Onun e o Orixá que diz Sim: Entrevista com Joniel Veras e Pedro Ben

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Por Demetrios Galvão

Pedro Ben e Joniel Veras são dois jovens músicos inquietos que costumam nos surpreender com seus trabalhos. Nesse momento, apresentam “Uburu” fruto da recente parceria que gerou o projeto musical Onun. Esse é um disco que diz bastante sobre a renovação da música brasileira que vem em uma constante desde 2010 e sobre as sonoridades produzidas em Teresina e no Piauí. Em Onun “Uburu” encontramos traços do melhor que a tradição da música brasileira nos dá – letras poéticas, boa melodia, uma simplicidade que cola no ouvido e a vontade de se abrigar dentro do disco. Ao longo das faixas conseguimos perceber o diálogo sonoro com os afrossambas, o axé dos anos 1990, o ritmo do afoxé, um cadinho de Caetano/Gil e aquele “sol que ilumina nossa história”. O disco é festa e traz uma alegria que nos faz esquecer, por um momento, que estamos vivendo esse fim de mundo. Talvez, aí, esteja o melhor do disco. Vamos ouvir e pedir aos orixás que digam sim às nossas preces.


1) Falem um pouco sobre o que é Onun e Uburu, que referências são essas?

JV: Onun é um nome-desvio. Algo que lembra a nomeação de alguns Orixás sem ser o nome de um. Uburu segue o mesmo caminho quanto à ave tão comum na nossa região. Uburu é um urubu-de-baixo.

2) Onun é um disco contagiante, com letras bonitas e sonoridade que agrada na primeira audição. Como foi o processo de composição com o Joniel Veras em São Paulo e o Pedro Ben em Teresina? Podemos dizer que Onun é um dos muitos filhos do isolamento social?

JV: Obrigado. As músicas desse disco começaram a ser feitas antes do isolamento e terminaram já na situação que estamos. Por isso há músicas como “Corpo” em que falamos da rua e da festa numa situação pré pandemia, e músicas como “Urubu-de-Baixo”, feita a partir de um trecho do Lima Barreto, que foi uma releitura de quarentena. Acho que o disco teria ficado com uma cara parecida mesmo sem a peste, mas alguma coisa muda certamente.

PB: Todas nossas composições, até agora, foram feitas a distância, mesmo antes da pandemia, como por exemplo o EP de 2017, que firmou nossa parceria. A primeira música que fizemos dessa leva foi “Trago” um tipo de samba torto. Da última vez que fui a SP, em 2019, e nos encontramos, mostrei ao Joniel a harmonia do que viria a ser “Oxalá que sim”, daí foi o ponto de partida para todas as outras composições desse disco, sendo construído já em tempos pandêmicos.

3) Penso que Onun não é o resultado de um encontro artístico-musical qualquer. O que cada um trouxe do seu lugar-linguagem para a criação do disco?

JV: A gente se conhece há relativamente pouco tempo, mas mesmo sendo meu parceiro mais recente tudo ocorre com muita fluidez. Uso a palavra fluidez porque imagino que seja o que pude trazer desse lugar-linguagem, quando escrevi essas letras e melodias pras músicas do Pedro tudo veio em um curso simples, espontâneo. Gosto muito quando as coisas acontecem assim.

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PB: Nossas referências são bem semelhantes, claro, cada um de nós também com suas particularidades, mas foi algo bem natural. Sempre aconteceu de forma espontânea, não conversamos muito como a música deve ser, às vezes estou tocando uma harmonia que criei e penso em enviar ao Joniel, um tempo depois ele já manda com a letra.

4) Falem dos músicos que estão juntos com vocês nesse trabalho, que galera é essa e como essas parcerias aconteceram?

PB:  Desde o princípio decidimos que o disco não teria bateria, seria conduzido somente por percussão, violão e voz, como elementos fundamentais. Então o percussionista foi uma primeira questão e confesso que não tinha ideia de quem seria, tanto que as primeiras demos eram guiadas por samples de percussão. Por um feliz acaso o primeiro parceiro que surgiu foi o poeta e músico Lucas Rolim, não só na construção dos arranjos, mas também na parte de condução do projeto. Já estávamos tocando juntos na banda do meu pai, Assis Bezerra, o Quarteto Labacé, e fizemos a pré produção do disco no meu estúdio caseiro, o Quarto Dimensões. O disco foi gravado por Dimota, que é um produtor responsável por vários discos feitos em teresina na década de 90, inclusive o primeiro disco do meu pai, que lembro de ir criança acompanhar as gravações. Sua entrada no disco também foi um feliz acaso, pois ele morava em São Paulo há mais de 20 anos e retornou a Teresina por conta da pandemia. Lucas e Dimota foram fundamentais para a construção desse disco. Outras participações no disco ficaram por conta do meu pai na guitarra baiana e cavaco, e João Paulo no baixo (Músico produtor), além de Leo Mesquita (Pifero da banda Caju Pinga Fogo) e Khoala (Maestro da orquestra de Jericoacoara), músicos da nova geração que Lucas trouxe ao projeto.

5) Joniel, quais foram tuas referências para a composição das letras? Comenta como você constrói seu universo de ideias.

JV: Esse universo de ideias é construído das coisas que a gente vai encontrando pelo caminho. Quando escrevo pra harmonias dos amigos músicos, Pedro estando entre eles, elas tem uma fase inicial de escuridão à qual vou me familiarizando até que começam a aparecer palavras. Nesse processo as conversas, filmes, ou livros podem entrar no jogo, como o exemplo que dei antes com o Lima Barreto (O Triste Fim de Policarpo Quaresma) para “Urubu-de-Baixo” e o Avesso da Lâmpada do Demetrios Galvão como referência pra música “Trago”.  

6) Pedro, nos últimos tempos você vem se dedicando a produzir sua própria música, bem como de outras bandas e músicos. Que aprendizados desses bastidores da produção musical você trouxe para a Onun? Fale desse processo da criação que envolve a questão instrumental e também técnica.

PB: Em cada disco que se produz acontecem aprendizados e experiências únicas. Nenhum processo é igual ao outro. Tudo me interessa na arte, todos os sons me interessam. A busca por produzir foi um misto de vontade e necessidade em materializar o som que preciso tirar de minha cabeça. Não controlo muito isso, os sons vão surgindo e me guiando no que devo fazer em cada momento, não escolho o disco que vou fazer. Mas tenho uma característica de produção mais crua, orgânica e experimental, sou muito espontâneo na hora de produzir e criar, não tento nunca controlar o som, deixo as sensações me conduzirem, tanto que sou muito rápido em gravar pois não cultivo preciosismo. Creio na estética japonesa do Wabi-Sabi que nos atenta para a beleza das coisas imperfeitas, transitórias e incompletas, a beleza das coisas não convencionais. A partir desses pensamentos gosto de conduzir as coisas dentro de uma estrutura minimalista, deixando brechas para certos acasos. Outro parceiro fundamental para este disco foi o Jan Pablo, que gravou as vozes do Joniel e mixou o disco junto a mim, para alcançarmos o que a estética apresentava, ele também fez a masterização.

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Pedro Ben durante processo de gravação no estúdio Audiolab, em Teresina.

7) Nesse momento de tantos desarranjos político-sanitários, um clima de desesperança se instalou no país e, depois de muita discussão, foi criada a Lei Aldir Blanc para “socorrer” os artistas, mas quando os editais foram criados e posteriormente a aprovação dos projetos, o que se viu foram mais problemas, denúncias e ingerência dos órgãos culturais. Como vocês analisam esse cenário?

PB: A cultura sempre teve a menor fatia do bolo, dentro do sistema político brasileiro, assim como a educação. Esse atual governo age para desmoralizar a importância da arte e as necessidades da classe artística perante a sociedade, sabemos que é um governo anti-cultura, anti-conhecimento e equivocado, pois parece ignorar o quanto a cultura movimenta a economia de qualquer país, e este desarranjo não acontece somente com a arte. No âmbito local ainda temos barreiras históricas e relações cheias de ruídos dentro da classe artística. Fomos aprovados na lei municipal Aldir Blanc, e para mim foi uma surpresa, realmente não esperava, quase desisti, tanto por nunca ter sido aprovado em tentativas anteriores e por conhecer os bastidores duvidosos desses processos.

Dessa vez tornou-se público a toda sociedade o que nós artistas, principalmente os “não estabelecidos”, já sabemos há muito tempo, que é o conluio politico-artístico e uma visão provinciana, que desaguaram em todas essas denúncias e falhas, e infelizmente muitos artistas saem prejudicados e a verba não chega aos que de fato mais precisam para realizar suas produções, e durante a pandemia, até sobreviver. A maioria dos artistas aqui, ainda precisam ter uma outra profissão para se sustentar e nas “horas vagas” fazer arte. Porém o problema sempre foi que a sociedade em geral não vê o artista como um trabalhador, ainda hoje persiste no imaginário de que ser artista é coisa de vagabundo.

8) Vocês representam uma jovem e talentosa geração de artistas piauienses que vêm se afirmando com trabalhos experimentais e inteligentes. Qual a visão de vocês sobre o que vem sendo feito nessa última década no nosso Estado? O que destacariam?

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JV: Lembro de crescer em uma casa de muito rádio, mas pouquíssima música piauiense. Assim como não nos víamos não nos ouvíamos, gosto de pensar que isso mudou pelo menos um pouco. Estou mais conectado à música local feita por pessoas que acabaram virando parceiras, mas certamente há muito mais do que eu posso mapear.

PB: Naturalmente também tendo a dar mais atenção a música feita por parceiros, mas destacaria a cena local do rap e hip hop como um todo, que mesmo marginalizada, vem lançando músicas e clipes bem produzidos, e com relevância por apresentar a realidade da periferia daqui, uma realidade com particularidades distintas do eixo Rio-São Paulo.

9) Como foi o processo criativo de vocês durante a pandemia, o que fizeram nesse período além das composições e gravações da Onun? Tem mais coisa pra vir dos trabalhos individuais?

PB: Durante a pandemia me mantive produtivo, pois é algo da minha natureza, é sina. Fiz outras parcerias e colaborações. Lancei cinco discos de estética lo-fi com o alter ego Duben, estética o qual foi trilha sonora para mim durante a pandemia de maneira mais evidente e ainda é. Do grupo de composições onde uma parte virou o Uburu, há uma outra parte, já “enunciado de acontecer” que se tornará o disco solo “Nêgo Zêbra”, pois enquanto produzo um disco já estou construindo o próximo. Não há previsão de quando, mas já havia iniciado sua construção em shows quando veio a pandemia e colocou uma pausa, porém este trabalho ainda é reticências.

JV: Assim como Pedro, faço essas coisas com constância e com pessoas diferentes. Produzimos apesar do Brasil, inclusive como um modo de lidar com momentos especialmente difíceis como esse do Vírus e do Verme no país. A produção juntamente com o tempo vai formando a cara dos projetos. Lembro do Siba dizendo que o próximo disco pra ele começa quando acaba de fazer o atual, espero que com a Onun seja assim. Tenho álbuns escritos com outros amigos conterrâneos como Jan Pablo, Makeh, Vitor Sabino e Thiago E que gostaria muito de ver aprontados em breve.

10) Quais as expectativas de vocês para esse disco?

JV: Que seja ouvido em sua tentativa de leveza e amor pela criação nesse momento duro. Espero coisas grandes, por exemplo, que se possa dançar com ele, cozinhar com suas músicas, que se varra a casa com ele nos ouvidos.

PB: Sempre comentei com todos os envolvidos na produção que estava fazendo esse disco para ouvir com os amigos, não que eu não acredite em seu potencial. Mas, para mim, produzir me basta, não creio em sucesso ou fracasso, ambos são impostores e a expectativa pode lhe trair. Ao mesmo tempo sou um misto de idealista e pé no chão. Este disco significa literalmente um renascimento, é meu primeiro disco após o acidente automobilístico que sofri junto da minha esposa Fernanda Paz, parceira e artista fundamental em minha vida, que está sempre comigo. É a retomada às minhas raízes e origens musicais, é um disco sobre maturidade, em que me senti maduro para resgatar certas lembranças e essências, pessoalmente é um disco muito importante. Gosto do verso de Joniel “Coisa que acontece quando o tempo manda o sinal”, este disco ia acontecer.

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