A potência e a voz de Victória Bueno

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por Aristides Oliveira e Cássia Fernanda

Victória Bueno mora em Floriano (PI). Estudante de História pela Universidade Estadual do Piauí e antenada nos debates político-feministas contemporâneos, conversamos com ela para aprender como lida com suas vivências diárias num país como o Brasil. Como é ser mulher negra no contexto que estamos?

Que avaliação você faz da conjuntura política em que parte do eleitorado feminino apoia um presidente que assume posturas machistas?

 É extremamente lamentável. Essas posturas que não são ideais, e sim fatos. É lamentável que mesmo com tantas lutas que já foram destravadas dentro do ativismo feminino, ainda há quem apoie esse governo machista, racista, homofóbico e genocida. Mas ao mesmo tempo em que lamento, acredito e confio na luta dessas lideranças que têm o poder de informar e libertar mulheres dessa alienação.

O que você tem lido no campo literário escrito por mulheres negras? Nota-se um avanço significativo no circuito editorial nestas publicações. Para você, o que levou a esse progresso?

Pelo meu processo de formação em História, dedico meu tempo de leitura a referências negras como Ângela Davis, Conceição Evaristo, Bell Hooks, Djamila Ribeiro, entre outras.

Considerando o país racista e machista em que vivemos, ler e estudar literatura de mulheres negras é mais que importante, pois é uma forma de garantir a existência dessas mulheres que são as mais oprimidas e interiorizadas socialmente. É sobre se desmitificar da “história oficial” que nos foi apresentada, tornando essas mulheres protagonistas das suas próprias histórias e aprender com elas.

Acredito que o progresso dessas leituras no circuito editorial se dá pela resistência dessas mulheres que buscam movimentar o espaço literário com o objetivo de descolonizar as mentes leitoras.

Cantoras negras brasileiras estão ocupando espaços importantes no cenário musical, influenciando outras artistas a ter independência e voz na sua produção sonora. Que mulheres te inspiram? Qual a relevância delas na sua formação político-afetiva?

Minha maior referência como artista preta sempre foi Elza Soares. Um exemplo de resistência que eternizou suas lutas através da arte. A voz e as letras de Elza me acolhem quando me questiono sobre essas questões femininas e raciais. Assim como outras  artistas entre Liniker, Nina Simone, Luedji Luna e Ludmilla, que compõem meu estilo musical. É nelas que encontro o acolhimento, ouço sobre amor e autocuidado. São referências no meu autoconhecimento como mulher preta.

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É até óbvio dizer que o Brasil é um país racista. Você percebe alguma mudança de consciência na sociedade para barrar o preconceito ou estamos estagnados nesse sentido?

É importante a gente enfatizar que o racismo é estrutural. Infelizmente, é um problema que cresceu junto com o país, olhando historicamente, desde a exploração escravista. Nesse sentido, ainda que não posso negar o avanço que já demos socialmente, essa consciência ainda está em falta, pois parte de toda uma estrutura racista que perdurou por mais de 300 anos de escravização. Para se barrar o preconceito, o racismo e a discriminação racial,  é preciso “cortar da raiz” tudo que incentiva a violência contra as pessoas negras. Buscar entender a origem do problema e construir uma consciência real que não seja de casos isolados.

Ao seu redor, que mudanças você sente na educação brasileira com a implantação das cotas?

O sistema de cotas raciais mudou e muda a realidade de milhares de pessoas negras que buscam o mínimo, que é o direito ao acesso à educação. Partindo da minha realidade, posso destacar a minha prima Viviane Bueno, uma mulher preta de periferia, que através das cotas raciais entrou na UERJ para cursar Geografia. Já finalizando seu curso, teve a oportunidade de realizar seu sonho de viajar ao exterior (Portugal), graças ao acesso à universidade que abriu portas para seu intelecto e potencializou ainda mais sua trajetória acadêmica.  Inclusive, é válido destacar que a UERJ é pioneira em questão de cotas, já que garante além do acesso, a permanência do aluno na universidade, com o “Auxílio Permanência”, que é justamente para dar assistência às classes minoritárias.

Quando você decidiu trabalhar como modelo? É possível afirmar que o espaço para mulheres negras na moda é um lugar consolidado ou há muito o que lutar para ampliar esse lugar no mercado?

Eu comecei a gostar de moda depois que assumi meu cabelo crespo. Buscar referências próximas a mim de mulheres parecidas comigo foi o que me potencializou nesse sentido. Acredito que apesar de já ter crescido bastante a representatividade de mulheres negras na moda, ainda há muito o que lutar para fugir do padrão que a sociedade impõe para essas modelos. O espaço é muito mais estreito para mulheres negras mais retintas e gordas, por exemplo. Além disso, acredito também que é preciso fugir da sexualização  da mulher negra para superar esse problema e ampliar o espaço dessas mulheres no mercado.

Crédito da foto: Kelson Fontinelle

Mesmo já existindo o movimento feminista, você poderia comentar um pouco sobre o feminismo da mulher preta? Quais os pontos principais a serem discutidos nessa vertente?

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Para esse debate  eu indico  a leitura do livro “ Mulheres, raça e classe” de Ângela Davis, que traz uma intersecção da  existência da mulher negra e periférica. Foi a partir dessa leitura, que eu entendi melhor o quanto o feminismo não é suficiente para mim enquanto mulher preta, sendo de supremacia branca e que não levanta pautas específicas das mulheres de cor. Atualmente, eu não me considero mais feminista, estou buscando entender mais sobre o Mulherismo Afrikana que é o movimento que me identifico, já que enfatiza a liderança social da negritude.  O feminismo negro é essencial para debater sobre a condição da mulher preta em todo o país, como escreve a Djamila Ribeiro em “Quem tem medo do feminismo negro?”, uma grande referência para essa pauta em questão.

Sabe-se que a sociedade desde sempre vem impondo padrões de beleza, principalmente para mulheres (geralmente mulheres brancas, magras, cabelo liso, olhos claros). Você como mulher preta, como lida com isso e quais movimentos são feitos para desconstruir essa ideia do “belo”?

Ser uma mulher preta é saber que o julgamento vai além da estética. Eu busco sempre trabalhar minha autoestima pelo meu intelecto e saúde mental. Acredito que me achar bonita com o meu cabelo crespo e lábios carnudos é válido, mas não o suficiente, tendo em vista que vivemos num país racista que sexualiza nossos corpos de forma extremamente violenta. Quando me entendo como mulher preta, busco um resgate ancestral que me mostra que além dos traços bonitos que minha origem proporciona, tenho também uma carga enorme de riqueza cultural e de intelecto. Por isso, antes de buscar o amor próprio, vou a procura do auto-respeito. Respeitar tanto minhas vivências quanto a história das minhas ancestrais é o que me fortalece nesse processo de autoamor.” Nós já éramos bonitos antes mesmo deles inventarem a beleza”. O padrão foi feito para ser quebrado e eu sei que estamos conseguindo.

Você considera que os grupos de movimentos negros na cidade de Floriano, são ativos e conseguem atingir outras esferas da nossa sociedade com o que promovem?

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Infelizmente ainda existe uma carência muito grande da efetivação desses movimentos sociais na cidade.

Vi que você além de modelo, também é empreendedora. Poderia explicar um pouco sobre o que é o afroempreendedorismo?

O afroempreendedorismo é uma movimentação econômica idealizado como estratégia de enfrentamento à vulnerabilidade da população negra, além de ser uma forma de reparação história, focada em venda de produtos com resgate cultural africana. Criei a loja chamada Odara (@use.0dara) na intenção de trazer essa representatividade que ainda está em falta na minha cidade. Nela há produtos para cabelos, cuidados pessoais  e moda afro, é perceptível a referência que ela já trouxe à cidade, e isso me deixa muito satisfeita e motivada a continuar.

O resgate da sua identidade está ligado às suas raízes, o que é fato. Como você é vista pela sua família pelo o que você se tornou?

Meu laço familiar é muito grande. Venho de uma família humilde, mas com uma grande riqueza ancestral que é o terreiro de umbanda que pertenceu à minha tataravó e é passado de geração a geração. Sendo uma família predominante de mulheres, já que a minha avó teve 5 mulheres e apenas 2 homens, eu tive uma criação excelente com referências de grandes mulheres negras que são a minha própria família. Então, cada passo que eu dou a frente, seja pequeno ou grande, é celebrado com muita honra entre nós. É isso que me mantém de pé em meio a esse mundo que odeia pessoas como eu.

Qual a propriedade imaterial mais importante que sua família pode deixar pra você, no sentido de cultura/religiosidade

Sem dúvidas, o poder ancestral que a minha família possui é o presente mais especial que eu poderia ter. Algo que ninguém nunca vai poder tirar de mim. Venho de uma família de axé, minha avó é mãe de santo de um terreiro de umbanda, a ancestralidade corre nas minhas veias. Minha avó me ensina sobre dar valor ao que eu tenho e principalmente a não desistir do que eu acredito. Por isso, eu não paro. Não posso parar porque não luto só por mim.

12 comentários em “A potência e a voz de Victória Bueno”

  1. Que entrevista linda e necessária! Gratidão a Vic Bueno por ter participado e nos agraciado com as suas palavras potentes! Parabéns à equipe da Revista Acrobata por está dando visibilidade a temas tão pertinentes para a nossa sociedade.

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