Carlos Orfeu – Calabouço do Açoite

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Carlos Orfeu, nasceu em Queimados, Rio de Janeiro. Publicou Invisíveis cotidianos em 2017 pela editora paraense Literacidade. Nervura em 2019, pela editora Patuá. Participou da antologia organizada pelo poeta Floriano Martins:Sob a Pele Da língua, onde reúne jovens poetas com referências surrealistas. Têm poemas publicados em revistas e sites literários.


Calabouço do Açoite

sou alguém que se descobre
infindavelmente negro
Marcelo Ariel

I

carne –
coisa no
calabouço
do
açoite

projetada
no ventre
de
ferro

o
sol
da colheita
de
sangue

não coagula
no quilombo
do grito

II

na carne
a cor da noite

é um canto
da pele
ramificada

no relâmpago
da destreza

III

a carne aflorada de cicatrizes
ossaturas dos nomes
extirpados de suas alteridades

na carne os fantasmas
não se calam
nas fissuras do tempo

mitificam a agonia
amordaçam os pés

no cerco cego
a fúria é incurável doença

IV

a carne é esse campo de vozes fossilizadas
ao abandono das massas

na soberania do caos nomeado deus
invocam o império bestial
com tentáculos de sangue

urge a morte
o manto pútrido

sobre rostos e ossos
espectros na história

V

ao corte na cana
assemelha-se
o corte na carne

       em latifúndio
       inimigo
       as sombras

       mutiladas
       marcadas
       como bois

       -invisíveis-

       no campo cruel
       dorsos na sustentação
       de suas marcas
       surrados sobre um sol fantasma

VI

quando o corpo do colonizador
putrefato
fede nos dentes da relva

:a carne do colono
há muito cárcere
é asa
pólen
leopardo

entre semelhanças
caminha
livre
pisando
as feridas
que reluzem
ao
sol

VII

colhem nos nervos do algodão
a manufatura das mortes

cantam entre calos e sangue
o blues que não se cala no medo
e nunca se calará

VIII

carne
lâmina
linguagem

negra
nervura
verbo
sangue

alinhavado
de luas
punho
leopardos

 

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