágica acontecer e que mantém de forma essencialista a chama da indignação acesa.
Os depoimentos do livro foram realizados em clima informal de bate-papo e os leitores | leitoras de alguma forma se sentem convidados a participar, ressignificando suas próprias memórias em relação ao tema e à época. As histórias relatam também os lugares onde o punk acontecia em Teresina como o Teatro do Boi e o bar Elis, a exemplo, que aparece em vários depoimentos. Outra recorrência é a da importância do Grupo de Estudos Anarquistas (GEA) que se propunha a debruçar sobre os conceitos principais do anarquismo, perceptível nas produções da época.
A epopeia outsider começou com o grupo Grito Absurdo (1987-1988) que revelou não apenas uma preocupação política, mas também estética, inserindo a poesia de Fernando Pessoa, com inspiração direta nas aulas e pesquisas da professora Dorinha (UFPI).
Dentro da perspectiva interartes inerentes à época, este grupo mesclou o punk com a literatura, a dança e o teatro. Tal iniciativa não agradou a todos, mas realmente esta nunca foi a perspectiva dos punks, como afirma Eduardo Crispim da banda Obtus: “Não era música para agradar, e sim, para agredir”.
Na esteira do grupo Grito Absurdo, outros surgiram, cada qual com sua especificidade, mas unidos na proposta anti-sistema: Obtus, Verme Noise, Fimose, Anarcóticos…
Em um primeiro momento do livro, surgem as vozes dissonantes de protagonistas dessa cena: Fábio Almeida de Carvalho, Jorge Oliveira, Eduardo Djow, Chakal, Fernando Castelo Branco, Bayaku, Zé Nildo, Eduardo Crispim, Makline, Vidal Neto, Jairo Mouzinho, Heitor Matos, Sid Blues, Fofão, Demetrios…
Posteriormente, o livro conta também com a participação de três grandes pesquisadoras punks convidadas, enriquecendo o debate. Em “As Lutas tem canções”, a professora Paula Guerra, (PORT) do Departamento de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), apresenta o itinerário em que se apresentou o punk na sua trajetória de vida e pesquisa. Ela ressalta também sobre os alcances e desafios da inserção dessas culturas marginais juvenis nas universidades de forma geral, e especificamente, em Portugal.
Em “As Frequências sonoras de Olga Costa” (PB), a jornalista cultural e com uma longa estrada no cenário da produção musical, conta sobre sua experiência com o punk rock e compartilha sua trajetória, uma verdadeira inspiração a todas e todos os amantes da música pesada em suas diferentes nuances.
E para finalizar, temos a pesquisadora musical Maria Caram (MG) e seu depoimento intitulado “A força da sonoridade feminina no cenário independente” em que nos apresenta questões relacionadas à mulher em um campo eminentemente masculino como o rock. Produtora de eventos na área musical e estudiosa da música feminina nacional e internacional, transita entre o indie, o eletrônico e o punk e nos revela sobre o duo musical com Olga Costa, denominado Motosserra.
Foram muitas as vozes do punk que compuseram o cenário de Teresina, todas viscerais no som e na crítica, postulando contra toda a forma de poder e marca de gado no ser humano a fim de normalizá-lo. Vozes que alcançam o século XXI ainda como transgressoras”.
Até dia 28! Nos encontramos no CCC!
Eu vou pra esse evento e vou querer um e exemplar do livro