Sebastião Ribeiro (São Luís – MA, 1988) é poeta e professor de Língua Inglesa, graduado em Letras pela Universidade Estadual do Maranhão. Componente da obra Acorde (Scortecci, 2011), com Igor Pablo Dutra e Weslley S S Costa. Autor de & (Scortecci, 2015), Glitch (Scortecci, 2017) e Memento (Penalux, 2020). GAVETA, GALÁXIA: www.sebastiaoribeiro.blogspot.com
Provisório
um motivo não tenho pronto
nem palavra calma que circunde
o que não é este espaço
desinteressante
e o que dele espera
algo do espaço e
afinal
de que espaço falamos?
gritos tenho alguns e mesmo que
cheguem até o outro lado da matéria
pouco dirão
alguns esperam daqui algo como
‘barco feroz
em cabeleira azul’
ou
‘tessitura molhada
duma alma’
mas
…
o poema consome parte do tempo
que me faria pegar um lotado menos cheio
o poema consome o homem abatido
queimando seu espírito fora do prazo de validade
sim
o homem é a fruta podre que nutre
a árvore sob o sol desfigurante
o homem em tudo que se conhece sou eu
que procura outros homens numa dúzia de maneiras tristes
maneiras que me pedem uma casa com plantas sem metáfora
em seu terraço e mato surgido debaixo do concreto bocejando
uma flor de cor aparentemente eterna
vejam pois que o escrito e os ossos que o
imprimem são um algo só
precisos & parados
num ou outro instante do dia
enfim somos uma erva que índios evitam
Progressão harmônica
atrás dos olhos
a mínima lealdade
que me faz virar as costas
ao trajeto branco caminhado
comensal do futuro
inventam-se ermos
de possibilidade mínima
mais à frente
cordilheira pálida mascara terreiros
onde moram as convenções:
os sonhos e os planos e o silêncio
que me magoa
me faz esquecer aquele homem
considere-se a coerência
o mote benfazejo
à azia dos dias em nuvens cretinas
– perdi o senso para escolhas
na imagem de uma mãe e seu filho
na embalagem de sabonete antibacteriano
motoristas de lotação
insolentes
me giram
a) mude de emprego
b) compre um apartamento
c) se apaixone
e consisto
em tomar do mesmo caldo
de fracassos de ordem ancestral
ao fim do dia
meu centro dói
ossos e artérias me vigiam
com notas promissórias
as mãos entupidas no barro amarelo
me fazem tão da terra como de qualquer outra coisa
o destino parece perder as calças
pareço sempre dizer a mesma coisa
para a mesma louça
qualquer parte lá em cima me ajude
qualquer acordo aqui me alumie
Yosuke Yamashita
Se estou
o músico insistente
na última nota pétrea
perfurante
/
sou o piano aberto
flamejante
querendo voar
Propósito
Herdeiro do próprio reflexo
em meus termos sorvo o fruto
mundano da árvore néscia
tramo uma dor supérflua
acessória ao único corpo
que posso queimar
fracionado apesar do piso
dos índices cinemáticos do
governo cresci
além do broto pisado
de meu sorriso metálico
protubera a mesquinhez
Cogito ascese com um
pedaço de filé na boca
descalço maldigo o nome
do que desistiu de mim
Descalço consulto o tempo
costuro as órbitas do afeto
em rede social
sustento: o que tenho
é fascículo de destinos
– o que não –
mostras do eterno
longe dos corpos que tive
das partículas do que fui
imagino em meu caminho
algo do suspiro
daqueles deuses convulsivos
entranhados nas paredes
da Unidade 731
Brasil
Uma questão
me rastreia –
onde caibo nessa
boneca mutilada
que o moleque
serra a boca
algum plano aqui
me cultiva vizinho
as florestas de vinil
queimadas
geração a geração
por nada foram
fábulas epístolas
bulas sermões
aqui onde sou peso
o barro molha a chuva
a pedra come o mar
são ossos a tua carne
onde me imprenso
me insinuo onde
que distante anúncio
é esse que extravia a
vida neste eterno maio
há nuvens de milhões
que negam o espelho
dissolvem vergalhões
a cada bravata
sugam-se o miolo
absorto
dando de comer ao grito
pio
onde sou quando todo
quanto do todo estou eu