Philippe Soupault (França, 1897-1990) – Série Um Século de Surrealismo / Poetas

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Série Um Século de Surrealismo – Poetas, 38
Organização e tradução de Floriano Martins

Poeta, escritor e jornalista, Philippe Soupault foi um participante do Dadaísmo em Paris e membro fundador do grupo surrealista. Após romper com o Surrealismo em 1926, Soupault escreveu monografias e textos autobiográficos relembrando a vida cotidiana e a política dos círculos de vanguarda na capital francesa. Como destacado jornalista, viajou muito como correspondente para a revista L’Intransigeant, entre outras, vindo a ser editor de La revue européenne, de 1923 a 1928. Foi também produtor de rádio pioneiro durante e após a Segunda Guerra Mundial. Embora pouco se saiba sobre suas atividades de colecionador, ele foi uma figura central dentro dos círculos de vanguarda franceses cujas contribuições impactaram a história inicial da arte e literatura experimental dentro e muito além do surrealismo. Le Temps des assassins (1945), é um livro de memórias que detalha a sua prisão pelo governo de Vichy em Tunis, Tunísia, onde trabalhou como jornalista e diretor da Rádio Tunis.

Embora extenso, reproduzo aqui um revelador trecho de entrevista com Franc Schuerewegen, professor da Universidade de Antuérpia, estudioso de Marcel Proust, em que menciona a relação de Proust com Soupault e as vanguardas. Diz ele:

Proust conhece Soupault. Em Lost Profiles (1963), recorda os tempos em Cabourg onde, antes da guerra – Soupault tinha quinze anos na altura – via o futuro Prix Goncourt como cliente do Grand Hôtel. O encontro com o escritor deixou-lhe ternas lembranças: Ele falava muito de si naquela época: todo o encanto das coincidências, a dor dos encontros, o prazer e os arrependimentos. Um sorriso jovem, olhos tão profundos, tão distantes, gestos lentos, afetuosos. Em 1919, Soupault – tinha então vinte e dois anos – criou a revista Littérature com Aragon e Breton. Será o órgão oficial dos dadaístas parisienses. Proust está interessado na revista Littérature. A acreditar em Soupault, Proust teria gostado de assinar a revista. Não está claro se ele realmente fez isso. Quanto a Breton, que se preparava, via dadaísmo, para se tornar “papa do surrealismo”, encontrou, em 1919, um pequeno emprego nas Éditions de la Nouvelle revue française, portanto na Gallimard, onde deveria cuidar dos livros de outros. Cito Michel Sanouillet em seu excelente livro Dada in Paris (2005): Na verdade, pressionado pela necessidade de dinheiro, ele foi forçado a aceitar um cargo de revisor. Contratado na Rue Madame com a garantia de Valéry e Gide, lutou oito horas por dia, por um salário mais que modesto, no imbróglio dos armários, cem vezes arranhados pela mão meticulosa de Proust, no Côté de Guermantes  II . Então temos aqui, veja você, uma extraordinária combinação de circunstâncias. Existem ligações entre Proust e Soupault. Os dois são da mesma origem social, como você bem ressalta. Marcel viu Philippe de maiô na praia, não esquecemos dessas coisas. Depois há a grande guerra. Tzara chegou a Paris em 1919, que foi o início do dadaísmo parisiense. Soupault e Breton fundaram a Littérature com Aragon. Em janeiro de 1920, nas colunas da Littérature, Aragon chamou Proust de esnobe laborioso. É bastante violento. No entanto, os hobistas não são inimigos de Proust e procuram nele um aliado. Voltaremos a isso novamente, eu acho. A imagem não está completa. Ao dirigir ou codirigir Littérature, Breton trabalha na Gallimard onde é solicitado a cuidar das provas da Coté de Guermantes. A consequência de tudo isto é que se formarão relações entre Proust e estes jovens. Digamos a mesma coisa de forma diferente. Os dadaístas conviveram com Proust, Proust, por sua vez, conviveu com o dadaísmo, essa história ainda é, hoje, muito pouco conhecida.


AS FÁBRICAS*

Os animais estrangeiros e os industriais generosos pertencem ao mesmo círculo
A avenida dos beijos
Doença dos jovens
Os papéis da parede dos tetos das jaulas e dos circos
Oficinas das salvações
Uma dança rápido uma dança
A química delicada
Joguem os dados
Um homem ao mar
Um homem passa quero vê-lo
Corre azul mais azul que meus dedos gelados mancha dos trilhos
As ferrovias as usinas
O ferro arde
A madeira
O tabaco das prisões mãe dos sonhos
Um bar pracinha galhardia doentia
Quinta-feira quinta-feira
Dêem as mãos a cabeça das árvores
Calma dos sóis
Corpos compostos sais
Caminhões tragam os resultados
As sombras nossas amigas
Um general manda sobre algumas mãos
Os belos relógios

(*Em colaboração com André Breton, Les champs Magnétiques, 1920).


CREPÚSCULO

Um elefante em sua banheira
e três crianças que dormem
singular singular história
história de sol poente


DOMINGO

O avião tece os fios telegráficos
e a fonte canta a mesma canção
No encontro dos cocheiros o aperitivo é alaranjado
porém os maquinistas das locomotivas tem os olhos brancos
a senhora perdeu seu sorriso nos bosques


EM DIREÇÃO À NOITE

É tarde
na sombra e no vento
um grito sobe com a noite
Não espero ninguém
ninguém
sequer uma lembrança
Há tempo que a hora já passou
porém esse grito que leva o vento
e empurra para adiante
vem de um lugar que está muito além
por cima do sonho
Não espero ninguém
porém aqui está a noite
coroada pelo fogo
dos olhos de todos os mortos
silenciosos
E tudo o que devia desaparecer
todo o perdido
há que voltar a encontrá-lo
por cima do sonho
em direção à noite


ÚLTIMOS CARTUCHOS

A noite tem olhos sem pupilas
e mãos cumpridas
Que bom tempo faz
Há uma estrela vermelha
e longas serpentes noturnas
Faz bom tempo
É necessário gritar para não estar triste
as horas dançam
É necessário rugir para não matar
para não morrer cantando
para não avermelhar de vergonha
e de raiva
Nada melhor do que ir embora
pegar a bengala
e caminhar
Quando alguém esgota os nervos
e se enfurece
Que bom tempo faz
os sinos repicam para os defuntos
e pela glória das armas
tudo tem que voltar a começar
Apesar da escuridão vejo
como caem cabeças no cesto
sob o golpe da guilhotina
diviso afogados que flutuam
e enforcados que se balançam
Ouvimos gritos nos hospitais
Que bom tempo faz
Alguém se olha no espelho
por prazer
e se acha realmente feio
porém pensa em outra coisa
para não desesperar
O que se vê
realmente
o que se vê
O cemitério é encantador
há flores coroas
cruzes e inscrições
Que bom tempo faz
O que se ouve
o sol toca o clarim
nas portas dos cafés
é a batalha definitiva
a cidade morre ao som das rãs
e as flores caem
severamente
como árvores desenraizadas
Aqui estão os homens
estão tão pálidos como os vivos
usam gravatas vermelhas
bengalas com ponteiras de chumbo
e jornais de todas as cores
Eles param
e jogam
cara ou coroa
Cada vez faz melhor tempo
Bandeiras e música adiante
inclinamos a cabeça
porque cada vez estamos mais
sós
pálidos
feios
Temos que reiniciar a marcha
com cara ou coroa com riso de vinho e licores
Os cafés estão pavesados
como os sorrisos das cortesãs
avancemos sempre
logo saberemos o que há pela frente
Realmente faz muito bom tempo

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