Série Um Século de Surrealismo – Poetas, 42
Organização e tradução de Floriano Martins
Iris Tree foi poeta, conhecida como uma boêmia genuína, uma espirituosa excêntrica e original em todos os aspectos de sua vida. Ela dividia um estúdio secreto em Londres com Nancy Cunard e foi uma musa popular de artistas, posando para membros do grupo Bloomsbury. Em 1960, apareceu em La Dolce Vita, de Federico Fellini, como ela mesma. Biografia agitada, foi também atriz – atuou em peças suas e de outros, mas quase sempre em pequenos papéis –, viveu muitos amores, relações abertas, algumas bastante sofridas, levou uma vida pobre e nômade, teve seus poemas publicados, e morreu deixando um romance por acabar. Antes de morrer repetiu três vezes a palavra “amor”.
GANSOS SELVAGENS
Eu vi gansos cinzentos agitados sobre as planícies,
Gansos selvagens vibrantes no alto ar,
Eu os vi como os sinto, voando
Senti minha vida enrijecida em suas gargantas –
Rochas de ferro do norte pelo mar enrugado,
Com o milho verde da primavera perfurando,
Costelas de um barco negro apodrecendo na areia,
Costelas de um gigante
Nas linhas infinitas, ondulantes e marcadas pelas ondas das dunas do deserto…
Eu vi gansos selvagens voando antes do nascer do sol,
E a brancura cinzenta deles fitando os enormes céus,
E os raios do sol sobre as colinas amassadas…
POEMA SEM TÍTULO
E depois, quando a honra tiver feito o bem,
E tudo pelo que pensas lutar aconteça,
Uma alegria tardia para uma raça aleijada;
Os dentes do buldogue relaxam e mordem por comida,
As águias voam para sua ninhada abandonada,
Dentro do ninho devastado. Quando nenhuma desgraça
Espalhará um rubor pelo rosto abatido
De Orgulho ansioso, já corado de sangue.
Na vitória terás conquistado o Ódio,
E espetado a velha Loucura com uma baioneta
E derrubado o portão hediondo da prisão?
Ou os deuses gordos ainda serão glorificados,
Saciados com ouro, pó e estado vazio,
O incenso de nossa angústia e nosso suor?
O SAPO
Ele desce escadas escuras,
Com os pés abertos empurrando cortinas escuras,
Leques verdes e arranjos de filmes lentamente se movendo.
Globos brancos flutuam para cima dele,
Bolhas lustradas com crepúsculo e luar.
Sombras se contorcem sob ele,
Atirando sombriamente, equilibradas
Com barbatanas trêmulas
E caudas se contorcendo.
Seus olhos encaram com grandes holofotes,
Sua boca engole, ele suga e engole;
Sua barriga sente o lodo
Desliza polido, flexível, secreto.
Ele chuta e rema com longos gestos,
Continuando sua ondulação, balançando as ervas daninhas para longe.
Ele deita na superfície lisa e preta.
Seus olhos conhecem a luz das estrelas,
E ele ouve os latidos e coaxos dos amantes.
Ele é vigoroso e se enche de paixão
Subindo as folhas de nenúfar,
Observando o brilho salpicado onde as fêmeas saltam,
Esticando suas barrigas amarelas, sacudindo suas pernas.
NÓS SOMOS OS GUARDIÕES
Somos os guardiões das casas vazias,
A lua apoia seu corpo magro contra a porta,
Mas a ferrugem faz a fechadura ranger.
O sol olha pela janela,
Mas persianas fechadas são como olhos cegos.
Nossas almas estão cheias de morte e coisas maravilhosas
Como tigelas cheias de objetos,
Um pó de pétalas
Sussurros entre os dedos cansados de um fantasma.
SILÊNCIO
Em algum lugar da terra
Há um propósito que perdi ou esqueci.
As árvores se erguem imóveis
Como colunas sem teto de um templo destruído.
Há um propósito no Céu,
Mas para mim,
Nada.