Diego Rebouças é roteirista e escritor. Responsável pelos roteiros do programa Hora do Enem, da TV Escola (2016-2019), programa duas vezes indicado aos Prêmios TAL. Colunista semanal do site da Folha de São Paulo entre 2013 e 2014. Autor de “Travessia” (2012), pela editora Livros Ilimitados. Seu conto “Ponto de partida” foi um dos selecionados pelo concurso literário “Eu amo escrever” (2011), promovido pelo Cantão/Editora Livros Ilimitados. Seu roteiro de curta-metragem “O crime” foi premiado no concurso nacional “O Brasil em cartaz”, realizado pelo Cinemark (2011).
estação fantasma
ilha
em meio
ao caudaloso
rio dos dias
inacessível
pedaço de terra
onde oculto
cavernas
que agora
cismam
de voltar
no enigma
rupestre:
sim, são os traços
de meus antepassados
dizendo
“oi como vai
cuidado
com o vão”
sim, um a um
lá eles estão
no espelho
incontornáveis
como espíritos
de uma inevitável
estação
salva-vidas
para Sara Iriarte
suspensa praia
do tempo
debruçada
no vasto oceano
mil diafragmas
de monges em transe
por cima de meus ombros
velhos casebres observam
mas se me viro, não estão,
nunca estão onde sempre estiveram
gestos de infância engolidos
pela areia, pelo vento
dormem entre penumbras e fósseis
de maresias inacessíveis demais
para reconhecer o cheiro
da maré inaugural e tudo
o que resta é a palavra
dos antigos que insistem
nesse oceânico lance
de dados: resgatar
e relatar
costura
para minha mãe
nave crua do tempo
de pedras pontes presságios
medusas enraizadas
no fundo de uma gaveta
onde dormem traças
e meias sem par
que será do verso erguido
em homenagem à minha avó
costurando bonecas de pano
perdidas nas memórias das filhas
hoje todas grandes
(todas, sem exceção)
era que ano, esse de minha avó,
na praia com cara de sertão?
em que limbo, linha e chita
sua mão ainda hoje exercita
costuras na minha imaginação?
ora veja, tempo, nave crua,
como as coisas são:
da pedra nasceu a ponte
e da ponte o presságio
da mão sumida no verso
perdido na gaveta – qual?
não sei, nem sabe ninguém;
no improviso do resgate, um
novo poema se abre porém,
se enraíza no chão
dos improváveis
como uma flor miúda
inaugura na paisagem
toda uma usina
de sinas insondáveis
a figura do meio
para meu pai
há uma certa razão em dourar precipícios,
encomendar presságios e pardais:
quanto mais se foge,
mais a memória de meu pai
menino – justo eu que nunca estive lá,
a um canto da sala, vejo meu pai
inda criança pensando em seu pai
no quarto ao lado? numa fotografia?
quem é esse pai de meu pai
que tanto dói na criança que observo?
e que, embora ausente,
ecoa
na sala vazia, vara noites,
voa
pelos dias até me atingir em cheio
nesse hoje de um século alheio?
no jardim das veredas que me bifurcam
para Claudia Roquette-Pinto
estou emboscado
na mata de meus anos
agora mesmo
mofam sangues
nos móveis da casa
estou a mil léguas
de distância, preso
na rubra voz dos rouxinóis
típicos rouxinóis do bosque errante
sob a pele
mal tento tocar
ele escapa
e tudo o que vejo
é seu cartão-postal
o sol entre as copas
das árvores plantando
mínimas fechaduras
de luz no chão
mas qual
há de me abrir
subterrânea
a casa?