Rodrigo Garcia Lopes (Londrina, PR, 1965) é poeta, romancista, tradutor, compositor, ensaísta e jornalista. Publicou os livros de poesia Solarium (1994), Visibilia (1996), Polivox (2002), Nômada (2004), Estúdio realidade (2013), Experiências extraordinárias (2015) e O Enigma das ondas (2020). É autor do romance policial O Trovador (finalista do Prêmio São Paulo de Literatura de 2015).
Foto do poeta por Elisabete Ghisleni.
Poemas do livro “O enigma das ondas” (Iluminuras, lançamento).
Aéreo reverso
A palavra surfista desce a onda verso,
ganha velocidade na linha
então retorna e a
Rasga, num cutback,
e num S perfeito escala
até a espuma:
seus pés
pressionam a prancha
na batida a quilha desliza pelos metros de
cristas
Outra cavada forte em sua
base
e parte para cima, faz um leque e gira
sobre si, desenha na parede
outra curva rápida-elegante
Agora
um mundo branco se desmorona lentamente
às suas costas
(as sílabas ficam invisíveis enquanto atravessam o tubo)
Só mais alguns segundos
para o fim da bateria
A palavra surfista ressurge do spray da casa de vidro
rasga a muralha esmeralda
em
uma manobra clássica
corta pra dentro
Uma vez mais
atinge o lábio da onda
e voa
Oniros
Em algum lugar ao norte de Medúsia,
onde não há música, exilada inocência
na sólida paisagem que a visão
hipnotiza sob a ponte: a farsa
de nosso futuro. Com olhos lacrimejantes,
trovões trincam o céu de nossos afetos,
tremem a catedral de sentidos. Um corte.
Fomos contratados para um trabalho
Insondável: instalar estas cercas elétricas.
Agora conversamos entre dispositivos
em algum resort de Bornéu ou da Normandia
com a senha Albert a tiracolo.
O estranho veterano se detém
diante da vitrine
de uma praia de diamantes.
Há uma nave no céu.
Ecos de explosões na Galeria Steinway,
Aroma de algas vermelhas e tóxicas,
câmeras de monitoramento, sabotagem.
Marionetes macabras sorriem enquanto afundam
na areia movediça dos dias.
Há um franchising de sonho aberto 24 horas
e uma chance apenas de tocar e tatear
a Terra para sempre prometida,
antes que a paisagem se estilhace
e vire um hotel feito tão só de ruínas
e habitado só por anjos.
Adivinha
tão imenso
que se ficar calado
ainda o escuto
tão frágil
que se disser seu nome
irá quebrá-lo