A Moça da Casa à Beira-Mar – Um Conto de Franck Santos

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Franck Santos, escritor/poeta maranhense, libriano com ascendente em peixes (talvez por isso goste tanto do mar), 52 anos, escreve para extravasar a solidão. Tem cinco livros publicados nos gêneros poesia e romance.


A moça, ali no meio da sala, sentada numa cadeira de balanço, na quase manhã. A moça tem os pés descalços, ela andava descalça, não se preocupava com detalhes como usar sapatos, gostava do prazer de sentir e estar em contato com o solo desde criança, e agora, naquela casa, de frente para o mar, isolada não sabia desde quando, saia ao amanhecer e ao anoitecer, sentindo a água salgada nos pés, a areia, os seixos, as ondas…

A moça usava um vestido vaporoso, florido; ela também gostava de roupas leves, coloridas, com flores; flores nas roupas, nos cabelos, nos vasos enfeitando a casa, no jardim que passava quase todas as manhãs, sua pequena botânica: na qual se perdia com os cheiros, as cores, os sons e as visões de pássaros, borboletas, lagartas e outros desconhecidos da fauna que a visitava. E ela ali, na quase manhã, sentada naquela casa, sem visitas, sem telefone, ouvindo o barulho das ondas do mar, na sala aos poucos invadida pelos raios do sol, sem saber em que ano, mês ou dia estava… Um pescador tinha ouvido falar de uma nuvem radioativa, uma chuva ácida, uma peste que estava a caminho; que viu a cidade deserta e poucas pessoas nas ruas usando máscaras, luvas, capacetes e evitando se abraçarem, se beijarem, se tocarem. O que realmente estava acontecendo na cidade? No país? No mundo?

A moça olhava a parede a sua frente pintada de vermelho, nem sabia quando aquela parede mudara de cor, lembrava apenas de um azul pálido. Como não lembrava que música era aquela que tocava como uma cantilena, um mantra, desde sempre, naquela casa: De onde vinha aquele som? Que objetos eram aqueles espalhados por poltronas, mesas e cadeiras? Seriam seus aqueles lenços de seda, uma mala entreaberta, moedas estrangeiras antigas, cartas manuscritas em envelopes com bordas verde e amarelo, diários, livros, um mapa de alguma cidade desconhecida, fotografias – a maioria em branco e preto e em todas elas a moça sempre sorridente – um guia de viagem, mas ela esteve viajando? Quem era o homem que aparecia com ela em algumas fotografias? Não lembrava quando e nem onde foram tiradas, não lembrava ter cruzado além das pontes da cidade que morava, se é que sempre morou ali, tudo era bruma. O que realmente estava acontecendo com ela? Com a cidade? O país? O mundo?

A moça, naquela quase manhã, pensou em olhar-se no espelho, se maquiar, trocar o vestido florido por outro, calçar sapatos; ela que não se preocupava com esses detalhes, mas sentiu uma súbita vontade e necessidade de fazer essas coisas, como se alguém fosse adentrar a casa e tirá-la daquela letargia na qual estava inserida. Será que poderia ir à cidade? A feira? O que encontraria lá fora? O que estava acontecendo com as pessoas? Com ela? Com a cidade? O país? O mundo?

A moça buscou as horas, mas os relógios pararam naquela sala, naquela casa. Cães uivavam ao longe, no jardim pássaros faziam algazarra, o mar a chamava. Aquela quase manhã para a moça parecia sonho, livro, filme, coisas assim, por isso, ela não sabia se ainda existia.

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