Lia Testa (PR/TO). É professora de literatura, poeta e colagista. Trabalha com colagens feitas à mão. Suas composições de “obras-colagens” exploram procedimentos de justaposição e de sobreposição de imagens. Suas últimas séries de colagens tratam de temas relativos ao erotismo e seus atravessamentos, explorando o nonsense como fio condutor Também é autora dos seguintes livros de poesia “guizos da carne: pelos decibéis do corpo” (SP/Poesia Menor, 2014) e “sanguínea até os dentes” (SP/Patuá, 2017).
Inicio com uma pequena narrativa, ouçamos:
· A COLAGISTA ·
· uma pequena colagista nasce todo dia ·
· uma pequena colagista morre todo dia ·
· [tesoura] ·
. uma pequena colagista pensa com a mão ·
· uma pequena colagista pensa que pensa com a mão ·
· uma pequena colagista pensa a mão ·
· [mão] ·
· eu sou colagista?! ·
Para a pergunta que encerra a narrativa que está no meu primeiro livro de artista (“A colagista”, 2019), arrisco uma possível resposta: se eu for uma colagista (conforme minha busca artística), o serei in statu nascendi, envolta em processos de relações/conexões. O FASCÍNIO, O DESEJO E A GÊNESE “INICIAL” DO PROCESSO: sair em busca de uma cadeia (possivelmente infinita?) de imagens (nada nasce ex nihilo) e convergir diferentes caminhos, para estabelecer uma pós-produção do mundo (usar as “imagens” que estão à nossa disposição ou nas tramas da cultura), compreender a arte como um espaço de relações intercambiantes (divisor de águas, a leitura de Nicolas Bourriaud) e moventes, com procedimentos circunscritos em um regime de encontros “casuais” (in)tensivos, para criar condições de elaborar “reciclagens” de materiais existentes, fazendo, com isso, (re)exposições de ideias. (RE)utilizar imagens da cultura visual disponíveis nas mídias impressas, multiplicar, recodificar um repertório de formas, recorrer constantemente à formas já produzidas pelos meios de comunicação e pelas mídias impressas. O QUE FAZER: utilizar um estoque de dados já existentes (recorrer às diferentes imagens impressas em papel e/ou outros materiais), selecionar, recortar, manipular, reordenar, colar etc., para criar e projetar enredos possíveis, a partir de numa negociação quase infinita e aberta, para (re)ativar pontos de vista que podem alimenta a nossa imaginação. CAIXA DE FERRAMENTAS: uma gama de imagens existentes no mundo, “[…] nenhum signo deve ficar inerte, nenhuma imagem deve ser intocável. A arte representa um contrapoder.” (BOURRIAUD, 2009). A COLAGEM: uma técnica para “[…] a exploração sistemática do encontro casual ou artificialmente provocado de duas ou mais realidades estranhas entre si sobre um plano aparentemente inadequado, e um cintilar de poesia que resulta da aproximação dessas realidades” (ERNST, 1974). Combinar e experimentar a ideia de montagem na colagem. Juntar, reunir, rearranjar etc., para surgir algo “novo”. Contudo, nada é original, tudo é colagem, “Por que há algo, e não nada? (HEIDEGGER E LEIBNIZ). A colagem envolve procedimentos de escolha, de (re)agrupamento, de dispor composicionalmente as partes ou de ações de rearranjos. FRAGMENTOS DE IMAGENS, RECORTES, APROPRIAÇÕES DE MATERIAIS VISUAIS: diferentes materiais podem levar a uma expansão do pensar e do sentir o mundo. A imagem existente vai de um lugar a outro: processo de apropriação, ou desvio e “saques” de imagens, para criar outras relações ou “novas” narrativas. As imagens (que podem ser fragmentos, recortes, pedaços rasgados de papéis etc.) são vasos comunicantes e estão vinculados às relações culturais no tempo e no espaço. No mundo que vivo, transito, observo faço a coleta daquilo que me interessa (ou daquilo que mais me toca sensivelmente), assim, busco aproveitar do meu entorno (viso aqueles materiais disponíveis nas mídias impressas). Por isso, por meio dos materiais coletados, concretizo/materializo uma série de obras-colagens, que passam a pertencer ao meu processo de criação (processo e obra: MESMA COISA não se separam). EROTISMO: estoque estético e político para a minha práxis artística, “[…] cadeia infinita de agregação de ideias […] série infinita de aproximações (CALVINO, 1990). Um potente caminho a ser percorrido. Postura ultrainsight, linha de vitalidade e de potências criativas, o criar é um estado permanente de transformação e mutação, um input para a concretização de diferentes séries de colagens, sigo no contexto erótico, porque “[…] o que está em jogo no erotismo é sempre uma dissolução das formas constituídas [da vida social e regular] […]” (BATAILLE, 2014). POSSIBILIDADES DE CRIAR: o que busco explorara e expressar nas minhas obras-colagens são formas de continuidades da vida, em vias de um erotismo apreendido e tomado, como perturbação e desordem ao máximo [ato político e estético]. COLAGENS ERÓTICAS: qualquer corpo que se abre à continuidade dos seres, especialmente, por meio da nudez, dos “canais secretos” (para usar uma expressão de BATAILLE) nos dão o sentimento da obscenidade ou dos estados eróticos. Minhas últimas séries de colagens tratam de questões e temas relativos ao erotismo, e seus atravessamentos, tendo como fio condutor o nonsense. O GESTO MANUAL: promessa de afirmação de vida, procedimento dispendioso de energia (não acumular nada, gasto imenso de tempo e de quantidades de energias), exercício de agitação febril, prodigalidade, energia viva, orgias das mãos, festas de imagens [olha e mãos], o gesto manual faz fusões estranhas e provocantes. PROCESSO DECOLAR: vício, obsessão, deleite moroso, o porvir à necessidade de criar [O DEVIR], signo da ação, do ato, do prazer de fazer; uma espécie de jogo – um aspecto comunicacional – constructos precisos (preciosos), operação de movimentos e gestos, um coabitar de referências e de colaborações mútuas (envolve todas as partes do corpo). OS LUGARES OU TOPOI: além-fronteiras, fantasia, inventação de mundos possíveis, o erótico rearranjado, lugares [de corpos] possíveis, um acontecimento, uma efetivação, uma liberdade, o prazer – o deleite estético – uma prática que é pensada, o erguer de vozes, local de interação (ou interações). I now. That’s what makes it so sexy [Eu sei. Assim fica mais excitante]. ceder aos impulsos: explorar o criativo, (re)viver a criação, a dança do criar – as delícias e as angústias do processo de criação. MONTAGEM/COMPOSIÇÃO: Pensar isto & aquilo, pensar o suporte, os materiais, ter atração por reunir as imagens. voltar sempre à imagem: olhar, como se visse um “mar sem fim”. LOGO, romper com o lógico, e ouvir os diferentes chamados da criação. fazer sempre uma caçada de imagens eróticas, desejar que a composição se torne híbrida de linguagens instigante. buscar uma manutenção (contínua e de encontros auspiciosos) de imagens, para elaborar/criar/tensionar diferentes relações de imagens //o jogo não acaba. nunca acaba//. OINEVITÁVEL: me deixar “afetar” pelas imagens, criar ou reforçar o jogo erótico, em diferentes camadas e contextos. – FASCIA PECTORALIS CXXXIV – “Fascia, crescentes dominae compesce papillas, / Ut sit quod capiat mostra tegatque manus” [“Comprime, de minha amante, os dois seios em botão/ Para que caibam sempre no oco de minha mão”, de Marcial, do livro XIV, epigrama 134].