Sílvia Schmidt é natural de São Paulo, morou no Nordeste e Sul do Brasil, saindo de Florianópolis em 2000 em voos mais ousados para Inglaterra e EUA, com o objetivo de estudar o idioma inglês. Formou-se Letras em Lorena-SP. Especializou-se em Comunicação e Semiótica na PUC/SP, Sociologia e Política/ USP, e Ontopsicologia em SC. Por 16 anos ministrou aulas de Literatura Brasileira. Em 2014 cria a editora para livros eletrônicos a Símbol@Digital quando lança seu romance de estreia Duty Free (2000) em formato epub durante residência artística na CASA DO SOL, em Campinas, no IHH (Instituto Hilda Hilst). Em 2017 ao entrar no coletivo Mulherio das Letras, cria a #LivrariaMulherio das Letras, espaço físico nas cidades de Poços de Caldas-MG e Paraty-RJ para comercialização e distribuição de obras literárias, assim como local para lançamentos e eventos em literatura feita por mulheres.
Pirilampos penetram pelas finas frestas da janela. Enamorados pela luz repelente amarela? Uma contradição. Seu lume lusco fusco verde azul, por entre corpo pesado e asas secas quebradiças, quicam oxiluciferinas pra lá e pra cá. Em voo baixo, batem nas paredes limites do quarto onde, profundamente, dorme Catarina. Entrava o solstício de verão, bom para exercícios matinais, não fosse o petrichor, odor deixado pela chuva ao cair em solo seco e nas pedras, cuja lama da enxurrada, que caíra noite à dentro, faria deslizar qualquer um que tentasse se exercitar. Um perigo.
Desperta com o farfalhar do pequeno inseto luminoso a cintilar verde e azul. Assustada, submerge. O silêncio, seu mais desejado objeto de consumo, interrompido. Sono profundo. Inseto, pessoa e o tempo, nosso ambiente ou cenário, para estes factuais relatos. Deita-se novamente procurando aquietar-se após o susto e a impossibilidade. Poderia ter sido uma das frequentes aranhas. Ou o escorpião com o qual se deparara na semana passada. Dois. Um numa noite. Outro em outra noite. Dois sustos a regelar seu corpo. Eles, rasteiros, forasteiros. Duas chineladas certeiras. Sonhou que pisava em um ninho de escorpiões albinos. Pequenos sob a barra das calças, encostando nas bordas dos seus pés descalços. Ao se levantar, neste dia nublado, abriu a janela de madeira com grandes frestas. Trabalho para um marceneiro e lá, mais um vaga-lume morto na tentativa do aconchego, enquanto de longe, vinham-lhe grunhidos graves, diálogos entre seriemas. Próximos e sequenciais. Pássaros em revoadas. Sua orquestra matinal. O mugido do gado, o cacarejar das galinhas até o entardecer, sinfonia que era finalizada com a grandiloquência das cigarras e a algazarra das maritacas. Vespas navegando por sua sala, por sobre sua cabeça. Ainda zonza e sonolenta. Procuravam caminhos por sua casa por passagens já abertas. O Besouro, o mosquito, as borboletas. Alguns cadáveres, perdida a estrada, as frestas de entradas, ali, calabouço.
Os rapazes apicultores, mais tarde, chegariam da captura de abelhas e contavam com a mesa redonda posta, alimentos fartos cultivados na horta, os sorrisos de alegria, as histórias contadas durante a refeição. Boas-vindas aos convidados nesta casa de acolhimento. De economia solidária. Repleta de livros e música de mestres da viola. Cerâmicas rústicas e instrumentos pra serem tocados ao redor do fogo. Local de estudos antropológicos. Festas de entrudo. Do Divino. Saraus para o público jovem. Vivencias artísticas. Bordados. Tapeçaria. Teses de mestrados e doutorado. Amigos sazonais apenas de passagem. Sentados em um grupo de seis, começaram as suas falas:
– Mais hidromel? Podem se servir à vontade, viu gente? Este trem de hidromel é bão mesmo, ô coisa pra dar energia e refrescar. Pegamos tanto favo, e as beinhas todas capturadas, deu um trabaio que só, tavam perdidas do conjunto. Coisa linda, não foi, Chico? E eu nem luva usei, capturei as bichinhas sem luvas vei, tudo no amor. Bão mesmo são as nativas, sem ferrão, umas belezinhas, voando ativas pra cumprir suas missões.
– Cê é louco, mano, vai que elas inventam de te atacar. – repreende-o o parceiro Adriano.
– Nada vei, é na experiência mesmo. Atacam nada, estão sendo salvas, dirigidas à rainha, ficam é gratas, bicho mal é nós, vei, tudo gente sem coração. – responde Fernando agitado, entre um gole e outro do fermentado, e continua, sôfrego, sem pausas – Compramos queijo cura, vamos fazer um macarrão com legumes, coisa linda a estrada e a lua lá no horizonte branqueando a Pedra Branca, eu tava era na contramão, perdi caminho, essas entradas enganam a gente, mano, mas eu tava era pensando mesmo no curso, o professor que vem vindo aí é o conhecedor da produção de mel, sabe muito, não poderia ter ido para cidade sem antes fazer este curso, apareceu assim do nada, me chamaram eu fui, ta aí, abundância de colheita, bão que eu já engarrafei e levo pra feira, dinheiro tá curto, veio, mesa farta hoje.
Enquanto o alimento fumegava no fogão de seis bocas, o movimento entre os convivas e a alegria tomavam conta do espaço, com risos soltos, quase algazarra, os moços estudantes, o professor introduzido ao grupo. Uma noite ou duas, no caso, ficariam estes moços, para somente então, voltarem para sua base. Ele, professor e também produtor em empresas de grande porte histórico, era crítico às questões do trabalho, dos bichos e da humanidade.
– Não se come carne na Rosa dos Ventos, então vou respeitar, trouxe sardinha, levo de volta. Estas coisas de lata e facilidades, então vamos ao que temos. Um tiquinho de vinho sim, eu quero. Desde cedo na instrução. Olha, peguem estas apostilas, tudo que precisam saber do comportamento das abelhas está aqui, itens de socorro em caso de enxame, resgate da colmeia, espécie, polinização, as nativas, preservação, manejo e interação entre ápis e vegetal. Uma riqueza sem fim. Necessária e vital para a humanidade.
Enquanto isso, ao lado, as amigas Catarina e Joana, ajeitavam à mesa seis pratos, copos e talheres, os descansos de madeira para as panelas de barro. A casa central era um local de encontros também para os moradores da pequena vila rural. Da casa, das águas, da paz, da solitude, da pedra, do sol, da mata. Uma ecovila cultural. Há vinte e cinco anos instituída para a preservação da mata, trocas simbólicas, a partir da sabedoria de Carlos Rodrigues Brandão. Douto visionário.
Assim, não faltavam utensílios fabricados à moda antiga, eram de bronze, barro e metal. Nada de modernices. A Casa Grande era um projeto simbólico perpassando a lógica colonial. “Quem cozinha, a louça não lava”, era ali um dito escrito na parede, colado, e atenção aos alimentos naturais. E horas para as boas palestras. Rituais.
– Não te contei este caso não foi, Joana? O do João, chamavam-no de João Belo, um eremita aí do bairro de cima, o Maranhão. Fomos dar uma volta na região, passeio simples de fim de semana e chegamos à casa no fim desta estrada esburacada, empoeirada. Um sítio ao pé da serra. Cuidava o velho sozinho lá. O fim da estrada dava nesta casa de alvenaria. Parecia mesmo abandonada. Chegamos à porta de entrada do sítio que ele cuidava. Batemos palma. Queríamos saber se haveria como continuar. O velho saiu descabelado, cabelos secos, longos e brancos, sem camisa e um tacape na mão. Assustado. Olhos azuis, azuis de um brilho incandescente, quase luz em pele queimada do sol. Proseamos foi é muito. Prosa boa, de sorriso farto. Falava ele, desdentado, com dificuldade, um octogenário magro, magrinho de dar dó. Músculos aparentes, veias saltadas pela força necessária para a lida no campo; os proprietários das terras mal apareciam, os filhos, muito menos. Tudo quase largado no entorno do casebre, disse-nos que tinha sido arrastado quase até a morte por um de seus bois. O bicho se enfezou com ele. Sabe não por quê, olhou nos zoinhs dele e, de longe, veio pra cima, o chifre não lhe vazou por sorte. Corpo pequeno, puro osso. Sua largura coube exatamente no diâmetro de um chifre ao outro. Contava e ria de si, de seu tormento. Um eremita. Um velhinho no abandono, não ficamos nem vinte minutos, não queríamos incomodar, não cheirava a álcool. Nem a café, não havia sequer fumaça de alguma chaminé. Disse-nos que nem os filhos nem o proprietário não ligavam para as terras e os homens da mineração às vezes chegavam lá praquelas veredas, com algum alimento pra ele. Por vezes pegava sua mula e ia até a cidade, ou mesmo a pé, cruzando o mato. Fiquei besta com sua natividade.
– Vejam, o macarrão está pronto, vamos servir. Todos para a mesa, o jantar está quente, basta pegarem no fogão.
Enquanto se serviam os visitantes, os senhores Jataí, Iraí, Uruçu e Tujuba conversavam também e continuavam a interpelar o professor apicultor. Perguntas mil à volta de seus pratos fumegantes, um copo de hidromel, a bebida dos deuses, e garfadas de massa.
– Isso, meninos, a geleia real não é mel, nada que ver com ele, a geleia é uma secreção glandular, à semelhança do leite, porem gelatinosa e de sabor ácido. Uma colmeia normalmente apresenta três castas, rainha e operária são fêmeas e o zangão, macho. Somente a rainha é hábil para a postura, são dois tipos de ovos: o não fecundado, que gera o zangão, e o fecundado entre zangão e rainha, que gerará as operárias. – resume aos alunos interessadíssimos, até que uma das mulheres solta a seguinte exclamação:
– Operárias ou filhas escravas, professor? – pergunta, rindo de sua sacada.
– Mas também reprodutoras de novas rainhas, sim, são elas, as operárias que vão à procura de um alvéolo que contenha um ovo diploide fecundado de até três dias de idade, nutrem-no com a geleia real para alargarem-no substancialmente. São abelhas nutrizes, as operárias.
– Coisa linda, um serviço de resistência então, professor – completa Catarina, olhos atentos.
– Sim, sem dúvida. Muita informação e experiência existem na vida coletiva das colmeias. Eu mesmo não me canso de estudar. Pra vocês verem, a terra germina uma semente com seus micronutrientes, dali sai o caule, em seguida as folhas, as flores, para uma abelha pousar e dela subtrair o pólen. Polinizar novas sementes. Uma sucessão inteligente. A vida, a natureza.
– Que lindo isso, professor. Faz todo sentido, poesia pura. – complementa Joana.
– Faça o curso, Catarina, quando tiver tempo, uma forma de você obter sabedoria também.
Os pares se formavam enquanto garfadas generosas eram sofregamente sorvidas por todos, à volta da mesa redonda, interseccionando pares que, de modo espontâneo, conversavam temas paralelos e diversos.
– Cê vê Fernando, ficamos tão sem alimentos aqui na Rosa dos Ventos, embora o entorno seja um cinturão de produtores agroecológicos, orgânicos, eu não os alcanço. Vim para a roça para me alimentar com mais qualidade, plantar e produzir, mas não tenho conseguido sustentabilidade total. Há momentos que fico zerada de produtos. A alegria é quando ocês vem da cidade e trazem, além de muito alimento, estas iguarias que faltam aqui na roça.
– Ficaríamos sem o paradoxo, este eterno paradoxo, não é mesmo? – lembrou a todos, Antônio.
– O jantar está uma delícia para falar nisso. Agora, depois deste curso em curso da boia, hora de um fuminho.
– Bora lá, seus maconheiros. – responde Fernando, rindo e fazendo pilherias, enquanto jogava seus longos dreads às costas.
– Maconheiro não, c.a.n.a.b.i.s.t.a. Estudioso da planta, da sua capacidade dopativa, medicinal – completa senhor Jataí, o Biólogo.
– Hahaha. E lá vamos nós: paieiro, vinho e viola. Trem bão que nem esse tem não, gente. – completa Fernando.
A conversa ao pé de ouvido vazava a varanda, a cozinha e os espaços de convívio, significada por muitos símbolos “Não como nada que tenha rosto”, “quem cozinha, a louça não lava”, “lei do destino, que todos se aprendam” (Holderlin). Assim como as vozes da noite estelar em sollunar de beleza e amplitude. A preguiça dos corpos. Os copos largados à pia. Toda uma atmosfera de alegria e contemplação sobre a vida, sua produtividade e situações adversas. Complexas.
– Não terminou sua historia, Catarina, falávamos do tal eremita. E então? – pergunta-lhe Joana, atenta. E continua à amiga– Você não me disse o final, o que aconteceu então, depois desta ida, desta visita?
– Sim, é verdade, pois não é que eu soube pelo casal que teria me levado neste dia a caminho do Maranhão que este senhor veio a falecer? Encontraram-no em putrefação alguns meses depois desta nossa visita-ocasião.
– Mesmo? Não acredito.
– Disseram lá nas Caldas que foi de insuficiência alimentar.
– Insuficiência alimentar, o pobre?
– Veja você, deve ter sofrido enquanto ali pastorava o gado, minério e terra seca, sim, porque é uma secura aquele lugar, e quando chove também é de lascar. Não para nunca. Pobre do velho, sem família, sem mesmo patrão, nas distâncias e na impossibilidade. Eu o vi sofrer na dimensão do nada.
Os seis integrantes, neste encontro ocasional, sentaram-se à volta da fogueira lá no alpendre, ouvindo um canto e outro, nutriam-se como podiam e, com os olhos fechando, sonados do longo dia de trabalho, procuravam seus lugares de descanso. Amanhã seria outro dia. E tudo começaria outra vez. Cursos, viagens, administração. Pirilampos encurralados pelas frestas das janelas, abelhas fabricando colmeias, vitalidade e geleia real, sua continuidade. Vida em formação.
Horas mais tarde, já em seu quarto, Catarina deparou-se com uma aranha armadeira descendo a porta do armário, o corpo regelou-se, respiração ofegante, um chinelo distante, vassourada e um lap quase certeiro, calculou, mas a forasteira se escondeu. Eram duas ali em noite fria, na mesma situação concomitante. Mulher e aranha. “Amanhã eu a apanho”, pensou, exausta, sob sua colcha de mil retalhos. Inerte em seu canto.
Os dias se sucediam com morosidade, sob muitas nuvens de cúmulos cirros. Chuva abundante.
Dias quentes, mas úmidos, as chuvas torrenciais de fim de tarde. Permeadas de raios e estrondos, eram cenário típico de verão. Iluminavam a Serra e o entorno, causavam frisson. Sabiam os hóspedes e sitiantes que as cachoeiras exorbitariam suas águas. Folhas mais tenras e verdes. Escorregadias estradas. Barro farto. A pastagem verdejante para um gado esfomeado, que viera da seca, com baixa umidade, a estiagem invadindo lotes, rompendo suas cercas ralas. Ao gado resta o milho. As hortas pisoteiam. O estrume que deixam por onde passam não serve muito pra nada. Para sílica, talvez. Metano a subir pelos ares. Juntando-se com queimadas. Dias abafados. Mas no verão, não. Águas fartas. Dias invernais de contração.
Das cidades vizinhas chegavam gentes e novidades. Amigos que traziam informações, conseguidas através de conversas, mas não menos preocupantes.
Já tá o moço das abelhas, o professor, mais preocupado. As moradoras do pequeno sítio, seguem ainda distraídas em seus afazeres. Sobre a mesa redonda, mel e própolis recém-colhidos, ao entorno, muitas falas. Tagareladas.
– Cês não tão sabendo mesmo de nada? A China, a gigante China, tá parada. Em quarentena. O bicho tá pegando lá. Dizem que esse tal vírus é uma variação letal do Sars. Lembram? Do porco hospedeiro? E que esses porcos saíram foi é daqui do Brasil. Pensando, será verdade? Tudo hoje é no tempo das tais fake news. Vai saber…
– Pois não é que ouvi isso mesmo? Vírus que se juntou aos bichos selvagens que eles comem, estes caras comem estes bichos como morcegos, cobras, macacos, cachorros, gatos há milênios. Não seria agora que… Bem há também a versão de que são mutações. De um tar laboratório dos americanos. Arma biológica de guerra, levados por um soldado em competição atlética. – frisava Fernando.
– Credo. Gente porca. Que aqui nem bicho comemos por isso. Eu mesma querendo parar até com o leite. O queijo. Que é um trem bāo, tradicional das Gerais. Mas os tempos são outros. A população cresceu demais. Sim, li na Internet que estes vírus pegam mesmo nos velhos. Destroem sua defesa imunológica. Em poucos dias param de respirar por conta da coagulação sanguínea, é mole? – acrescenta Catarina ávida e titubeante, com tanta sofreguidão, as mãos trêmulas. Em rotação.
– Agora, mais do que nunca, nossas abelhinhas serão necessárias. Isso se não acabarem com elas usando tanto agrotóxicos na lavoura. Este governo fascista já liberou mais de seiscentos pesticidas. Venenos banidos em muitos países. De quintal, este país vai se tornar enfermaria. Terra de bárbaros. – lembra-os Catarina.
– Politiqueiro de mercado. Que tristeza, isso sim. Uma praga atrás da outra. Nós, pequenos produtores, somente no milagre. Na oração diária por sobrevivência. – fala Adriano, com a cabeça baixa.
À mesa os rituais de interdiscursos se seguiam. Exclamações veementes de gente com diferentes perspectivas adquirida na vida. Nos livros. Olhos de lince. Sem negar o poder do que viria. Prospectam saídas:
A Itália está começando a fechar suas fronteiras. Pela proximidade, já tiveram óbitos e subnotificações pela falta de controle. Todo mundo em quarentena. Um caos. Esses vírus chegam por aeroportos. Li que já estavam matando lá e cá mesmo, no norte da América, sem que sanitaristas soubessem. Na China esconderam. E soube que este sanitarista chinês deixou seu cargo por desconfianças de sua atuação. Quero nem ver o que será aqui no Brasil. Precisamos nos proteger já.
– Cê acha que…
– Acho que já deveríamos fechar as fronteiras. A declaração da OMS de que estamos em pandemia é porque está sob alerta máximo.
– Eita, vivemos tão na paz. Entre estas veredas de muitos cumes e pastos, imaginar que um bichinho de nome Covid 19… Uma proteína gordurosa, pode fazer tanto mal.
– Pois é, fechar fronteiras e porteiras para garantir sobrevivência máxima. – retrucou Catarina. Olhos abertos.
Cúmplices entre si, olhavam-se incrédulos com as informações desencontradas e a rapidez com que chegavam, alguns temerosos de suas ações diárias, procurando uma forma de lidar com o fato de modo objetivo. Nem todo mundo faria o que se projetava. Distância. Higiene. Alimentos. Os itens mais falados por uns. Silêncio. Descanso. Produção. Por outros.
Catarina em sua casinha. Pequeno chalé para onde se dirigiu assim que a administração resolveu fechar as porteiras para hospedagem e eventuais visitantes. Muniu-se de caneta e papel borrão para definir as necessidades. Item por item no sentido de garantir sua sobrevivência. Secos e molhados. Para quarenta dias. O álcool em gel. O papel toalha. O arroz e o feijão de sua cesta básica. Frutas secas, em caso excepcional de avanço no país desgovernado. Em sua mente, um propósito: descansar a alma e escrever, escrever afortunadamente, escrever. Sob ar limpo, em silêncio abissal. Escrever como quem não tem um hospital. Uma cama. Um respirador. Escrever como quem morre. Versos. Contos. Novela. Como fez Camus, como fizeram Nélson Rodrigues, García Márquez. Giovanni Boccaccio:
“Pessoas havia que julgavam que o viver com moderação e o evitar qualquer superfluidade muito ajudavam para se resistir ao mal. Formando o seu grupo exclusivista, tais pessoas viviam longe das demais. Recolhiam-se e trancavam-se em casas onde nenhum doente estivera. Não procuravam viver melhor. Moderadamente faziam uso de alimentos simples, assim como de vinhos muito bons. Fugiam a qualquer ato de luxuria. Não ficavam a palestrar com ninguém, nem queriam ouvir falar de nenhum caso de morte, ou de doença, daqueles que estavam ao lado de fora da casa que habitavam. Passavam as horas entretidos com a música e com os prazeres que pudessem ter.
“Outras pessoas, levadas a uma opinião diversa desta, declaravam que, para tão imenso mal, eram remédios eficazes o beber abundantemente, o gozar com intensidade, o ir cantando de uma parte a outra, o divertir-se de todas as maneiras, o satisfazer o apetite fosse de que coisa fosse e o rir e troçar do que acontecesse, ou pudesse suceder. Como diziam, assim procediam, de modo como lhes fosse possível, dia e noite. Iam a uma tasca, ora a outra; bebiam imoderadamente e sem modos. E com mais esbragamento agiam na casa alheia, obrigando os donos a escutar o que lhes desse na telha a dizer. E podiam agir assim sem grandes preocupações, porque cada um – quase como se não houvesse mais viver – já deixara ao léu as suas coisas, assim como deixara ao deus-dará a própria pessoa. Por isso a maior parte das casas ficou sendo de moradia comum; utilizava-se delas o estranho, que as adentrasse, como delas teria feito uso o próprio dono. E com este proceder inteiramente bestial, as pessoas punham-se sempre longe dos doentes, tanto quanto possível”. In Pampinéia, página 15.
A decisão histórica de fechar a porteira do sítio foi tomada assim que o primeiro brasileiro foi infectado. Uma casa de acolhimento que, por vinte cinco anos recebia os mais distintos forasteiros, passaria agora por recolhimento. Uma ação inaudita e criticada por alguns. Amigos que não aceitavam e, muito menos, acreditavam que isso seria necessário.
Moradores e administração sentaram se à mesa. Papel e lápis na mão para projetarem a quarentena. Exigências para economizar energia elétrica. Evitar saídas, mesmo para o entorno. Procurar afastamento, ficando em suas casas. Compras seriam feitas esporadicamente em idas ao centro comercial com álcool em gel na bolsa. Luvas e máscaras. Sim no máximo duas vezes ao mês para evitar contaminar e contaminarem-se. Todo detalhe na ponta do lápis. Replantar hortaliças. Renovar o estoque de ração para os cães. Armazenar um galão de gasolina para o único carro disponível.
Catarina foi a primeira a descer para cidade e foi paramentada. Não sentiu constrangimento algum ao entrar no Uber e ver a motorista totalmente desinteressada por sua quase fantasia. Cumprimentos feitos com parcimônia. Um olhar enviesado, e seguiram. Catarina foi ao banco e à padaria e, ao chegar nos estabelecimentos, atendentes reagiam com certo tom de ironia, quase piada. Afastavam-se sem a olhar nos olhos. Dando de ombros, ela seguiu com seus procedimentos de segurança. No caixa do banco passou álcool em gel nos teclados da máquina e no cartão. A atendente reagiu, interrogando-a:
– Você esteve na Itália? Esta vindo, chegando da Europa?
– Vai saber, querida, vai saber. E você? Quem sabe de quem? Eu estou me protegendo e cuidando de todos. Cadê os procedimentos que precisam tomar? Quer álcool em gel? Toma, passa um pouco nas mãos.
Passou na padaria, ainda chamando atenção por sua vestimenta. Transeuntes desconfiados. Ela, agitada. Coração disparado, tomando atitudes ligeiras. Objetivas. Voltou com suas compras pensando no pandemônio que isso se transformaria se não tomassem cuidado. Os dois casos suspeitos na cidade próxima foram informados por dona Silmara, da padaria. Seu filho, médico, acabará de internar ambos. Suspeitos com dores no corpo. Forte tosse e febre. Respiração ofegante. Enquanto pegava um tijolo de rapadura e alguns pães, ouvia-a ao telefone:
– Certo, filho, confiamos. Mas se cuida. Vamos rezar procê. Estamos em casa, esperando mais notícias.
Na volta para o sítio, Catarina suava frio. Luvas e máscara a incomodaram. Sentia-se presa. Desconfiada. Desconfortável. Patética. O ar, seu inimigo, a vida, a natureza, a lhe impor rotinas jamais pensadas. Retirar sapatos na entrada. O que ela, de imediato, esquecera. Lavar verduras e frutas em bacia com dose de bicarbonato. Deixar secar ao sol. Assim como os pacotes de plástico, papel. Cada embalagem, um intenso ritual. Em um país desigual. De fissuras sociais impensadas, suas ações e consciência, um fio de cabelo no paiol.
As meninas Ana Teresa e Cléo, vizinhas, sem cuidados pessoais. Tão próximas. Negacionistas tal o governo atual. Presidente eleito, no entanto, de índole mítica e autoritária. A negar o poder do vírus, a necessidade de apoio do Estado. O que lhe chega aos ouvidos: caos e abismo.
Quando desciam todos era para a mesa redonda que se dirigiam, faziam as reuniões, sovavam um pão italiano. Australiano. Liam, viam as encomendas. As procedências, e criavam brincadeiras.
– Gente, disseram lá na venda que uma italiana está aqui no sítio.
– Italiana, como assim? Explica melhor, fia.
– Postaram no grupo me perguntando “quem é a estrangeira que está hospedada aí?” Respondi que não sabia de estrangeira alguma. Éramos nós mesmas. Catarina, pode ser você?
– Claro. No banco, quando estranharam-me de luvas e máscaras. Eu, italiana? Que povo sem noção. É que deixei no ar a interrogação. Que engraçado. Cidade pequena. Mal informada.
– O mais engraçado é que soubemos lá na padaria que já há uma mulher confirmada. Está virando piada na cidade porque não contagiou o marido. Aí falam: ou não mais dormiam juntos, ou o marido que não era de nada. Gente malvada.
– É na hora da crise que vemos quem está ao nosso lado. O caráter, o compasso. – completou Catarina, seria.
– E por falar nisso, o portão do sítio permanecerá fechado. Ida ao centro urbano apenas para o necessário, seremos cada dia mais restritivos por aqui. As mídias não falam de outra coisa a não ser mortes, enterros sem cerimonias. Casos a perder de vista. Podemos trocar suprimentos entre nós. Acessamos os locais. Nada de apuro. Confiantes e ativos. Podemos ensinar algum artefato uns aos outros. Eu ensino macramê. Você ensina panificar. Catarina, escrevinhar. – riram de suas falas e, aos poucos, deixaram a mesa. Os papéis pautados das comandas diárias. Pontuados e afirmados coletivamente.
As noites profundas e insones foram percebidas de modo veemente por todos os moradores. Catarina aceitou o trauma d’alma. Como diziam, traumas sentidos e simbolizados, tais como acidentes aéreos. Cataclismos inumeráveis. A vida tal trem parado, como mensagem da imobilidade dos sentidos, estagnando-se na estação-metáfora. O tempo se estendendo em função dos fatos. Catarina também recuperou fôlego em seus escritos arquivados. Longas narrativas escaletadas. Real e surreal, alternados.
Três semanas enclausurada. Sol no corpo apenas através da janela do quarto, isolamento maior que o necessário. O sítio esparso, em sua generosidade imensa de espaço. Perguntava-se em sua solitude o porquê de tal situação. E o pensamento respondia-lhe: solidariedade à humanidade. Eis o maior motivo para se viver.
Em uma manhã de sol ameno Catarina desceu para o salão principal da Casa Grande para buscar um utensílio e, ao abrir a porta, asas rápidas perpassaram-lhe o topo da cabeça, assustando-a. Eram morcegos frugais alinhando-se nas fissuras dos beirais do hall de entrada. Sentiam espaço e nele, liberdade. Sobrevoavam assustados. Ela é surpreendida pela mais significante mensagem: casa abandonada, espaços tomados pelos bichos. Teias. Asas. Pelos enrolados. Num imenso mosaico das bestialidades casuais. Sentiu-se imensamente só. Indefesa. Rodeada por fantasmas. Velhos e conhecidos amigos do sítio que por ali passaram. Suas memórias em livros dedicados. Vinis. CDs e DVDs autografados, empoeirados. Chapéus pendurados ao sabor do vento. Janelas abertas por descuido. Um detalhe fixo na parede, mil vezes à vista de quem por ali passasse: “quem cozinha, a louça não lava”. Signos alterados. Lava, não lava, lava, não lava. Lava. Sentiu-se inofensiva perante a natureza que, aos poucos, se apossava da casa. A vida passando por ritmos impensáveis. Noites longas. Demasiadas tardes. E a mesa limpa de tudo. Gente. Conversas. Pitacos culinários. Dos que vinham pra um dia, ou um mês, como ela, em residência artística, na tessitura do verbo. Das leituras. Lembrava:
– Vou ler um trecho de Brecht – disse o professor avolumando o corpo, enquanto o caldo quente fumegante atrasava no fogão ao lado. Convivas concentrados.
Canção da Foice
Levanta-te,
camponês!
Prossegue no teu caminho.
Não te deixes confundir.
Algum dia hás de morrer.
Ninguém te pode ajudar.
Terás de te erguer sozinho.
Prossegue no teu caminho.
Levanta-te camponês!
Leitura feita e finalizada, seguiam-se os aplausos. O caldo, o retiro para os leitos, as redes, os quartos, as casas. Da mesa para o mundo. Um mundo em uma mesa redonda. Vida inafiançável. Plena.
Catarina deixou o salão, cabisbaixa. Pensamento longe voltava para o agora, a realidade. Os fatos. Uma angústia a tomar-lhe o corpo. O centro nevrálgico. Quarenta dias não, não será fácil.
Lia. Escrevia. Dormia. Comia. Colhia e plantava. Mais nada. Não sabia o que se passava para além do portão da casa. Até que veio o anúncio. Os números dos mortos contados. Exponenciais. Espalhando-se na pequena comunidade rural. Viralizando o descomunal.
A grande tristeza chegaria para muito além daquelas plagas. O contágio de um dos amigos contumaz.
– Tá lá entubado. Asfixiado. Pode isso, gente? Um menino forte. Vivia correndo estes morros a cavalo. Disseram que estava em casa. A famia dele pobre, gente humirde, da roça memo. A mãe o pai, que já tavam debilitados, choram dia e noite. Triste vei, muito triste. Dizem que este vírus é feito pra matar velho e pobre, mas é o filho forte, trabaiadô que tá lá na UTI, sem utilidade. Sorte que a cidade, sendo pequena, encontrou leito. Tá lá entre o hospital e a cova rasa. Um pecado.
– Por isso que aqui agora é porta trancafiada, ninguém entra e ninguém sai. Lembrou-nos a administradora.
– E ocê acha que essa pandemia passa quando? Tudo fechado nas cidades. O céu límpido, os lagos planos. As estradas zeraram. Comércio apenas farmácia. Supermercado. Entra um a um. Álcool nas mãos. Horários diferenciados: velhos cedo e jovens à tarde. Parece vida em acampamento militar. Falta alegria no ar. Um monte de gente vagando, olhar perdido. Máscara enfiada na cara. Teatro do absurdo. Ionesco. Lamentável. – Catarina procedente. Quase vidente:
– Sim, lamentável. Revoltante este vírus apunhalando-nos. Impetrado é o que penso depois de muitos estudos avançados. Laboratório, mutantes mutando-se. Marca passo, marca gado, marca boiada.
– Não duvido. Gente ignorante. Como podemos seguir estes ditames? Eu não tomo esta vacina subcutânea nem morta. – Catarina impulsiva.
– Aí que morta não tomarás mesmo, Catarina. – responde Joana, ironizando.
– É a cegueira. é a escravidão voluntária. E Orson Wells totalmente vida imitando a ficção. Ficção com inveja da vida. Só pode. Paremos para não pirar. Até dias atrás planejávamos a festa. Planejávamos tomar a Bastilha. A casa do povo. Estamos na jaula. Assistindo a lives diárias. Vendo o pasto tomado pela seca. Cercas e maldades. Pandemia. Genocídio. Cidades fantasma. Revoltante.
Catarina isolada. Retira-se para sua casa. Calada. Deitou-se, exausta. E na madrugada consubstancial suas primeiras palavras:
Virem-se
Vermes
vomitam
venenos&vírus
vilipendiam
vilas vilarejos
vingam-se
visitam
velhos
vítimas
vorazes
vulgares
vermes
vociferam
vozes vagam em vão
viroses
ventos vaporizam
viralizam nas valas
vigas vazadas
vazias
vilas
veredas&vinhas
vitórias e volúpias
vendas vis
verniz de violas
versículos&velas
virgens veios&votos
vogais
volumosas
vocacionadas
ventres vulgares
vulvas velhas
vulcões vazam
v.i.d.a.s
vivas/
virem-se velozes
volvam varram
vaguem
verves
versão vindoura
desta vinagreira
violácea&violenta
[4
varões vacinas
e veleidades validarāo]
Pocinhos do Rio Verde, 12 de abril de 2020
Desde que escolhera as Letras como companhia, não ficara só em momento algum. Quer seja lendo obras universais, quer seja escrevendo. Um certo diálogo interno se dava. Formava em si a compreensão que precisava para estar no mundo. O diálogo que não encontrava num par afetivo. Num relacionamento profissional. O mundo literário permeado de encontros inusitados. Monólogos ou dramaturgia. Poesia ou prosa, um universo paralelo para onde, desde muito jovem, fora absorvida. Nutria, levando-a para outros continentes. Pequenos vilarejos. Cidade ou praia. Montanhas, prados selvagens. Para o bem, para o mal. Para as idiossincrasias humanas. Incompreensões. Incompletude. Conflitos e guerras. Negações, como as de agora. A vida, a morte Severina de João Cabral de Melo Neto. Agora por ela apreendidos. Materializando-se no papel. Na tela do computador logo depois. Escrever, ler. Ler, escrever ,tal pílulas para sobreviver. Abstrai-se da realidade por dias a fio. Num corpo dominado pela intenção de agir para si. Ali egoísmo como potência de vida. O cuidar-se como afeto benfazejo. Mídias desconectadas dos fatos duvidosos, dos números que cresciam estrondosos. Números do contágio. Catarina refugiou-se em si. Contou seus casos. Verificou seus poemas em cantos. Estrofes demarcando ritmos. Pulsões e desejos. Eros e Tânatos em bela dança de dois. Revisou seu romance, há anos abandonado em arquivo. Ativou antigos textos líricos em eterno descanso. Havia nestes dias – quarenta – uma simbologia inaudível. Inapreensível para gentes do mundo ordinário, mas não para ela, uma artista em oficio.
Levantava-se logo cedo. Tomava seu café quente e por vezes, por conta da chuva, em transe, refutava a hecatombe. Realidade e sentidos se contradiziam. Sentia-se em uma ópera regida por covardia e mentiras. Sozinha adormecia.
Num destes falecimentos sonhou. E acordou apreensiva. E foi à administração, passos largos:
– Zé, bom dia. Tive um sonho agitado esta noite com seu irmão, como está o professor Brandão?
– Bom dia, Catarina. Que eu saiba está bem. Falamo-nos por telefone domingo passado. Tem ficado em casa. Avisou-nos que estamos certos em não recebermos hóspedes e que a comemoração dos 25 anos da Rosa dos Ventos também será cancelada. E você, tudo certo na sua casinha?
– Sim, comigo tudo bem. Se forem à cidade me avisem, preciso de uns alimentos. É que no sonho seu irmão surgia amparado por dois homens altos e fortes. Estava caminhando e firme. Rosto sério e bem preocupado. Maria Alice atrás, à sua esquerda. Quando passou por mim, olhou-me e, de modo simpático, sorriu, passando suas mãos leves em meus ombros. Seguiu para uma sala à frente como que para um ambiente médico. Nossa, meu sangue esquentou. Nestes dias não podemos relaxar com os octogenários. Escrevi este texto poético e adoraria que você passasse minha preocupação e o parabenizasse pelos 80 anos e pelos 25 da Rosa. Um abraço dos de perto para os de longe.
– Catarina, obrigado por sua atenção. Vou ligar e dou o seu recado. Fica bem.
Enquanto descia a mata para seu chalé, gritos histéricos de ajuda vieram em direção a seus ouvidos incrédulos. Ficou na escuta.
– Corre José, me ajuda aqui. Anda, depressa, a morena e a loirinha estão se pegando. Corre, ajuda! Já se depenaram, quase arrancam sangue. Vem, corre. Socorro! Depressa antes que se matem! Estas galinhas. Coloca uma no galinheiro, a outra deixa aqui. Precisamos separar elas. Rápido José, rápido!
– Já vai, mulher. Já vai.
A luta por espaço, domínio não era algo isolado dos machos, homens. Mulheres. Aconteciam em todos os diâmetros do universo. Galinhas por seus grãos de milho. Filhotes. Galos por sua prole, suas galinhas fêmeas. Um cuidar sem cuidado ou códigos estabelecidos. Instinto básico.
Catarina podia sentir o que eles sentiam. E não era uma maldade, uma crueldade, era apenas um jeito de estar no mundo. Ela, entre tantos livros. Ritos de passagem. Aura de proteção, também uma Loba na Estepe. Catarina Hesse. Na sobrevida dos dias por proteção, o prato do dia. Acolhimento. Há muito não sentia o abraço forte do amor, o afeto de um macho. Seguia seus dias quarentenada, abraçada à cultura, ao conhecimento sob um céu limpo. Firmamento. Poderia ser picada por um dos animais peçonhentos. Um mosquito da dengue hemorrágica. Ou pelo corona, mesmo em resguarda.
Estes encontros bestiais. Marsupiais. Ou à mancuspias de Cortázar. Enigmáticos.
Sobre a mesa redonda, o manuscrito-homenagem recém-terminado, ao acolhimento em sua residência artística e literária. Presente e gratidão por ela:
ROSA
Casa
de pedra e rendas na janela
A rosa dos ventos é casulo-tenda
Espaço
de auroras na varanda ao
Som de violas. Batuques e b_Anjos
Casa de pedra sobre madeiras e escombros
De
acolhimento e rendas urdidas em panos
Seda tecida no tempo. Templo orgânico
Temperos espalhados ao canta_ro
Labirintos
de consentimentos e planos
Plenos sons dispersos aos quatro ventos
Rural moda samba do morro. Urbano
Encontros
iluminados por Orion_no Horizonte
Gente de perto, gente de longe. Caminhantes
No entornos da fogueira, redes e camas aconchegantes
O
caldo no fogão em panelas de barro_aromas
À mesa redonda falas históricas e um canteiro de plantas.
Um livro aberto de Brecht e Camus. Carlos Rodrigues
Banhos
em sulfurosas ou florais lavandas. Rio
Verde vindo da Pedra Branca serpenteando os
Limoeiros avermelhados. Ouro e prata. Campo
Grande
Patrimônio de vozes antropofágicas.
DAS ÁGUAS DAS PEDRAS DO SOL E PAZ. Noturno
De invernos outono&primaveras. Verão angular
Casa
de pedra e rendas na janela. Sentido de
Ser pertencimento de tantos ângulos –
25 anos
Similar ao cacarejar silvos de muitos tucanos
Macacos
nos galhos. Galinhas e vacas no pasto
Amigos que vêm, dormem e passam. Tramas.
De rendas e pedras brancas em fria atmosfera
À Rosa dos Ventos, meu reconhecimento – ritual fraterno
[sob
céu azul luz de um arco íris e
cirros em cristal de gelo
Pandemia Pandemônio&Panaceia]
Pocinhos do Rio Verde, 4 de maio 2020 17h e 43 min