Os traços meio-nortistas nas artes de Weslley Oliveira

| |

Por Monyse Damasceno

Conheci Weslley na Universidade Federal do Piauí, eu já estava lá quando ele chegou. Na época, ou pouco tempo depois, ele começou a andar para cima e para baixo com uma gaita, mas acho que a fotografia já marcava presença por ali. Conversamos muito durante o período de graduação, fizemos muitos planos, e continuamos assim. Vi de perto os progressos, as vontades que iam se moldando com o tempo, com as experiências, as viagens e com as pessoas que vinham e iam com elas.

Conversei com o Weslley Oliveira, o artista que tanto admiro. Hoje sei que em tudo o que ele sempre fez e foi tem muita arte, muito olhar fotográfico e musicalidade. Falamos da universidade, do cinema independente e marginal teresinense, do pífano, das andanças e dos jobs que foram longe. E, como é de se esperar, falamos dele mesmo.

Você se divide entre dois Estados, Piauí e o Maranhão. Quais são as suas raízes?

Nasci em Teresina, mas fui muito novo para Timon, morávamos em um assentamento, e o contato com essas origens me influenciaram muito. Tive infância brincando na rua, com muitas amizades e com uma educação rígida em casa. Hoje vivo apenas com a minha avó, meu avô já se foi, mas ele sempre ditava as regras, dava ordens, era aquela estrutura típica. Depois do divórcio dos meus pais, passou a ser minha mãe, minha avó e eu. Duas mulheres ensinando tudo, sempre batalhando muito. Aprendi muito na rua, para mim, os ensinamentos da minha mãe e os que vieram da rua, me deixaram conscientes dos meus atos e do meu lugar no mundo,  do coletivo.

Às vezes me confundo, as pessoas perguntam “você é teresinense?”, e eu digo que sou. Mas morei a vida inteira em Timon, no Maranhão, para mim as duas cidades viraram a mesma coisa, estou as descobrindo. Teresina, na minha opinião é uma das melhores cidades para se viver, apesar de muito reprimir os artistas, ainda dá pra desbravar ela com outro olhar, aproveitar mais do que ela oferece.

Você permeia por muitos caminhos artísticos, desenvolve habilidades e está sempre criando. Quais são os seus interesses na vida?

Desde que tomei consciência, percebi que a minha vida sempre foi muito ligada a essa coisa da imagem. Nisso compreendi que a fotografia faz parte da minha vida há muito tempo, e que talvez tenha virado uma coisa profissional, mas nem sei. E não sei porquê o que crio talvez não se adeque ao molde que se espera de um produto. É uma grande frustração que carrego, porque não vejo como me encaixar nesse sistema. Em algumas atividades específicas consigo me encaixar, mas e as produções que faço por prazer?

Leia também:  “Quantas mulheres não estão dirigindo seus filmes porque elas estão cuidando dos afazeres domésticos dos filmes de outras pessoas?” Milena Rocha: entre o cinema e o jornalismo.

Estudar Jornalismo, o que a graduação em Comunicação na universidade pública representa para você?

 A graduação foi um divisor de águas, primeiro pelo contato com a universidade, uma coisa que eu não esperava acontecer, não tinha esse objetivo até os 20 anos. A família cobrava mais um trabalho, mas a minha queria me ver na universidade. Tive um choque depois de entrar na UFPI, o contato com o movimento estudantil, que me formou politicamente, e a formação profissional, que me trouxe boa parte de quem sou hoje, se é que posso me considerar um profissional em alguma coisa. Me deu acesso a muita coisa, despertou o interesse pelo audiovisual, o documentário, a visão crítica sobre a mídia. Saí da caixinha.

E a sua relação com a produção de vídeo, de cinema e com a fotografia, como ocorre o processo criativo, a relação com inspirações?

Minha inspiração é a vida, o cotidiano das cidades, das populações urbanas e periféricas, é isso o que me guia. As viagens que faço são prova que é a busca pelo novo que sempre me guiou, a procura por algo que me atravesse de alguma forma. As inspirações são aspectos que estão em constante transformações, observar uma situação cotidiana para mim é muito rico, por isso o meu interesse pelo documentário. Minhas inspirações também são aqueles que trabalham essas mesmas questões. Eduardo Coutinho, a quem devo muito a minha formação de documentarista.

Viajar e passar por muitos lugares é algo muito presente em sua vida. Qual viagem mais marcou você e sua atuação como comunicador?

Até os 21 anos eu não saia de Teresina, vivia por aqui, e na graduação tive essa coragem de pegar carona numa BR para viajar. A viagem mais marcante foi a última que fiz, coloquei em prática um documentário e fui para um lugar que sempre tive vontade de conhecer, a Amazônia. Fomos convidados para participar do II Encontro de Jovens Indígenas, em São Gabriel da Cachoeira (AM), uma das cidades com maior número de etnias indígenas no Brasil. Viajamos 10 dias de barco pelo Pará, de ida e de volta, pegamos quatro embarcações, um barco chegava a ter 700 pessoas. Milena estava comigo, parceira de produção, vivendo um Brasil que a gente não conhecia, a vida no norte do país.

Leia também:  Trocando uma ideia com Ricardo Imperatore

Você possui um curta que se chama o Pier do Poty, me fala um pouco dessa obra…

Faz parte dessa minha descoberta, documentar o que vivo e pensar como narrar isso. O píer do Poty foi um lugar descoberto por uns amigos, passamos a ocupar o espaço, conhecer as pessoas que estavam sempre por perto, e por ali sempre discutíamos assuntos sobre marginalização de espaços, comunidades ribeirinhas. O Píer coloca a câmera como um terceiro personagem, e ele discute junto sobre as questões do rio, como o enxergamos. E assim como o rio Poty, existem outros espaços que merecem ser inseridos em nossas narrativas, para desmistificá-los.

 O Pranto do Artista foi premiado e exibido em festivais pelo país, quais aspectos considera importante desse trabalho?

O filme foi premiado no 12º Visões Periféricas, no RJ, e no 42º Guarnicê, em São Luís, como melhor filme maranhense. Esse filme representa a  mola do meu processo de identidade enquanto criador, meu objetivo ao documentar, foi querer ir além da UFPI com o meu TCC. Comecei na loucura de fazer um longa, não é uma escolha muito sábia quando não se tem a estrutura necessária, o aparato técnico e recursos, mas foi o que me despertou no momento. E acabou sendo positivo para mim, os estudos para esse processo foram ricos, partindo da metalinguagem do documentário, passando por filmes etnográficos.  É um filme muito maluco, tivemos um contratempo que se tornou o ponto alto da obra. Tenho muito orgulho dele, apesar das falhas, que reconheço, vejo ele como um filme de processo do Labcine, não só meu, mas de várias pessoas.

Você está na ala dos que consomem e produzem, como você encara a situação atual do audiovisual no Brasil de Bolsonaro?

Sempre acreditei na força política do cinema, acho que começamos muito mal com o cinema brasileiro, e até hoje sofremos com isso. Um exemplo é o problema da distribuição, uma discussão infinita que ninguém sabe como resolver. Antes do Bolsonaro o cenário era de leis de incentivo, políticas de fomento, mas sempre empacando na distribuição. Quem via filme nacional? O Bolsonaro tem sua parcela de culpa, mas o problema tem raízes profundas, em relação à presença do cinema BR na vida das pessoas. A democratização, o acesso ao cinema na escola, disciplinas de formação, acesso mais fácil do povo ao cinema, cursos de formação para agitar a produção, são medidas que surtem efeito, criam um vínculo entre o povo e a sua expressão no cinema. Democratização do cinema não é só baixar o preço do ingresso, é investir em cine-educação, na base, nas escolas, universidades, no cotidiano das pessoas. É fazer os filmes nacionais chegarem às pessoas.

Leia também:  DO RAP AO HARDCORE AO CARTUM: AS ARTES DE XANDÃO CRUZ

E a música, como o pífano chegou na sua vida e que essa experiência tem representado?

É uma das coisas que mais venho valorizando. Sempre tive interesse pela música, tenho muita facilidade para absorver o ritmo e assimilar o som, os tons, agora busco desenvolver isso teoricamente. A música tradicional, cultural, o pife, o coco, o maracatu, foram o melhor caminho, são músicas que me agradam, assim como as africanas, o afro-beat. O pífe tem sido uma das válvulas de escape que estou me apoiando nesse período, me proporciona muitos aprendizados, contato com muitas pessoas boas. Quem sabe me tornar um musico, né? O desejo é de aprender mais.

Quais suas ambições com o cinema?

Minha maior ambição é não parar de produzir, começar a desenvolver pesquisas na área e escrever sobre audiovisual, porque leio muito sobre e sempre busco compartilhar. Produzir conhecimento e disseminar, nunca parar de produzir e experimentar são garndes ambições. E sempre criando com pessoas que somam comigo, e a Milena é uma dessas pessoas, pensamos cinema da mesma forma e acreditamos nas mesmas coisas.

Onde Teresina e o Piauí se localizam na produção de audiovisual na atualidade?

Teresina se posiciona dentro desse cinema a margem, de quebrada. Um cinema que vem sendo descoberto e sendo procurado pelas grandes produtoras, pelos principais eixos de produção, RJ/SP/REC/MG. A busca por narrativas que até em não foram contadas, está acontecendo, a nossa oportunidade é o agora. Colocar para fora coisas que só a gente conhece, vivencia, temos que tomar consciência disso e começar a valorizar a nossa produção, discutir a nossa forma de fazer. Foi assim com os filmes que fizemos e que repercutiram fora, as pessoas precisam ter contato com o que é produzido aqui. Teresina não tem um mercado de produção a moldes industriais, a maior parte da produção audiovisual é voltada para a publicidade, trabalhar exclusivamente com o cinema é quase impossível. Não temos escola de cinema, é aí que Labcine toma a frente de ministrar cursos, oficinas, porque apostamos neste crescimento.

Imagens: Arquivo Weslley Oliveira.

1 comentário em “Os traços meio-nortistas nas artes de Weslley Oliveira”

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!