4 Poemas de Francis Kurkievicz

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Francis Kurkievicz é poeta. Caiçara paranaense atualmente vive em Vitória/ES. Publicou o livro de Literatura Infanto-juvenil Meninices em 2015, reeditando em 2019 pela Ayatori. Publicou, em dezembro de 2020, pela Editora paulista Patuá, o livro de poemas B869.1 k96.


DEFESA PARLAMENTÁRIA DO IMAGINÁRIO

Nesta situação de pânico criado pela pandemia,
Pela crise sanitária,
Pela insensatez política e enfermidade ética,
Geopolíticas movediças,
Realidades íntimas
Reféns da realidade digital;
Nesta conjuntura de conspirações urdidas
Nos concílios neopentecostais,
De narcotráfico, de necropolíticas, de negacionismos,
De incubação de sonhos diretivos
Pelos estrategos do marketing comercial,
Pelas ameaças dos CEO’s das multinacionais,
Egrégoras invadidas e conquistadas pelo ódio irracional,
Pelo estruturalismo patriarcal,
Preconceitos de classe, de raça, de credo;
Neste instante de monitoramento de perfis,
Cancelamentos de IPs, de CPFs, de antinomias,
Genocídios, ecocídios, democracídios,
De hegemonias alucinadas e supremacias emasculadas;
Neste culto ao caos, aos algoritmos,
Aos mitos elevados e anjos caídos,
As personalidades caiadas,
Aos gurus virtuais e avatares binários,
Às informações e repertórios falsificados,
A palavra plena de lascívia, insultos, calúnias;
Neste momento de efeitos relâmpagos,
Guerras hibridas,
Bombas semióticas,
De eventos sem causa,
De artistas sem obras,
De poemas sem poesia,
…!
Temos a sagacidade de nossa atenção
Sequestrada diariamente
Pelos fragmentos difusos e confusos
Dos fatos circundantes;
Temos sido nós poetas,
Perturbados em nossa estética
Pelas mensagens subliminares
Dos lunares de Helheim;
Constantemente convocados somos
A defender o criadouro essencial da humanidade,
A preservar a singularidade subjetiva e subversiva
Que residem além das fronteiras dos mundos,
Estimulados somos a confrontar nossas próprias crenças,
Certezas, teses, ideologias, cosmovisões, projetos & projéteis;
Temos sido conjurados a tomar partido,
A escolher armas, empunhar bandeiras, cantar hinos próprios,
A nos conduzir com diligência no discernimento radical,
A agir mais avante do verbo lírico & límbico;
Temos sido requeridos no parlamento da consciência humana,
Exigidos como testemunhas, escribas, visionários,
Na furiosa & febril pertinácia das ruas;
Temos sido instados a produzir uma poética insubmissa,
Poderosamente valente para romper a sinergia hipnótica
Das narrativas e discursos distópicos;
Não podemos permitir que o nosso imaginário cosmiquântico
Quede-se cativo do fatigante ensaio melancólico,
Não podemos consentir que o nosso verbo
Distraia-se com amenidades domésticas & umbilicais,
Não devemos conceder espaço no verso
À verborragia do inconsciente coletivo;
Devemos nós poetas estar um passo à frente do nosso tempo,
Um passo adiante dos legisladores da liberdade,
Um passo mais rápido que todos os fascistas
E de todos aqueles que pretendem avassalar nossos sonhos
E furtar o ânimo de nossas esperanças;
É por isso que somos poetas
E não jagunços de Tio Sam,
Sacerdotes de Baal, servilões dos Arcontes,
Ou bonifrates de qualquer estúpido mito
Surgido dos intestinos do neoliberalismo.


O DIREITO DE NÃO DESEJAR

Temos o direito a uma vida anônima
Direito de não ter descendentes
De não deixar patrimônio.
Direito de recusar o sucesso
A fama
A infâmia
A fome.
Temos o direito a não possuir
Coisa alguma
E nem pela coisa ser possuído.
Temos o direito ao esquecimento
Ao nome oculto
Ao silêncio
Ao túmulo aberto e sem lápide.
Temos o direito
A ser o que somos – o ser de nada carece –
E ser o que se é
Já basta
Mesmo bastardo
Ou bardo.
Direito temos de não ser rebanhos
Legiões
Colegiados
Claque
Falanges
Pandilhas.
Temos o direito a prescindir dos direitos
Das leis
Da outorga
Da norma.
Apenas pela vontade de não compactuar.


A QUEM IMPORTA?

Na maca metálica do IML
Há um cadáver, outro morto.
Homem jovem
Jovem negro
Negro anônimo.
Este corpo deixa com a morte
[Esta loteria indiscreta]
Uma história cansada
Que ninguém visita.
O cadáver fala
[Carne doada aos vermes, às velas e às valas]
Através de flores abertas no peito
Grita nas roupas sujas do mundo
Dá currículo de pedreiro-aprendiz
Nos dedos calados e calosos.
Mas a ninguém interessa
Esse enredo cósmico e comum
E nem a fortuna rotunda
Do protagonista mazelado.
O cadáver agora é
Lixo orgânico descartável
A ninguém interessa dignifica-lo.
Indigente não é gente
Nem agente de sua própria gerência.
Mas sua história persiste
No éter do mundo.
Seu nome ecoa
Nos ouvidos de alguém.
Mas quem se importa?


MARIELLE FRANCO

Me desculpe Marielle
Até esta data
[Trágica data, incômodo fato]
Eu não te conhecia
Nada sabia de tua história vencedora
Nem de tua luta destemida.
Te sou franco, nada sabia.
Te saber vítima
Da vingança de denunciados
De assassinos fardados
De engravatados perversos
Te saber vítima
Da indiferença municipal
Do preconceito institucional
Te saber vítima
De perversidades seculares
Do machismo patriarcal
Me enchem de terror e vergonha
De medo e indignação.
Te saber nestas circunstâncias
Matéria de capa
Da mídia independente
Não mostra meu verdadeiro
Interesse na tua labuta guerrilheira.
Queria te conhecer no agora
Na vida diária
Agregando força e sabre
Nas fileiras de tua batalha.
Queria te ser companheiro
De brigada, porta-estandarte
Leão-de-chácara, ponta-de-lança.
Mas eu não te sabia
Não sabia de tua origem
De tua bandeira
Da tua coragem e do afeto
Que te movia para além deste finito.
Agora é tarde, tarde para mim!
Só posso lamentar
E derramar indignação e raiva
Por mais uma irmã
Tombada pelas balas
De nossa passividade e ignorância.

3 comentários em “4 Poemas de Francis Kurkievicz”

  1. O tom crítico quanto à conjuntura política e social demonstra um poeta antenado ao seu tempo, que faz da poesia um instrumento de denúncia contra os abusos do poder! Recomendo a leitura!

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