Anna Helena Oliveira, Teresina-PI. Aos 18 anos, fui para São Paulo-SP me aventurar em cinema, na busca de encontrar minha paixão. Lá cursei audiovisual por 4 anos no Centro Universitário SENAC. Nesse caminho, estou morando na cidade da garoa por 5 anos. No curso descobri uma parte da história de Teresina, através do meu TCC, que é pouco divulgada, dessa forma consegui me conectar com a minha cidade natal mais profundamente.
Este texto nasce pelo singelo desejo de uma estudante curiosa sobre o cinema teresinense, cidade onde ela morou até os seus 18 anos. Antes de começar a escrever sua monografia, ela não tinha nenhum conhecimento prévio do cinema da capital do Piauí. Desde as fitas de super 8 dos anos 60 de Torquato Neto, passando pelas obras de Douglas Machado nos anos 2000, até o movimento dos coletivos no final dos anos 2010, toda essa bagagem cultural lhe foi ocultada durante o período em que ela morava na cidade.
Com os estudos iniciais, essa estudante encontrou uma gama de realizadores do passado e do presente que movimentaram e movimentam, o audiovisual de Teresina, fazendo com que ela quisesse entender quais as modificações dentro do cinema municipal que ocorreram desde os anos 1980 até os anos 2010, quais os aspectos que se mantiveram presentes até a década de 2010 e quais as características que são específicas de cada grupo. Para esta finalidade o presente texto irá comparar o filme do Grupo Mel de Abelha: Espaço Marginal (1981)com o filme do Coletivo Labcine: Bloco das Xanynhas Edição 2019 (2020).
Discutir sobre o cinema de Teresina é importante, para que os registros da cidade e a visão dos realizadores não sejam perdidos, associado a isso, o cinema do Piauí não é mencionado nos livros de cinema e pouco ou nada debatido dentro dos espaços acadêmicos. Rosa Silveira Rocha (2011, p.19) reforça esse debate em sua dissertação, ela compara o descaso das grandes mídias do cinema piauiense com o descaso para com o cinema nordestino: “ a centralização da produção cinematográfica nacional que favorece, muitas vezes, o fortalecimento de estereótipos que se cristalizam ao longo de décadas.”
COLETIVO LABCINE E GRUPO MEL DE ABELHA
Os grupos que são mencionados aqui, possuem diferentes trajetórias. O Grupo Mel de Abelha nasceu dentro dos muros da UFPI, o mais comum é supor que o grupo é descendente de cursos como: Comunicação Social ou Artes visuais mas não, esse grupo originou-se no curso de Engenharia Civil em 1978, tendo como integrantes: Dácia Ibiapina, Luís Carlos Sales, Valderi Duarte e Socorro Melo. O Cineclube Teresinense ajudou e serviu como um impulso para as produções do Mel de Abelha, com câmeras e rolos de fita[1].
No final dos anos 2010 temos o Coletivo Labcine. Este coletivo surgiu na Universidade Federal do Piauí (UFPI) em 2017, durante o curso de Jornalismo. Labcine é a junção de duas palavras: laboratório e cinema. Remete a ideia norteadora do grupo: núcleo de pessoas que dividem experiências cinematográficas, tanto práticas, quanto teóricas. Este coletivo não tem uma formação fixa, há um trânsito de pessoas de acordo com a produção a ser realizada. Os integrantes do grupo são: Milena Rocha, Fabrício Campos, Germano Portela, Marcus Sousa, Weslley Oliveira e o Leonardo Mendes e a Renata Fortes, são os membros que mais atuam nas atividades do coletivo [2].
Estes grupos possuem uma grande diferença histórica. O grupo Mel de Abelha está situado em meio à ditadura militar brasileira (1964-1985), onde haviam muitas leis que restringiam a liberdade de expressão. Associado a esse ponto, eles utilizavam câmeras Super. 8. Essas câmeras na época, eram muito comumente usadas para gravações de vídeos caseiros, além de ser portátil, a revelação era mais acessível. Já o Labcine nasce em um momento histórico menos repressivo, onde se existe mais liberdade de expressão. Os equipamentos usados dão a eles mais possibilidades de explorar outros tipos de texturas de imagem. Além de possuir mais memória, possibilitando a eles prolongar as gravações.
Em relação aos filmes Espaço Marginal (1981)e Bloco das Xanynhas Edição 2019 (2020), eles mesclam dois modos de documentário: O poético e o expositivo. Segundo a definição de Bill Nichols (2001) o modo poético deixa de lado a narrativa linear, dando assim, abertura para o enredo explorar os vários modelos de organização do tempo e do espaço, como: associações, ritmos temporais e justaposições espaciais. A visão se volta para o abstrato e é pautada nas emoções que os realizadores pretendem expor. Sendo a fala um elemento pouco explorado. Em contraponto, o modo expositivo, de acordo com Bill Nichols (2001), traz a fala como elemento central, a imagem é apenas um complemento do que está sendo dito. A mensagem é transmitida por meio de uma linguagem direta, didática e seguindo a narrativa linear.
Essas classificações estão presentes nos dois filmes de modos distintos. No filme do Coletivo Labcine, o modo poético se manifesta na introdução e nos momentos de entreato. Através de um conjunto de elementos que remetem a linguagem do videoclipe. Como o uso do corte seco, quando corta da cena da introdução para a barra de cores. Efeito de câmera acelerada (time-lapse), como no terceiro entreato em um plano onde há duas mulheres sentadas fazendo movimento que rementem aos gatos. Um curto tempo de plano, nos planos dos entreatos a duração é menos de 10 segundos. O uso constante da câmera na mão é perceptível, pois em todos os planos existem um leve tremor na câmera. A utilização de elementos que remete ao videoclipe traz uma imersão do espectador nesse caos, que uma festa ao ar livre, pode representar. Todos esses itens mesclados, possibilita que a audiência saia de espectador para participante. O modo expositivo é encontrado nos momentos de entrevista. No filme Bloco das Xaninhas edição 2019, as entrevistas utilizam a linguagem coloquial. Fazendo assim, com que a mensagem consiga ser mais facilmente absorvida por quem está assistindo, além de possibilitar a fácil compreensão para todas as classes sociais. A imagem a seguir retrata este exemplo.
Em Espaço Marginal, filme do Grupo Mel de Abelha, a aproximação do modo poético está nas cenas onde o personagem andarilho caminha pela cidade observando as pichações ao longo do seu caminho. Neste momento, o foco está em fazer com que o espectador leia cada pichação que está na imagem, as pichações ficam na tela tempo suficiente para o espectador as ler. Junto a isso o personagem andarilho não é desenvolvido, o filme não expõe nada sobre este homem. Neste momento do filme, a fala não tem um espaço relevante, pois não existem falas nesta ocasião. Em algumas cenas, não está claro se o personagem se encontra no mesmo tempo e espaço das pichações, tendo em vista que a montagem é plano contra plano, existem poucas cenas onde o homem está no mesmo plano das pichações. A inserção do sociólogo José Medeiros explicando as pichações traz características do modo expositivo, “Os documentários expositivos dependem muito de uma lógica informativa transmitida verbalmente. Numa inversão da ênfase tradicional do cinema, as imagens desempenham papel secundário.” (NICHOLS, 2001, p. 143). Nessa parte do documentário a transmissão de conhecimento é essencialmente oral, diminuindo a importância da imagem.
Juntamente com as semelhanças da linguagem dos filmes, os dois coletivos possuem uma organização interna muito semelhante. Como a não hierarquização dentro do coletivo e o uso majoritário de produções documentais em forma de curta-metragem.
Tendo uma organização mais igualitária, eles quebram com o padrão de produção do cinema industrial. Não há uma sobreposição de um integrante perante o outro, todos exercem suas funções em uma organização linear. Nesse modelo, uma pessoa pode ter mais de uma função dentro de uma única etapa de produção e/ou uma função em cada etapa de produção. Além disso, existe a participação colaborativa de várias pessoas dentro de uma mesma função. O rodízio de atribuições é constante. Não existe, entre os integrantes do grupo, uma pessoa encarregada de ser, por exemplo, o/a diretor/diretora em todas as realizações do coletivo. A divisão de cada função obedece à proposta de cada projeto e do desejo individual de exercer uma determinada função. Pode-se verificar esse fato através dos créditos dos filmes analisados. Por exemplo, em Espaço Marginal o crédito ao filme é construído para favorecer o coletivo como um todo, a primeira imagem do filme indica esse posicionamento através da afirmação: “Grupo Mel de Abelha apresenta”, como na imagem a baixo. Assim como no filme anterior, no filme Bloco das Xaninhas edição 2019, o nome do coletivo é a primeira imagem a surgir.
Os grupos têm, a maioria de suas realizações, voltadas para o uso de documentários no formato de curtas-metragem. Pois, a utilização desse formato tem funcionalidade tanto financeira, quanto conceitual. Primeiramente por ser um formato mais maleável de ser trabalhado, pois para a produção de um filme de ficção é necessário de uma série de aparatos que aumentam o orçamento, em comparação ao documentário[3]. Com isso o uso do roteiro aberto, ou seja, o roteiro dá uma sugestão do que deve ser ou não filmado e a locação, e outros fatores, vão determinar o que será gravado. Para os grupos, o documentário também é uma forma de posicionamento político, um meio para afrontar os meios estabelecidos no mercado e ressaltar a vida de pessoas menos favorecidas.[4]
Por fim, podemos perceber que os coletivos aqui citados, possuem muitas similaridades apesar de ter passado mais de 30 anos. O texto demonstra que o cinema de Teresina ainda possui pessoas que o movimenta nos dias atuais. É um cinema que se adapta tendo em vista, o uso de equipamentos acessíveis para cada época. Como eles não possuem uma educação acadêmica dentro do Estado, todas as realizações são uma nova oportunidade de aprendizado e para isso eles precisam recorrer a uma linha de produção, fora dos padrões de mercado industrial e assim realizar um cinema adaptado à realidade da cidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FILMOGRÁFICAS
BLOCO das Xanynhas Edição 2019. Coletivo Labcine. Teresina 2020. MP4 (11 min.), son., color. Disponível em: <https://drive.google.com/drive/folders/1nd8EUlCyaurEgphkS1QgGPYQQeHHebzz?usp=sharing>. Acessado em 2 março 2020.
ESPAÇO Marginal. Direção Luiz Carlos Sales. Teresina: 1981. Super-8 (8 min.), son., color. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=vDHD3qt8NmE&t=304s>. Acessado em 2 março 2020.
IBIAPINA, Dácia. Depoimento concedido a Anna Helena P. Oliveira em maio de 2020.
NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas, SP: Papirus, 2005. Disponível em: <https://cadernoselivros.files.wordpress.com/2016/08/nichols-b-introduc3a7c3a3o-ao-documentc3a1rio.pdf.>. Acessado em 25 fevereiro 2020.
OLIVEIRA, A. Uma face do cinema teresinense. Monografia (Bacharelado em audiovisual) – Centro Universitário SENAC. São Paulo, p. 64. 2021. Disponível em: https://1a5fa3db-7491-4763-9729-c74a68bc31b3.filesusr.com/ugd/842778_fbb9128159564a849e488a390abed6ac.pdf Acessado em 09 de julho de 2021.
ROCHA, Milena. Depoimento concedido a Anna Helena P. Oliveira em janeiro de 2020.
SILVEIRA ROCHA, Rosa Edite da. Narrativas audiovisuais no Piauí: Cultura e sociedade na linguagem do cinema. 2011. 175 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação social) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação social, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo / SP, 2011 <http://tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/607/1/Rosa%20Edite%20da%20Silveira%20Ro cha2-60.pdf>. Acessado em 17 fevereiro 2020.
[1] IBIAPINA, Dácia. Depoimento concedido a Anna Helena P. Oliveira em maio de 2020.
[2] ROCHA, Milena. Depoimento concedido a Anna Helena P. Oliveira em janeiro de 2020.
[3] PORTELA, Germano. Depoimento concedido a Anna Helena P. Oliveira em janeiro de 2020.
[4] ROCHA, Milena. Depoimento concedido a Anna Helena P. Oliveira em janeiro de 2020.
Parabéns, Ana Helena, pelo resgate a nossa cultura.