Tito Leite nasceu em Aurora/CE (1980). É poeta e Monge beneditino, mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tem experiencia na área de ensino de Filosofia. É autor dos livros de poemas Digitais do Caos (Selo edith, 2016) e Aurora de Cedro (7letras, 2019). Participou das antologias Sob a pele da língua – breviário poético brasileiro (org. Floriano Martins, Arc Edições, 2019), Revista Gueto: edição impressa n.1 (org. Rodrigo Novaes de Almeida, Patuá, 2019). É curador da revista gueto. Tem poemas publicados em revistas impressas e digitais.
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Eu canto o limo
e o mar aberto,
a madrugada dos poetas
e o tiro seco dos filósofos.
Eu canto o estrondo da trombeta
e o monge que titubeia
entre o louco e o santo.
Eu canto a ovelha e o lobo,
o anjo
em pele de meteoro
e o fim sábio do poeta tolo.
Eu sou o outro que me falta –
e são tantas coisas inacabadas
que me tiram o sono:
o viajante sem destino
que pega um barco
para Colômbia e no trânsito
dos planetas atravessa
o sinal vermelho; o místico
que doma a solidão
ou faz da serenidade uma irmã;
um livro empoeirado na gaveta
com Frege
falando da estrela da manhã;
uma pequena cidade
que morei e não me despedi;
o sonho que perfura minha tarde
e por ele perdi a gravidade.
Eu sou o outro
que me falta – e são tantas
coisas inacabadas
que me completam e ainda
perco o juízo,
com saudade
de quando erámos melhores.
***
E se da tempestade
que se converte em prantos,
pudesse
dos seus escombros reinventar
nossa casa comum
beber vinho no crânio de amargos
bárbaros
deitar-se numa cama de açucena,
tendo a lua como aceno.
E se fosse
os meus olhos além de confetes,
liberdade e manhãs,
então, todo vinho seria novo.
***
Vejo um coelho branco
atrás do nevoeiro.
Fico perdido feito cego
no meio da claridade.
Para Sócrates, o osso
de uma verdade
é encontrado dentro
de nós mesmos.
O segredo
de muitos filósofos
é o escondimento.
Eles se protegem
atrás de conceitos.
No fragor
de minhas especulações
faltam palavras
a dizer: no imenso nada
tudo deságua e a terra
já não reclama pelo
sangue bucólico de Abel.
Fico com a intuição
de que todas as estrelas
cantam:
nenhuma noite é cega,
nenhum momento morre,
nenhuma pomba
abraça um furacão,
nenhum poeta é novo
e a paz não descansa
na sombra de uma árvore.
A força da natureza
tudo rasga,
como se fosse o soco
de uma onda quebrada
na finura da tarde.
A força da natureza
tudo arrasta e não pergunta
pelo que é digno de ficar.
Por mais que os sinos
dobrem,
as horas nunca
estiveram aqui.
Pupila dos olhos,
a ilusão de que é possível
capturar o que foge.
***
Corri muito
e pensei bastante.
Com os meus planos
desmedidos
com os meus diários
cinzentos
e meus alicates
de cortar cercas coloniais.
Com linhas tortas
em palimpsesto
escrevi certo e inventei
motores, findou em nada.
Minhas lutas não
venci – do que sonhei sou
uma figura de uma cantiga
que não se descerra.
***
A lua guarda um segredo
violáceo.
Com astros e cores
o poeta busca a boa imagem.
David Bowie escreve
para o homem das estrelas
lendo “o homem do violão azul”
de Wallace Stevens.
Os físicos escrevem
com uma caneta Bic azul:
a luaviolácea cabe
num buraco de minhoca.
Muitas vezes, a melhor
palavra é a boa imagem.