Por José Carlos Aragão
Minha memória talvez nunca seja capaz de lembrar o nome do livro do poeta, o título de algum dos poemas que o compõem, ou mesmo a grafia correta do sobrenome do autor. Pouco importa: vou me referir a ele como “o belo livro de poemas inominados do Francis”. (Com um exemplar à mão, citá-lo até fica fácil: Kurkievicz, Francis. B869.1k96. Editora Patuá, 2020).
O que realmente importa é o que a memória guarda: o que o poeta diz, pela boca de seus poemas.
Nos dias de hoje, em que tantos trovadores são festejados na mídia e nas redes sociais por poemas meramente confessionais de suas frustrações, decepções e dores de cotovelo, é raro encontrar um poeta que se expresse tão apropriadamente em primeira pessoa. Os poemas de Francis foram escritos como Poesia de verdade: são literatura. Não são um reles desfile de lamúrias expiatórias e terapêuticas que tantos tentam converter em versos brancos e publicar, quando seria melhor que ficassem restritos somente ao divã de um analista. “O poema não é terapia”, Francis anuncia em um de seus poemas.
Ainda assim, ele não prescinde de falar da inquietude e da angústia natas dos poetas e sem as quais talvez fossem apenas escrevedores de frios relatórios técnicos sobre o que são a vida, as pessoas ou o universo. Ao contrário, o que Francis nos confessa é que seu único saber (entre outros similares e que um de seus poemas arrola) “é que a vida não cabe em uma planilha do Excel”. Que bom que uma constatação que parece tão óbvia, nos seja atirada na cara, como só os poetas verdadeiros ousam – e sabem – fazer.
Francis também faz da insônia (mal comum a tantos criativos) preciosas limonadas: “Ariadne passeia insone pelo labirinto”. Assim, não é difícil imaginá-lo errante nas madrugadas, moleskine e caneta em punho, espreitando os passos de suas ariadnes distraídas e sonâmbulas ou arquitetando novos poemas.
Aliás, há muito de arquitetônico no belo livro de poemas inominados do Francis. Há uma certa engenharia de palavras escolhidas e dispostas com apuro, zelo e cálculo. Uma mistura de aliterações e assonâncias em construções planejadas e consequentes e que desejamos logo habitar.
Poetas têm licença para questionar. Nenhum poema, entretanto, tem obrigação de responder.
“Como ser poeta
num mundo que desmorona?
Como ser poeta
quando um irmão te odeia
por suas escolhas?”
Francis, nesse caso, faz oportunas perguntas que seu ofício lhe faculta. E parece engrossar o coro dos indignados e fustigar, com uma imorredoura esperança, os alienados que apenas seguem a boiada, incapazes do menor pensamento crítico.
No mais, o livro de poemas inominados do Francis é um livro que não contém silêncios: suas páginas gritam. E faz gosto ouvir tão belos versos que abdicam da rima, mas sem nunca perder o tom.
José Carlos Aragão – escritor.
Francis Kurkievicz – é poeta, professor de Filosofia e Criação Literária. Natural do Paraná vive em Vitória/ES onde se dedica exclusivamente à poesia. Publicou pela Editora Patuá o livro de poemas B869.1 k96.
Li e reli e pretendo ler mais! Recomendo!