Explicação – Poema de Maria Martins (Brasil, 1894-1973)

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Apresentação e seleção de textos, por Floriano Martins

A escolha de Nova York como ambiente central em decorrência do exílio de muitos artistas europeus, em face da 2ª Guerra Mundial, propiciou a Maria Martins, então ali residente, um rito de passagem no que diz respeito à definição estética de sua criação. Como resultante das novas amizades que foi colhendo destacam-se a exposição que realizou com Piet Mondrian em 1943 e a intensa relação amorosa com Marcel Duchamp. Este momento marcou uma aclimatação entre os mitos amazônicos e a perspectiva do maravilhoso defendida pelo Surrealismo, acentuando o erotismo que já se anunciava em sua escultura. Um erotismo que se revela na perene transformação de suas figuras, na sedução de seus significados, recordando o que dela dissera Benjamin Péret, ressaltando que sua escultura tende a provocar a natureza, a estimular nela novas metamorfoses, cruzando o cipó com o monstro lendário de onde ela provém, a pedra com o pássaro fóssil que dela se evade. Suas ramificações concentram em si uma transgressão latente do corpo feminino, desnudamento simbólico que avulta a libido inspirando novas formas orgânicas, leito infestado de analogias, simbiose constante do que vemos e imaginamos. Ao conversar com Zuca Sardan ele me recordou haver conhecido Maria em uma retrospectiva de sua escultura no Brasil ao final dos anos 1950: Ela era totalmente ignorada pela elite brasileira, até os anos 1940 e 1950, quando dominava no Brasil uma arte séria Bauhaus, até o final dos 1950, quando ao lado da arte esquerdista engajada surge o concretismo, não havendo lugar para suas esculturas eróticas ou para o Surrealismo.


EXPLICAÇÃO

I

Eu sei que minhas Deusas e sei que meus Monstros
sempre te parecerão sensuais e bárbaros
Eu sei que você gostaria de ver reinar em minhas mãos
a medida imutável dos elos eternos.
Você esquece que eu sou dos trópicos, e de mais longe ainda
você esquece tudo isso, que de mais longe vindo
se mistura ainda nas minhas veias,
ao sangue queimado do Astro equatorial,
o orgulho bravio do Espanhol vencido
raptando sua vitória ao Mouro perdido de êxtase;
– a aventura portuguesa temerário destino,
Abdicando do ouro o poder no braço de Moema
– a arrogância holandesa, a inquietude irlandesa,
uma e outra submissas
ao imperioso amor, que dispõe dos homens.

II

Eu sou o meio-dia pleno da noite tropical.
Tudo é calma e esplendor, nenhuma folha se move
Nenhuma falha rompe a eternidade do dia,
Um mesmo torpor, angustiante e mudo,
das cores do pássaro ao odor da flor
tece o mesmo sonho.
E o jaguar todo lânguido de doçura
cede à embriaguez do sono
Só o transe efêmero de uma cigarra
Corta a morna espessura do silêncio macio.

III

De repente o espaço é de chumbo.
Palpitante e bravio desperta a floresta
Num arrepio de espera e uma onda de felicidade
e de repente sobe um sopro de loucura
e eis o vento correndo em ativa frenesia,
o vento que canta e uiva,
a grande canção de força e de desejo,
o vento que ruge e ralha, transbordante
e desesperado grita
seu monstruoso amor num tumulto ofegante.
E durante longas horas as folhas
e as árvores se entregam
se afastam e se entregam, se afastam e se entregam,
até o bom cansaço da união vivida…
Então, tudo volta à tranquilidade primeira
reengendrada dolorosamente
na conquista da plenitude
E a vida, inocente saciada,
a terra fresca descansa,
a terra novamente Virgem e misteriosa e fechada
como aquela que a Vida não ousaria atormentar.

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