Bruno Gaudêncio (Campina Grande-Paraíba, 1985). Poeta e historiador. Doutorando em História pela USP. Publicou na poesia diversos títulos, com destaque para O Silêncio Branco (Patuá) e A cicatriz que canta o incêndio da raiz (Moinhos).
ESTA VIDA
para Bruno Ribeiro
Escrevo um poema
sobre o ato de não
escrever um poema
para isso observo
o teor de adorno
de uma máquina de escrever
suas teclas presas pela poeira
o G apagado como ponto exato
do desamparo
enquanto isso escuto
o ressonar do meu cão fiel
antes tão raivoso
hoje morto pela noite
releio os poemas de Raymund Carver
pouco dizem sobre minha desatenção
escrevo um poema
sobre o ato de não
escrever um poema
REDESCOBERTO
para Fernanda Arêas Peixoto
O passado se reflete
no instante
no ruído das colheres
no gosto da madeleine
no contato com a gema
dos guardanapos
um real captado
em estado puro
de abalo efetivo
a dimensão interna
na travessia da
tran-si-to-ri-e-da-de
tempo perdido
tempo redescoberto
RUAS VAZIAS
um corpo
implodido
por um
meteoro
microscópico
tsunami
interno
que tomou
conta
das ruas
(vista de dentro)
que tombou
cordas
das suas
(vista de fora)
um corpo
que sendo corpo
assusta
os outros
corpos
de sua infinita
cidade
isolada
e inerte