ENTRE CORDAS E EMOÇÕES:
Vocalista, baixista e compositora da banda Alien Knife Fight, também trabalhou no projeto sonoro A.K.A.C.O.D, em colaboração com o saxofonista Dana Colley (Morphine) e com o baterista Larry Dersch. Atualmente, ela é uma referência no Gothic Blues e Post-Punk contemporâneo. https://moniqueortiz.bandcamp.com // tradução do texto: LANDERSON RODRIGUES
*Fotografias de David Brendan Hall
“Cuidado com o que deseja”, ou talvez deveria ser algo como “cuidado com o que os outros PENSAM que você está desejando”. Minha afiliação com a banda Morphine tem sido tanto uma maldição como uma bênção, de tal modo que eu ten- ho aprendido bastante a partir de minhas colaborações com os membros da banda, mas não tenho tido êxito em sair completamente da sombra de Mark Sandman. Se eu puder oferecer a você qualquer insight sobre o meu processo de criação, eu devo primeiro esclarecer algumas coisas.
Eu nunca conheci Mark Sandman, a não ser como fã, à qual foram concedidos alguns minutos após um show, uma vez ou outra. Meus trabalhos com os membros do Morphine não começaram muito depois da morte de Mark. Até hoje eu não tenho ideia de que cordas ele usava em sua técnica de slide bass, ou que tipo de afinações ele usava (os fãs me perguntavam isso frequentemente). Eu nunca liguei porque nunca foi meu objetivo tocar o slide bass como ele, ou fazer o que ele fazia. Eu apenas fui inspirada por sua singularidade feroz e instrumentação incomum. Eu sou, em minha essência, uma baixista fretless, e estava muito interessada em explorar o que eu podia fazer com isso.
A primeira apresentação do Morphine que assisti foi em Trocadero, na Fila- délfia, em maio de 1996. Na época, a banda de pós-punk em que eu estava tocando por uns anos tinha acabado. Nós estávamos tocando na mesma linha de bandas como Joy Division, Echo & The Bunnymen e Josef K, e tínhamos sucumbido devido a diferenças criativas. Nessa altura, eu estava obcecada por David Sylvian, King Crimson, Wire, e Nick Cave. Por coincidência, eu tinha escutado a música do Morphine uns meses antes na trilha sonora para o filme Spanking the monkey.
Estava encantada pelo grooves contagiosos e pela sensualidade sombria do som. Mas o que eu achei mais interessante era que, necessariamente, era rock, mas não era centrado nas guitarras. Se você ouvir atentamente, há guitarras por toda a música do Morphine. No entanto, está mais para uma cor sutil do que uma força condutora. Tudo isso veio em uma hora em que eu estava profundamente frustrada com o grupo de guitarristas com quem estava trabalhando, e eu queria seguir adiante sem eles. Sabia que deveria existir uma maneira de criar um poderoso som impul- sionado pelo baixo em mundo dominado por guitarras, e o Morphine estava fazendo isso.
Quando criança, minha apresentação formal à música deu-se através das pa- lhetas. Comecei com o clarinete e mudei para o baixo quando tinha 12 anos de idade. Sempre amei as palhetas tanto quanto o baixo, razão pela qual Mick Karn (baixista e saxofonista do Japan) continua a ser minha única grande influência.
Comecei a escrever letras no começo da minha adolescência. Eu ainda as tenho. Nos últimos 30 anos, sempre carrego meu caderno de letras para que eu possa es- crever qualquer ideia que venha a mim. Não uso computadores, tablets, ou qualquer coisa eletrônica. Tem de ser orgânico, tangível, e de acesso não tão fácil para os outros. Tenho milhares de páginas de letras e centenas de horas de gravações que talvez nunca venham a ser lançadas.
Aquele show do Morphine, em 1996, foi um ponto decisivo para mim. Percebi que eu tinha acumulado todo esse material e não tinha meios para reproduzi-lo. Nunca me vi como líder de banda ou vocalista. Tinha acabado de me formar na escola de arte e estava dividida entre seguir a música ou continuar como pintora. Eu nem mesmo era capaz de cantar e tocar um baixo ao mesmo tempo.
Era uma forte vocalista e uma baixista decente, mas não conseguia unir as duas coisas. Ver o Morphine me inspirou a ter mais esforço e assumir o centro do palco. A maior conversa que tive com Mark Sandman foi a primeira, quando corri aos bastidores e me apresentei a ele. Nós conversamos brevemente e ele me incentivou ir a Boston quando eles iriam tocar na World’s Fair Of Central Square. Comprei uma passagem de trem e, quando cheguei lá, ele me disse para eu me apresentar para os donos do restaurante Middle East, para eles me darem um emprego. Eu me mudei para Cambridge, Massachusetts, mais tarde, naquele mesmo ano, e fiz como tinham me dito. Aquela foi a dimensão de minhas interações com Mark Sandman.
Em 1997, formei o Bourbon Princess com o baterista Dave Millar. Nós estávamos tão sedentos para tocar que não nos preocupamos muito em achar outro instrumentista, e nos dávamos bem apenas como uma dupla de bateria e baixo fretless. Tocando em festas, galerias de arte e outros lugares menores. Nosso material abrangia desde o “spoken word” até Iggy Pop. Finalmente, incluímos o violoncelista Jonah Sacks no line-up e gravamos “Stopline”(minha primeira sessão usando Pro Tools).
Bourbon Princess foi minha crise de identidade, ou, para colocar de forma mais bondosa, meu ritual de passagem. Eu estava tão ansiosa para mostrar ao mundo o que eu era capaz de fazer que não consegui, realmente, chegar a um som coerente.
Algumas canções estavam mais próximas de parecer com Roxy Music, enquanto outras estavam, como alguns descrevem, mais parecidas com Concrete Blonde. Por volta da mesma época, eu estava tocando o meu P-Bass com o guitarrista e vocalista da Treat Her Right, Da- vid Champagne, em uma banda de curta duração chamada Lucky Bastard.
Nós tocamos muitas canções da Treat Her Right com algumas poucas misturas. David me apresentou formalmente a Jerome Deupree e Dana Colley, que também foi responsável por chamar Jerome para tocar bateria na Bourbon Princess, enquanto Dana produzia e tocava em algumas faixas.
O Saxofonista, e também líder da banda Either/Orchestra, Russ Gershon, juntou-se a nós no line-up, e forneceu a distribuição das músicas “Black Feather Wings” e “Dark Of Days” do Bourbon Princess em sua gravadora chamada Accurate Records. Por volta dessa época, eu também criei um vínculo muito próximo com o guitarrista e pianista Jim Moran, que se juntou ao Line-up, e também é o melhor guitarrista com quem já tive o prazer de trabalhar.
Até então, eu era acostumada a escrever minhas canções numa Korg D8. Tem sido meu método favorito de composição. Tenho algumas dessas máquinas, já que elas são obsoletas e podem quebrar uma vez ou outra. Até eu conhecer meu noivo, Michael, eu não conseguia escrever na presença de outras pessoas.
Componho a maioria de minhas canções no fretless, criando demos que consistem geralmente de 02 pistas de áudio de baixo, e 02 ou 03 de vocais. Eu poderia ver então minhas letras mais recentes e encontrar algo que se adequasse à música que apenas gravei. Às vezes posso ter sorte, e a música e as palavras vêm em uma enxurrada, tudo de uma vez. É sempre mais agradável apenas se deixar levar pelo fluxo de consciência e deixar a canção se escrever por si própria.
Grande parte de minha música é colorida por minha longa vida de luta contra a depressão e a repentina perda do meu irmão quando eu era adolescente. Eu tento não deixar me definir por minhas experiências ruins, mas também acho que é perfeita- mente natural usar um tipo de arte para se mover através da escuridão, e atingir a luz. Quando o produtor executivo, David Brilliant, propôs que Dana Colley e eu trabalhássemos juntos, não fazia ideia do tamanho do desafio que seria para a escritora que eu era na época.
A.K.A.C.O.D. foi um dos projetos mais desafiadores em que eu já estive envolvida. Foi extremamente intimidador para mim poder trabalhar com um de meus heróis, Dana Colley, no estudo caseiro de outro herói, Mark Sandman, na Hi- N- Dry. Como Matt Johnson uma vez disse: “Eu estava tentando ser Eu mesmo, mas acabei sendo uma outra pessoa.” Pode ter sido coisa da minha cabeça, mas a intensa energia criativa do lugar era palpável. Por vezes eu senti como se Mark estivesse presente. Eu estava honrada e empolgada por estar lá e, ao mesmo tempo, completamente assustada.
Quando as pessoas falavam a respeito do Morphine, elas geralmente focavam em Mark Sandman, mas tinham mais a dizer sobre a soma das partes. Muitas vezes penso em Dana Colley como o John Paul Jones do Morphine. Ele é um incrível produtor, multi- instrumentista, e um persistente desconstrutivista. Além de todos no círculo do Morphine, devo mais crédito ao Dana por ter me moldado como uma escritora e cantora. Eu sempre fui uma pessoa muito teimosa e insegura, e foi a perseverança e paciência da parte de Dana que me fez desapegar desses velhos hábitos e tentar novas abordagens quando estiver escrevendo música e moldando o som.
O Morphine me ensinou bastante sobre o poder da improvisação, e a importância de gravar tudo. Dana me ajudou a superar minhas fraquezas, enquanto encontrava minha própria voz. Nós estávamos escrevendo canções como podíamos a partir do zero. Eu chegava ao estúdio com as letras e Dana me ajudaria a revisar.
Assim que nós convocamos o baterista Larry Dersch, começamos a fazer apresentações ao vivo. Foi então que percebi o quanto a experiência de tocar ao vivo era crucial para moldar o som. Nós pegávamos qualquer apresentação que pudéssemos, por menor que fosse, e, por várias vezes, acabávamos improvisando parte dela. Novas canções se revelariam nesses shows. Larry tinha um gravador de minidisco e catalogava cada apresentação, nos fornecendo os CDs para ouvirmos e aprendermos no dia seguinte.
Após vários meses trabalhando na gravação e tocando extensivamente por toda Bos- ton, nós lançamos “Happiness”. O momento não podia ter sido pior. Foi por volta de 2007, 2008 e a Indústria fonográfica estava entrando em colapso devido à internet.
As gravadoras estavam falindo. Gerentes e a A&R não estavam procurando bandas para fazerem contratos, eles estavam procurando emprego. Ninguém realmente sabia como proceder diante disso. Foi bem antes que mídias sociais e o crowdsourcing fossem realidade. Milhares de dólares foram gastos na divulgação da gravação, apenas para serem praticamente ignorados por todos.
Nós embarcamos numa van, com 10 a 12 viagens, apenas para tocar para várias salas vazias, em lugares pouco conhecidos. Isso foi desanimador, e também outros aspectos de minha vida pareciam estar desmoronando todos ao mesmo tempo, então decidimos tomar caminhos distintos. Eu precisava de uma mudança de ares.
Em 2013, eu me reuni com Dana e Larry para tocarmos no Pohoda Festival, na Eslováquia, e no EXIT Festival, na Sérvia, assim como em alguns shows menores.
Em 2010, eu me mudei pra Austin, Texas, nem tanto pela sua cena musical, mas porque eu já conheço pessoas lá e poderia arrumar facilmente um emprego e um lugar pra viver. Foi em Austin que conheci Michael Howard, meu noivo e parceiro no meu atual projeto, Alien Knife Fight.
Mike é baixista e baterista, então nos demos muito bem um com o outro facilmente. Ele vem de uma bagagem mais ligada ao Metal e ao Rock, o que foi bem agradável. Estando tão inserida no ciclo do Morphine, eu comecei a me sentir muito presa em um som com tendências mais próximas ao Jazz e o Blues.
Anos atrás, quando construí meu primeiro baixo slide de 2 cordas, eu era relutante em tocar ao vivo com ele porque sabia que as pessoas iriam me comparar ao Morphine imediatamente, e me pediriam para tocar músicas deles. Conscientemente, eu o mantive guardado por muitos anos, enquanto desenvolvia um estilo diferente de tocá-lo.
Assim que eu iniciei meu trabalho com Mike, comecei a encontrar um som próprio no baixo slide. Ao invés de tocá-lo no estilo provocante do Morphine, eu toquei de uma maneira em que alguém como Josh Homme (Queens Of The Stone Age), ou Ian MacKaye (Fugazi) possam tocar. Um mundo completamente novo de som se abriu para mim.
Hoje, depois de muitos anos após a morte de Mark Sandman (1999), há um público completamente novo que nunca ouviu falar de Morphine ou de um baixo slide de 02 cordas. Estas pessoas estão começando a descobrir a música do Alien Knife Fight, que algumas pessoas estão descrevendo para mim “Slide Punk”.
Eu me sinto muito como um peixe fora d’água em Austin. Tenho estado aqui por quase 05 anos, e além do fato de tocar com frequência pela cidade, eu não tenho muita presença na cena musical daqui. Prefiro colocar minhas energias nas gravações e nas turnês. Geralmente digo às pessoas que sou uma musicista de Boston em um hiato in- definido em Austin.
Tudo na verdade é um “perde e ganha”. Mike e eu estamos necessariamente vivendo o sonho. Nós gravamos tudo o que fazemos, em uma casa grande e velha, cheia de guitar- ras, baixos, amplificadores, baterias, um piano, e um órgão. Não há mobília. Não há lugar para se sentar, a não ser a mesa da cozinha ou a cadeira de balanço da varanda lá fora.
Às vezes, acordamos no meio da noite com ideia para uma música (que foi o caso de “Keep talking”) e nós ligamos tudo e gravamos de pijamas. Já que é quase impossível ganhar a vida fazendo música, nós nos sustentamos como sopradores de vidro e artistas visuais.
Nós chamamos carinhosamente nossa casa de Big Bottom Farm (quem não ama uma referência ao Spinal Tap?). Antes, quando Dana, Larry e eu estávamos gravando “Happiness”, eu olhava ao redor e via os vários instrumentos de corda do Mark, e pen- sava sozinha: “Eu vou viver em um lugar como este algum dia.” E agora eu vivo.
Atualmente, Mike e eu estamos gravando uma versão de uma música do Mikel Rouse, “The Receiver”, sob a direção do produtor executivo Robert Martinengo. Assim que isso estiver terminado, nós iremos voltar a trabalhar na nova gravação do Alien Knife Fight.
Na medida em que a turnê vá seguindo, estaremos tentando chegar até Boston e voltar, tocando em cidades pelo caminho, mas nesse momento nós não temos o suporte necessário para embarcar numa extensa turnê nacional e internacional. Nós estamos levando em conta o crowdsourcing, contato que possamos criar uma base significativa de fãs.