.4 Mini-contos de Jorgeana Braga

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Jorgeana Braga, escritora, poeta e mula. Publicou “Janelas que Escondem Espíritos” (poesia), “A Casa do Sentido Vermelho (romance) e  “Cemitério de Espumas” (encenado no teatro) dentre outras publicações coletivas.


Manual Lowen para não ter Corcovas

Preciso. É preciso. Estar aqui . Senão a língua vai arder, os dedos irão cair. O corcunda de notre dame fez casa nas minhas costas e não trouxe uma florzinha. Bem em cima do ombro (cinturão de saturno, mas quis mesmo dizer primeiro júpiter).
Tudo é tão apressado.
Mini férias – imagens belas que ferem o cotidiano – raras. Alguns passarinhos sobrevoavam o jardim lá de casa. Pousando em vovó Vavá ( a árvore que leva o nome da avó já morta)
Parti vovó Vavá ao meio em pleno acesso de fúria, depois chorei agarrada às suas folhas até sair – do meu corpo e garganta – os primeiros soluços do mundo.
É fácil a gente se plantar, difícil é nascerem as raízes.
Depois havia terra debaixo das unhas. Um sol desconfiado pousando no céu fervendo o topo das casas. Em casa não há muito sol e nos presídios homens e mulheres procuram o pátio.
Dizem que quando não há argumento há gritaria. É por isso que o mundo não é silencioso.
           a) Pintar parede é anti depressivo
           b) Desço a rua são João e as casas antigas me animam, mesmo as condenadas
            c) Odeio trabalhar, esse instrumento de tortura contemporânea.
           d) Acho que vou chorar.

Observação entusiástica: de acordo com Alexander Lowen chorar faz bem. Soluçando alto e tudo mais. Não precisa se envergonhar, mesmo que você fique com queixo de imbecil e sua mãe diga que homem não chora. Mesmo que seu companheiro chame você de mulherzinha ou seu patrão diga “deixe seus problemas na porta da rua” Mesmo que seu melhor amigo fique envergonhado no bar, ao seu lado. Berre, chore alto, esperneie. Saia de rosto inchado pelos ônibus, olhe-se no espelho. Alexander Lowen também diz que chorar deixa a gente mais bonito (eu acho que agora todas as                             anorexas vão desfilar chorando).


Escala Existencial Para Passar Cafés

Peguem os talheres. Em fatias o coração. Arreganhem os dentes e mastiguem felizes enquanto Radiohead toca alto nas caixas de som. Abocanhem pedaços novos posto que os velhos estejam na varanda. Porcos glutões fazem meus dentes sair pelos ouvidos. E tenho olhos para o filete de sangue que se prostra à mesa. Alguns rastros passam em fileiras santas como se fossem aquelas merdas de desfiles estudantis:
            A blusa vermelha
            Os joelhos sangrando
             Pequenos orifícios abalados
             O azul.

Mas não se ouvem os trombones. a vida contada de trás para frente é ode ao silêncio. A alma sente o amor esperando como uma
esquiva.


Para o Borges

há um vasto caminho que persigo nessa rua estreita. As pedras cada uma delas sinalizam pequenos portais de um ponto imemorial do universo. Piso naquilo que não lembra. Caminho na lenda daquilo que nada sabe sobre si. Sabe-se lá que parte do tempo parte que necessidade poética torna vasto o descer de pálpebras o ruminar de assombros a leveza do exagero…Quando Borges às margens de Tlon diz que lua não é lua que lua é “aéreo-claro sobre redondo-escuro”.


Postagens

As pessoas e suas vidas. As pessoas as coisas os relacionamentos e o sistema. Sem explosão, sem amor fusional, sem vínculos estelares. Em tudo respiração           ofegante, músculos cheios de anabolizantes. Em tudo determinação gigantesca ou “não há alternativas”. Da janela horizontes intranqüilos desde que “eu          nem falava”. E esse mal-estar para fora, já companheiro, nunca amigo. Esse eu conheço como se fosse a desenhar mapas, velas e as amizades hi-tech.

Nenhuma ligação ou alívio. Sem alívio em lugar nenhum, em pessoa nenhuma, em objetos fortuitos… alhures. Confissão: soou tenso. Não há palavra,                         portanto. Há o dia atrás do outro mergulhado em mais menos. Há o “falta algo a dizer”. Percebe-se o medo de risos prolongados nas grandes multidões, o         horror a toques delicados. Automaticamente simultâneo, fenomenicamente nada e a troca genética cão-pessoa, animais estão em festa; a humanidade             exercida neles. As academias da extinção da culpa.

Sozinhos não chegamos a ser alguém, pode parecer inocente, foda-se. É o que acho. Mas nas igrejas não entro para me converter. Não há cidade país ou rua        que nos leve a algum outro lugar. O furo no espaçotempo para conversar com Trotsky ou Dostoieviski ou a Ravena dos novos titãs, sei lá.

[O sol bate no meu cacto. A luz respinga na janela].

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