3 Poemas de Ramon Carlos

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Ramon Carlos é coautor do livro estrAbismo (Editora Viseu, 2018). Escreve no site: www.estrAbismo.net. Tem materiais diversos espalhados em revistas como: Mallarmargens, Amaité Poesias & Cia, InComunidade, LiteraLivre, Subversa, Philos, Escambau, Bacanal, Ruído Manifesto, Literatura & Fechadura, Jornal Plástico Bolha, A Bacana, Cidadão Cultura e Olho Vivo.


Plano cartesiano

A luz da lâmpada cobriu meus temperos
Já não encontro minha doença dentro do pote
Procuro em vão, um dia sóbrio na geladeira
Comprei bolo de formiga, chá de astronauta
Um chiqueiro novo, ferraduras de anjos
Uniformes despejados, cinzeiros desbotados
Alqui mia, cheia de bigode e pose
Está tão gorda e peluda quanto seu dono
Encontrei alguns remédios contra-indicação
Quando bisbilhotava a construção ao lado
“Ei” gritou-me o proprietário lá da rua
“Se acabar com minhas pílulas
Sou bem capaz de comprar um pato e um tapete”
Já não encontro minha doença dentro do pote
A luz da lâmpada, a luz da lâmpada
Alqui não veio mais aqui
Procuro em vão, um dia sóbrio na geladeira
Comprei molho de algodão, rocambole de eutanásia
Fissuras cerebrais acrobáticas, miúdos elétricos
Ultrajes simbólicos, medo do escuro
Encontrei um pato e um tapete
Quando bisbilhotava a construção ao lado
“Ei” gritou-me o proprietário lá da rua
“Se acabar com minhas pílulas
Sou bem capaz de comprar um pato e um tapete”
Já não encontro minha doença dentro da lâmpada
Procuro em vão, um dia sóbrio no pote
Alqui mia, algo dão
Alqui mia, algo dão
Alqui mia, algo dão
Alqui não veio mais aqui
Se Alqui mia
Algo dão


O capcioso eu derrotado

Foi Churchill quem disse:
“Agora que fizeram o que queriam
Vocês têm uma tarefa mais difícil
Gostar do que fizeram”
Ao som dos ruídos gástricos da cidade
O poder nunca foi tão metafísico
Partindo de um ponto ignóbil e viril
O desvio insular coberto por um lençol com dois furos
Homens e mulheres como adesivos num campo de golfe
Foi por isso que Prometeu prometeu não prometer mais nada
Sempre ouço dela: “Não existe doença, existe doentes”
Há muito pouco para mastigar ultimamente
Tudo parece trivial e sem gosto
Comboio marginal
Animais gargalhando, pois voltaram no tempo
E abortaram suas mães
E as tartarugas vivem muito
E as corujas também
Enquanto um besouro castrado na gaiola
Queima num berço vicioso
Colando fumaça no quadro branco
Escritor tarde demais
Escritor cedo demais
Desaprendendo
A caçar na escuridão
Um feixe de luz ilusório
Que me cega
No primeiro feixe de luz
Na escuridão
Era 22:00 quando faltou luz no bairro
E o primeiro grito que ouvi foi esse:
“Filha da puta! E agora como saberei a hora de parar de limpar o rabo?”
O maldito cano sanfonado
Os intrusos, a goteira, as rachaduras da parede, o barulho da caixa d’água
Uma aranha sem pernas tecendo sua teia para afastar-se de mim


Poemarcenaria

Quando as veias apertam
O martelo bate o sino
E o sol nasce
Gracioso
Como borboletas no sal grosso
Quando as veias rasgam
O escárnio é doce
Como um favo leproso
E o sol se põe
Entre mercadorias baratas
Sócrates suicidou-se por acreditar na justiça
Jesus pensou tanto crucificado
Que coagulou sangue na boca
Vestígios nos sons do telhado
Morte lenta a criar raízes
Nas marmitas do absurdo
Teatro de uma cena congelada
Piada contada em bocejos
A lua nasce dentro de um chupão
Navega nas cerâmicas do peixe
E ri nos relâmpagos de um vulcão
A pena
Há pena
Apenas
Casacos cheios de furos dos cigarros
Consórcios
Com sócios
Labaredas do suicídio coletivo
O papagaio grita:
“Existe vida na gaiola, existe vida na gaiola, existe vida na gaiola”
Novamente o despertador é programado
E se acorda um minuto antes
Do poema

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